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Homens não devem cuidar de crianças: a ilegalidade da paternidade

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Como a sociedade reage aos primeiros meses de um homem sendo pai? Detalhes, olhares, comentários, sutilezas e muitas outras situações cotidianas reforçam a inquietação do ser humano ao ver um homem preto e periférico se descobrindo e vivenciando a paternidade. Mas o que há de errado nisso?

Dimas Reis e seu filho Malik na sede da Preto Império, projeto cultural que ele organiza junto a outras agentes culturais da Brasilândia, zona norte de São Paulo. (Foto: Bea Reis)

Eu quero e preciso começar esse texto dizendo que não estou aqui escrevendo para ser referência, principalmente para mulheres que vivenciam diversamente sua maternidade.

Outra coisa que não me interessa é negar a maternidade ou enaltecer a paternidade, mas questionar o machismo ao qual nós homens pretos estamos submetidos e alguns de nós buscamos se desvencilhar.

Tão bem tramado ele, que favorece, facilita e força a ausência da paternidade em diversos níveis de influência: psicológico, social, econômico, cultural e acrescentaria, com muito deboche, ficcional.

Tenho observado que rolou uma alteração do cotidiano, nos últimos seis meses por conta da experiência da paternidade. Falo desse tempo, pois só aí que fisicamente tornou-se mais fácil observar um pai e um filho, ou pai e filho, ou não na verdade, observarem um homem e um bebê recém-nascido.

Das primeiras coisas que senti, foi que os motoristas de ônibus, não nos seus 50%, ignoram a necessidade de cumprir a lei e aguardar que se sente com a criança para mover o ônibus. Não consigo conceber, parece que o cérebro não assimila que naquele utensílio junto ao corpo, com duas perninhas e dois bracinhos se projetando para fora dele (as vezes não dá pra ver a cabeça por conta que está coberta) que estou com uma criança, já chegaram a dizer com espanto: “pensei que era um boneco” (talvez eu pareça engraçado rs).

Outro ponto, que acho uma das pérolas mais podres do machismo, compartilhado e incrustado em todes nós: as pessoas abominam o fato do pai ter total capacidade de suprir as necessidades do filho na ausência da mãe, essa função parece ser única, exclusiva e obrigatória da mãe e ai dela.

Às vezes (eu disse ‘as vezes’ em) mesmo para a mãe é difícil quando um pai é o que ele deveria ser.To falando aqui daquela construção social que obriga a mulher a cuidar de si, do filho, do companheiro e por vezes de outros parentes, essa educação fica lá, tão encravada que, chega a rolar um estranhamento quando o pai é o que ele deveria ser. Se não se estranha, se enaltece, como não sei se deve ser.

Nesse primeiro texto quero me aprofundar mais nesse segundo ponto. Sinto um cerco, atento e desejoso de que nós homens, assumamos “o seu lugar de homem” na história, afinal “as coisas sempre foram assim”. 

Mas vamos lá, já que estamos nos falando pela primeira vez, deixa eu me apresentar.

Eu definido homem hétero, cis normativo, negro, periférico e desentendido-bi. Fui criado um pouco excluído das rodas masculinas, meu pai e minha mãe pareciam não querer me ensinar os palavrões, cuspes no chão e fofocas safadinhas na roda pós samba da laje no quintal dos primos.

Lembro dessa roda, todos sentados conversando e meu pai dizendo: ‘não é pra você ficar aqui não, vá com sua mãe’. Como quem dizia que o que se falava ali não eram coisas pra eu absorver.

Não por isso, mas grato por isso, toda minha vida me referenciei pelo feminino: minhas avós, minha mãe, professoras e até na adolescência minhas outras mães (Carmem, dona do bar em frente de casa e Dona Izilda, conhecida como Zilda só, a benzedeira). Elas eram tão importantes pra mim que tinham esse peso de mães, junto com minhas avós também. Só mais tarde a gente vai conceituar isso: que nos educamos mesmo é em comunidade né?

Cresci dentro desse contexto onde eu não gostava de jogar pião, empinar pipa, pensar no carro que eu teria ou nas namoradinhas que eu devia “ter”. Quando entrei na creche, com pouco menos de seis anos de idade lembro que meu primo já tinha “tido” umas duas namoradinhas.

