Assim como o racismo permeia a sociedade como um todo, ele também está presente na política e reflete na candidatura de pessoas negras quando se trata do acesso a cargos institucionais de liderança, é o que afirma Nazaré Cruz. “O partido é a sociedade. Tudo que tu vivência aqui, tu vai vivenciar dentro do partido também, [inclusive] as desigualdades”.
Moradora do bairro Terra Firme, periferia localizada no distrito D’água, em Belém, no estado do Pará, Nazaré é militante do movimento negro e feminista, mãe, historiadora, de religião de matriz africana, e atualmente trabalha como diretora de assistência social.
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Nazaré ressalta que a política não é um lugar pensado para as pessoas negras, o que influencia na pouca representatividade. “A dificuldade de pessoas negras e de mulheres negras, principalmente, se dá [porque] não somos as prioridades de investimento dos partidos”, menciona.
Desde 2007, a diretora de assistência social é filiada ao PT e se candidatou duas vezes: a primeira para o cargo de vereadora em 2020, e em 2022 como titular de chapa em uma campanha coletiva para deputada estadual.
“Não estamos falando de representatividade se tem uma pessoa negra e 300 parlamentares homens brancos e de meia idade. Se na população brasileira somos 56%, o mínimo que se esperava é que tivéssemos uma representação semelhante ou próxima a esse número nos espaços de tomadas de decisão e [isso] não acontece ainda.”
Dú Pente, co-fundador da Juventude Negra Política.
Ivan Santos, conhecido como Dú Pente, é do bairro Bonsucesso, no distrito de Barreiro, periferia de Belo Horizonte. Pós-graduado em Ciência Política, Dú Pente teve duas experiências como candidato a vereador: em 2016, em um mandato coletivo que elegeu Áurea Carolina, a primeira vereadora negra de Belo Horizonte, e em 2020, com uma candidatura convencional.
“Estas identidades, negro, periférico, gay, pobre trazem camadas de violências simbólicas, sistêmicas e físicas que estão para além do cotidiano e que se reproduzem no nosso espaço institucional político”, coloca Dú Pente, que atualmente não é filiado a nenhum partido.
Em busca de soluções para lidar com os entraves e demais vivências que acumulou em sua trajetória política, em 2019, Dú Pente co-criou a Juventude Negra Política (JNP), uma organização da sociedade civil que tem o objetivo de promover a educação cívica e democrática no fortalecimento da democracia na América Latina, numa perspectiva antirracista.
Representatividade
A falta de recursos é o principal obstáculo apontado por Nazaré e Dú Pente na consolidação das candidaturas de pessoas negras. “Candidaturas de homens e mulheres negras em todos os partidos são as que menos recebem recurso e apoio para poder se desenvolver”, aponta Dú Pente.
Ele comenta que os partidos políticos estão preocupados com a propaganda da representatividade e não investem os recursos necessários para que pessoas negras e periféricas sejam eleitas. “Pouco importava, na prática, as questões relacionadas à representação para além do discurso”, menciona Dú Pente sobre sua experiência quando candidato.
“Nós não temos os sobrenomes das famílias tradicionais da política, nós somos cidadãos comuns, pessoas do povo e queremos disputar esse espaço também por entender que esse é o espaço do povo e ele precisa ser representado, já que a gente diz que tá numa sociedade democrática, essa representação precisa ser democrática.”
Nazaré Cruz é historiadora e atua na política partidária desde 2007.
Tanto a Nazaré quanto Dú Pente colocam que o financiamento é necessário para fazer campanha e que isso é indispensável quando se trata de candidaturas de pessoas negras e periféricas.
“A gente precisa de recurso para pensar na sobrevivência de um candidato que faz campanha o dia inteiro e não pode trabalhar. Como que a pessoa se mantém? Um cara da quebrada, periférico, sem herança, sem grana, ele precisa de uma remuneração mínima”, exemplifica Dú Pente.
Nazaré menciona que candidaturas de pessoas brancas geralmente recebem apoio até antes do período eleitoral, e mesmo quando não se elegem são projetadas para as próximas eleições ocupando espaços de decisão e poder. “A gente percebe isso nas composições dos governos nas pós-eleições. É só você verificar quem vira secretário, quem vira presidente”, comenta.
Transparência e autodeclaração
Atualmente, as campanhas eleitorais são feitas a partir do financiamento público. Segundo Nazaré, a situação melhorou se comparado ao contexto em que os financiamentos eram privados, feitos por empresas. No entanto, isso não acabou com as desigualdades existentes. Ela também comenta que o financiamento específico para candidaturas de pessoas negras viabilizou uma presença maior desses corpos na disputa das eleições. A historiadora conseguiu financiamento público através do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) quando se candidatou.
“É importante registrar que nem todo mundo consegue acessar esse recurso porque a distribuição fica por conta da direção do partido. Ele tem que dar um percentual, mas isso não obriga que dê para todos os candidatos. Então [nem] todas as candidaturas negras ou de mulheres vão acessar o recurso”, explica Nazaré.
Dú Pente comenta que não existem critérios objetivos de como internamente esses recursos serão distribuídos, o que contribui para que o racismo se faça presente nessa distribuição dos recursos. A autodeclaração de pessoas negras para obtenção de recursos é outro ponto que o cientista político coloca a necessidade de fiscalização e regulamentação para que não fique a critério da subjetividade de quem está no poder das instituições.
“Depois da luta organizada dos movimentos negros do Brasil para que houvesse uma distribuição equânime dessa cota do fundo eleitoral para candidaturas negras, teve esse fenômeno da autodeclaração de pessoas que nunca se identificaram como negros antes e têm um fenótipo [em que] o privilégio racial os acolheu a vida inteira [e] passaram a se beneficiar desse fundo”, coloca Dú Pente.
Apesar dos avanços, a permanência de pessoas negras na política é um processo por vezes solitário e atravessado por violências. Dú Pente cita como exemplo o crime político que assassinou Marielle Franco, em 2018.
Nazaré e Dú Pente apontam que se organizar em coletivo é uma estratégia indispensável para lidar com o racismo e seus desdobramentos dentro dos espaços políticos. “Uma das estratégias é permanecer na militância com os movimentos sociais. Ninguém consegue chegar a lugar nenhum sozinho e [nem] fazer esses enfrentamentos sozinho”, ressalta Nazaré.