O preço da feira aumentou. Essa afirmação é unânime, do feirante ao economista, e também entre quem frequenta a feira ou deixou de frequentar devido à alta nos valores das frutas, legumes e verduras. Cenário que tem afetado o bolso, mas também os hábitos de consumo de moradores das periferias de São Paulo.
“Muita coisa aumentou, antes era bom, mas agora não tem nada barato, é tudo caro. Então, eu prefiro pegar no sacolão durante a semana”, conta Joana Rodrigues, 60. Ela é aposentada e frequentava a feira do bairro onde mora, no Jardim Santo Eduardo, na cidade de Embu das Artes, desde 1994, quando se mudou para a região.
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Joana conta que já teve situações em que foi a feira e acabou voltando para casa com o carrinho vazio. “Eu gostava de ir à feira todo domingo, porque as coisas estavam mais em conta e eu via várias pessoas conhecidas, a gente conversava. Eu sinto muita falta da feira”, compartilha a aposentada.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) variou 3.4% no Brasil, entre março de 2023 e o mesmo mês de 2024, segundo o economista Luis Felipe Magalhães. O INPC mede a variação média dos preços de serviços e produtos de consumo das famílias com renda mensal que vai de 1 até 5 salários-mínimos.
“A gente está falando aqui de grupos sociais que são mais sensíveis às variações de preços, pois eles tendem a gastar a maior parte do seu rendimento médio mensal com itens básicos”, menciona Luis, que é professor de economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisa temas relacionados à economia popular, local e territórios periféricos.
Segundo o economista, dentro dos 3.4% de aumento geral de preços pelo INPC, o item alimentação e bebidas subiu 2.82%, ou seja, estão abaixo da média. “Tubérculos, raízes e legumes tiveram um crescimento de 27,5%, muito acima da média nacional. Itens que entram decisivamente na composição da alimentação doméstica”, aponta.
E essas variações impactam diretamente na vida dos moradores, como na rotina do Alberto Batista, 55, que é torneiro mecânico e mora com a família no bairro Jardim Princesa, no distrito da Brasilândia, região norte de São Paulo. “Várias coisas eu já deixei de comprar por causa do valor. Sempre acontece, [para] um simples proletariado não tem como, né?”, diz o morador que frequenta as feiras localizadas no bairro Vista Alegre, Vila Terezinha e Estrada do Sabão, todas na Brasilândia.
Alberto menciona que nas feiras que frequenta, no mês de março de 2024, os preços que se destacaram foram do tomate, banana, laranja, cebola e das verduras em geral.
“As hortaliças e verduras cresceram bastante acima da média, o coentro subiu 40%, o repolho subiu 26.2% e o alface subiu 11.9%”, aponta Luís.
Maycon de Jesus, 33, é feirante há 17 anos e conta que vende frutas de todos os tipos. “Maçã, laranja e banana é o que tem muito na mesa dos brasileiros”. Ele é morador do bairro Jardim Marina, em Embu das Artes e atua em diferentes territórios da região com a venda das frutas.
Entre as frutas que comercializa, o feirante aponta que a banana foi a que mais teve elevação de preço, desde o início do ano de 2024. Segundo o feirante, o valor da laranja também aumentou. “Acho que R$10 em uma dúzia de laranja, tá bem alto, quando eu comecei na feira era R$2”, compara Maycon.
Maycon conta que entre os cinco dias que trabalha na feira, o mais movimentado é o domingo. “Todo mundo pede desconto, [o valor] é 10 por R$5 pedem para por 12. Pedem para tirar R$1”. Ele conta que geralmente atende aos pedidos dos clientes e que isso ajuda com que eles voltem.
Mesmo com as altas dos preços, Maycon avalia que a quantidade de pessoas que frequentam as feiras nas regiões em que trabalha, não mudou.
Ir às compras no horário da xepa, ou seja, próximo as últimas horas do final da feira, também é uma estratégia que alguns consumidores encontram para manter o consumo de alimentos in natura com valores acessíveis. “Só tem um detalhe: dependendo do que você for comprar a qualidade pode ser inferior também”, conta Alberto.
Impacto na alimentação
“O chuchu, se tá muito caro, você pode substituir por repolho, e é isso que eu faço”, comenta Joana sobre as adaptações que tem feito nas compras devido a variação dos preços. Já o Alberto tem uma dinâmica diferente. “Banana, laranja, alface independente do preço, se você se habituou a comer, você não abre mão”, diz o morador da Brasilândia.
Para Joana alguns alimentos também são insubstituíveis, como a cebola e o alho. “Esses dois pode estar caro do jeito que tiver, mesmo que eu compre [apenas] uma cabeça de alho e uma cebola, tem que ter”. A cebola subiu 36.4% e o alho 19.3%, o que é acima da média conforme o INPC anual apresentado pelo economista Luis.
Nem sempre as substituições são feitas de forma adequada, pois algumas famílias vão em busca apenas do que é mais barato e a qualidade alimentar acaba ficando em segundo plano.
“O impacto tende a ser negativo não só do ponto de vista financeiro, mas também nutricional e da saúde das famílias. Isso gera um cenário de mais pressão do SUS. Tudo isso tende a ser agravado com esse crescimento da inflação e de substituição de formas mais orgânicas e saudáveis de alimentação, por formas mais industrializadas e ultra processadas.”
Luis Felipe Magalhães, professor de economia da UFABC e pesquisador de temas relacionados à economia popular e local.
Outro método que Joana e Alberto passaram a utilizar foi diminuir a quantidade de itens comprados. “Quando o tomate está muito caro, eu pego um, dois no máximo, aí quando está mais barato, eu pego 1 kg”, exemplifica Joana.
Ela comenta que essa variação dos preços interfere na alimentação de sua família, pois antes ela comprava os alimentos in natura em maior quantidade. Por outro lado, Alberto diz que esse cenário não afetou a alimentação de sua família. “A gente faz um aperto em outras coisas para nessa questão da alimentação não ser afetado negativamente”, explica.
Os feirantes também tiveram que se adaptar às consequências da alta dos preços. “A gente levava 30 [a] 40 caixas de laranja, hoje são 10. Cortamos bastante, até porque não vende”, conta Maycon sobre as consequências também na vida financeira para quem trabalha comercializando os alimentos.
“O cenário não é nada positivo. Nós temos o crescimento que se abate preferencialmente em itens que têm maior peso no consumo das classes trabalhadoras, [isso] num contexto de baixo crescimento econômico, de dificuldade de geração de emprego e renda, e no elevado endividamento das famílias”, comenta Luis.
O economista também ressalta que as mudanças climáticas, os efeitos da pandemia da covid-19, a manutenção de conflitos internacionais, e as decisões políticas em aderir a uma política fiscal contracionista – que prioriza o controle de gastos, juntos, todos esses elementos interferem de algum modo na economia do Brasil. Diante disso, Luis menciona que é difícil ter uma previsão de mudança desse cenário.