Quando adolescente sempre esperei e sonhei pela mulher dos meus sonhos (a princesa encantada… ops devia ser príncipe né rs). Lá pelos 23 anos já me achava pronto e super desejoso de ter um filho, me deparei em meus relacionamentos com os projetos de vida das companheiras… e puxa como gosto de admirar as pessoas com quem me relaciono.

Então todas, que convivi (e convivo), considero mulheres fortes, bem decididas, com uma percepção de si e com um plano traçado no qual naqueles momentos não incluía ter um filho. Hoje com 33 anos, pra minha alegria, eis então, rolou uma sincronicidade de projetos.

Dimas se surpreende a todo momento com o fato das pessoas questionarem ou se surpreenderem com a forma como ele cuida do seu filho. (Foto: Bea Reis)

Bom, dito isso, para além de minha educação familiar ou minha vontade, sempre gostei de criança, já dei aulas em creche, já ajudei a cuidar e sempre gostei da sutileza de encantar e provocar o riso nelas. Minha avó diz que tem orgulho de como educaram os homens de nossa família, pois todos sabem cuidar de seus filhos.

Aí voltamos à vaca fria, enfim, chegou meu grande momento, o cabra pôs sua cara no mundo, recebeu seu nome e escolheu uma mãe porreta também, batalhadora, dona da feira, arrimo de família, daquelas que se depender dela, ninguém passa nenhum tipo de necessidade, sua insônia é não garantir o dia seguinte, com uma força de garimpar e arar que admiro as tampas é o pulso dela, o prazer dela, pra além da necessidade de garantir as coisas, tem um gosto e prazer pelo que escolheu trabalhar.

Então a gente tem nossa dança com o pequeno, não é obrigação, tarefa ou sei lá o que ‘só dela’ garantir o bem estar do bebê. Então estou eu na rua, no médico, na escola, no rolê, nas reuniões ou o que quer que seja com ele, assim que ele começou a depender menos do leite materno, ficou mais fácil compartilharmos os cuidados com ele.

Retomemos então as reflexões:

Em algum momento acalorado me lembro de emergir a palavra super pai, pai presente, ou algo do tipo. Eu de verdade não tenho feito esforço algum para ser um pai, quero há tantos anos poder cuidar de uma criança, ao contrário do que se prega na masculinidade de ter um filho para ter um legado onde na verdade a mãe que nutre, forma e afeta.

Antes de ter ele, aprendi e vivenciei o máximo que pude, inclusive pra querer ser pai, mesmo com todo desafio que é exaustivo e prazeroso, gratificante, mas exaustivo… meu corpo que o diga.

Esses dias um amigo, me vendo em um curso com o bebê, resolveu dizer em alto e bom som em meio à turma, que eu era um pai presente, um pai ativo e fiz questão de dizer que eu só era um pai, não digo isso com humildade ou querendo ser humilde, sou leonino e sou aparecido mesmo, mas não mereço e não estou buscando glórias. 

Foto: Bea Reis

Por algumas vezes termos referências de pais não totalmente envolvidos em sua paternidade (por diversos motivos e em comparação a carga da maternidade) que quando um pai é quase que 100% dedicado e interessado naquele projeto de vida, assusta, incomodam, tira do eixo e as pessoas não sabem como lidar, não sabem como resolver.

É dado que a mãe deve passar boa parte do tempo com o filho; que é com a mãe que a criança aprende as primeiras palavras, é a partir da mãe que a criança percebe o mundo e tantos outros conceitos, pesquisados, validados e aculturados que sem exemplos e referências do lado da paternidade, neste sentido, dá uma travada na cabeça, no como devo me colocar, o quanto devo ceder, o quanto devo compartilhar, do que abro e não abro mão dentro dessa narrativa que me trazem.

Sinto que é muito forte a obrigação divina da mãe, dizem que Deus é tão bom que é como se baixasse um download na mãe e ela soubesse tudo o que o seu filho precisa, ela vai sentir, ela vai saber, ela tem que saber! Tem que saber! Quão violento é isso e se a pessoa não sabe, tem que fingir que sabe, se a pessoa não sente, tem que forçar e sentir, se tiver dúvida deve se calar, nunca demonstrar a ninguém, menos ainda ao companheiro: ignorância, desentendimento, dúvida, surpresa.

