Ivan Santos, conhecido como Dú Pente, cofundador da Juventude Negra Política (JNP), afirma que articulações políticas e institucionais para lidar com os desdobramentos do racismo, quando prioriza apenas o gênero, acaba invisibilizando os homens negros. Para ele, “homens negros no Brasil são colocados, quando conveniente, como homens apenas”.
“É importante identificar e encarar essa questão de forma séria e não ter constrangimento em dizer que no Brasil não há agenda política que inclua homens negros em nenhuma esfera.”
Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.
Dú Pente é do bairro Bonsucesso, localizado no distrito de Barreiro, periferia de Belo Horizonte, e é pós-graduado em Ciência Política, com MBA em Gestão de Projetos. O articulador coloca que as barreiras que existem desde a sobrevivência de homens negros nas periferias até as dificuldades que a população negra têm de acesso à educação, são circunstâncias que interferem na presença dessas pessoas na política.
“Tanto se fala sobre o genocídio da juventude negra, que virou mais um panfleto na boca de dirigente partidário, [no entanto] quais são os apoios e incentivos, as agendas e o espaço para que esses homens pretos se coloquem e possam construir mecanismos institucionais para superação do genocídio da juventude negra? Não há”
Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.
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A colocação de Dú Pente dialoga com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que indica sobre 83% dos mortos pela polícia em 2022, no Brasil, serem negros, pobres e periféricos, 76% deles eram jovens entre 12 e 29 anos.
Gênero e raça
Dú Pente aponta que é necessário a articulação entre pessoas negras para além do gênero, com o objetivo de lidar com as manifestações de racismo que também estão presentes nas esferas institucionais e políticas.
“Há uma estratégia da branquitude que é sugerir que se homens pretos ocuparem ou estiverem nesses espaços [políticos de poder] estarão tirando o lugar das mulheres negras”, coloca Dú Pente, que menciona não existir essa intenção entre os homens negros. “É importante que nós, homens pretos e mulheres pretas também dialoguem e não caiam nessa cilada”, pontua.
Ele comenta que essa estratégia da branquitude se dá pela forma que as questões de gênero foram inseridas através do feminismo europeu, a partir de uma origem eurocêntrica, em uma lógica em que homens e mulheres brancas se priorizam quando se trata de questões raciais.
“[O feminismo] é importado para um continente que foi colonizado, multirracial, com outras origens e esse parâmetro acaba contaminando algumas percepções. Então, esse entendimento de que homens pretos e mulheres pretas acabam tendo certa rivalidade nesses espaços é mais uma estratégia da branquitude, por que ao fim quem se beneficia? Quem continua recebendo os maiores recursos? Não são as mulheres negras”, coloca Dú Pente, que já teve duas experiências como candidato a vereador.
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Conforme o Censo de 2022, quase 56% dos brasileiros são negros. Diante disso, Dú Pente coloca que é necessário que a população negra no Brasil esteja nos espaços de tomada de decisão, e que isso não deve ocorrer pela presença de mulheres negras em detrimento de homens negros, ou vice-versa, mas pela lógica de que as pessoas negras representam a maioria da população brasileira.
“Qual é a parcela que mais está representada [na política]? Homens brancos e supostamente heterossexuais. Então, acho que talvez tenha que diminuir a cota dessa galera. Porque [eles] estão com cota nos espaços de poder há 500 anos”
Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.
Dú Pente coloca que homens negros têm as suas próprias particularidades, e que por isso, não deveria ser categorizados como um homem branco, pois não têm os mesmos privilégios. Ele ressalta que as desigualdades entre homens negros e brancos existem e devem ser consideradas.
“Os maiores índices de assassinados por arma de fogo [e] de pessoas que morrem por não ter acesso à saúde básica preventiva são homens negros. Os que mais têm câncer de próstata e morrem por [isso] são homens negros, os mais encarcerados são homens negros”, exemplifica.
Ele também aponta que a discussão sobre organização política de homens negros no Brasil é tida como uma manifestação de machismo, e destaca que não se opõe ao feminismo, mas que a discussão feminista branca e eurocêntrica colocada para tratar questões raciais é problemática.
Estratégias
O articulador comenta que criou um grupo com outros homens pretos, em Belo Horizonte, para dialogarem sobre masculinidades negras e nesse processo percebeu como os papéis sociais que são atribuídos aos homens negros são limitantes e estereotipados, inclusive dentro dos partidos políticos. “Tem umas limitações sobre os nossos corpos, nossa identidade, como a gente deveria ser e quando a gente não corresponde as pessoas se chocam”, pontua.
Criar uma organização do terceiro setor foi a alternativa que Dú Pente encontrou para atuar na política fortalecendo a democracia. Isso se deu através de projetos que promovem a educação de jovens negros, para que eles possam ter mais autonomia na construção da cidadania e para que também estejam preparados para liderar. “Racismo a gente vai deixar para quem criou focar mais nele”, diz o articulador político.
A Juventude Negra Política (JNP), organização que é cofundador, foi criada em 2019, com o objetivo de promover a educação cívica e democrática no fortalecimento da democracia na América Latina, através de uma perspectiva antirracista, tendo como foco jovens negros e periféricos.
Dú Pente ressalta que não dá para existir racismo com democracia, e que o trabalho da JNP não é assistencialista, e sim um trabalho que busca a emancipação estratégica do povo preto. “Os manos pretos e as manas pretas têm que caminhar lado a lado, e tem que estar os dois dentro desses lugares, porque nós fazemos parte um do outro, nós somos uma comunidade”, finaliza.