Ela está sendo vigiada, por outras mães, pela sua, pela do companheiro, pelas irmãs, vizinhas, toda a comunidade está a postos para dispor suas expectativas como uma avalanche sobre ela e só cabe a ela aceitar o peso da loucura (e nada de depressão pós-parto).

E é nesse ponto da conversa que chegamos à abominação da paternidade. Homens não devem cuidar de crianças.

Você sobe a viela e alguém te aborda: nossa que bonito, é seu filho? No outro dia, sobe novamente a viela e outra pessoa te aborda: é seu filho? Em outro dia, vai à padaria e lhe perguntam a mesma coisa, qual é? Por que eu estaria às 8h, 9h da manhã, ou indo ao médico ou estando repetidas vezes com a mesma criança?

-Há Dimas não exagera, #leoninodramático meu.

Ah sim ok, vou perguntar pra Simone, minha companheira, quantas vezes desde que ele nasceu perguntaram se o filho era dela. Não, não perguntaram, porque é comum uma mulher ser mãe da criança que porta, é aceitável, é o dever dela, está tudo no lugar certo, mas um homem, com bolsinha da criança, a carregando no colo junto ao corpo, enchendo ela de beijos e carinhos, ele não deveria estar ali, não foi assim que tudo foi pensado.

Mas não para por ai caros amigos, e alguns de vocês sabem disso né, já devem ter vivenciado a pergunta máxima: onde está a mãe dessa criança (kkkkk nesse momento eu imagino aquelas cenas de anime: onde aparece como que a alma do personagem mostrando o que ele realmente está pensando e sentindo; e vejo a pessoal que me pergunta com aquela expressão maquiavélica, sádica e prazerosa do senhor Burns).

Eu tive uma impressão e uma sensação com estas experiências: a primeira é que eu não tenho obrigação de ser pai, não preciso me preocupar com isso, eu não deveria me ocupar com cuidar de uma criança.

A segunda, essa tenho certeza, mais alojada pelo machismo, foi uma leveza e um prazer, da não responsabilidade, aquela sensação que o privilégio dá, sabe? Aquela em que você pode usufruir o bem estar social que lhe foi construído, lhe dado, imposto e você nem deveria desfazer dele, pois é uma afronta a todo um esforço geracional de garantir que você homem possa desbravar o mundo, viver suas experiências, seu instinto, suas aspirações, pois toda obrigação e responsabilidade recairá sobre a mãe.

Me pareceu que a qualquer momento eu tenho essa escolha bizarra de não ser pai do Malik, de não ter que me preocupar com o tipo de afeto com que afeto ele e como minhas ações e escolhas vão afetá-lo. Todo um sistema muito bem desenhado para que homens não cuidem de crianças.

E tu como tem sido os primeiros meses de paternidade? 

VI Feira Literária da Zona Sul discute a cultura do bem viver em tempos de pandemia

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 Com o tema “O que te alimenta?”, a Feira Literária da Zona Sul chega à sexta edição com uma programação totalmente adaptada às plataformas digitais. Em 2020, os saberes dos povos indígenas ganham destaque na programação, que conta com a participação de Jerá Guarani e Ailton Krenak, importantes líderes dos povos originários que difundem a cultura do bem viver por meio da oralidade e da literatura.

Feira Literária da Zona Sul no Campo Limpo/2019. (Foto: JC Sena)

Entre 04 e 27 de setembro, a Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), festival que destaca a produção literária das periferias, ocupa as redes sociais com o objetivo de conectar o público com escritores, poetas, editoras independentes e artistas que estão usando sua arte para provocar reflexões sobre o impacto da pandemia nos moradores e na cena cultural das periferias.

Idealizada pela psicóloga e produtora cultural Diane Padial e organizada pela equipe de artistas e produtores que compõem o coletivo Sarau do Binho, a FELIZS faz parte do calendário cultural de São Paulo, contribuindo para fomentar o mercado editorial de autores e editoras independentes e gerar oportunidades de trabalho e renda para grupos da economia criativa, como para coletivos literários, artistas e grupos culturais que atuam nas periferias de São Paulo e em outras regiões brasileiras.

“Num momento tão crítico como esse que estamos vivendo na história do Brasil, manter a FELIZS na ativa é uma resposta à tentativa de dificultar o acesso ao livro, como a promessa de taxação por parte do governo e também ao fomento de projetos culturais que afetam principalmente as ações culturais criadas, organizadas e consumidas por moradores das periferias”, afirma a produtora cultural Diane Padial.

Programação 

Nos primeiros cinco anos da FELIZS, a programação circulava por equipamentos públicos, independentes e comunitários de educação e cultura, localizados nos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim São Luís e Jardim Ângela, alcançando mais de 40 mil pessoas.

Em 2020, devido aos protocolos de isolamento social adotado para evitar a proliferação da pandemia de covid-19, as atividades da feira literária irão ocupar o universo online, para debater práticas de sustentabilidade enraizadas em formas alternativas de desenvolvimento humano e bem viver, apresentando a literatura oral e escrita como um alimento para a alma, corpo e mente.

Transmitidas pela página da Felizs no Facebook e no YouTube, a programação conta com uma diversidade de lives que apresentarão diálogos com autores, shows musicais, conversas literárias, atividades de contação de histórias e intervenções artísticas de dança e teatro.

Para quem está atento ao cenário da pandemia e gosta de fazer reflexões sobre o modo de vida em sociedade antes, durante e no pós-pandemia, os diálogos com os convidados Julio Lancellotti, Boaventura de Sousa Santos, Maria Vilani, Tião Rocha e Helena Silvestre, dentre outros, trarão importantes discussões sobre o processo de desenvolvimento humano em meio às desigualdades sociais das periferias.

“A nossa programação está repleta de convidados que trarão importantes contribuições sobre o cenário das desigualdades sociais que afetam os moradores das periferias. Todos eles compreendem {o livro} a literatura como um instrumento pedagógico que nos alimenta de conhecimento e possibilita compreender outras realidades”, explica Diane Padial, ressaltando que essa temática foi pensada para valorizar a literatura como uma prática de leitura de mundo que deveria estar acessível a todos os moradores das periferias.

Sarau do Binho no Espaço Clariô, Taboão da Serra/2019. (Foto: JC Sena)

No dia 5 de setembro, o Sarau do Binho mantém a tradição de realizar a abertura da FELIZS com uma série de intervenções poéticas dos artistas que compõem um dos coletivos de literatura mais tradicionais da zona sul de São Paulo. “O calor humano do Sarau do Binho é algo marcante e quem já veio nos assistir e interagir no Espaço Clariô de teatro conhece essa energia. No ambiente virtual, vamos tentar passar esse espírito para não perder a nossa essência de transmitir boas energias por meio da arte”, destaca Binho Padial.

O show de abertura desta edição será realizado no dia 4 de setembro e fica por conta da banda Veja Luz, um grupo de artistas enraizados no movimento cultural de Taboão da Serra e do Campo Limpo.

Homenagem 

A cada edição a FELIZS faz uma curadoria de histórias de moradores da zona sul de São Paulo que fazem da sua história de vida um marco no cotidiano de muitos moradores, que são impactados por seus projetos e fazeres diversos.

Ute Craemer (Foto: Acervo pessoal)

Esse ano, a homenageada é a professora Ute Craemer, fundadora da Associação Monte Azul e difusora da Antroposofia no Brasil, à qual se dedica desde 1975 a promover projetos e espaços de fortalecimento social, educacional e cultural para moradores do Jardim Monte Azul.

“Cada homenageado que é reverenciado pela FELIZS merece ter a sua vida registrada em um museu, pois estas pessoas dedicam parte da sua vida ao universo da arte, transformando o imaginário de muitos moradores. Por isso entendemos que homenagear a Ute Craemer e tanto outros agentes culturais e sociais da zona sul é uma missão da FELIZ, para preservar e valorizar a memória da região”, conta Suzi Soares, professora e produtora cultural da Feira Literária da Zona Sul.

A FELIZS já homenageou importantes personagens da história cultural da zona sul de São Paulo, como Raquel Trindade, Renato Palmares, Eda Luís, Tula Pilar e Marco Pezão. “Nós convivemos com essas pessoas e sabemos o quanto elas inspiram os moradores com a sua arte e modo de vida, por isso, compreendemos que a FELIZS é fruto deste movimento artístico que transforma e sensibiliza o ser humano”, finaliza Suzi.

Além da trajetória da professora Ute Craemer, a FELIZS também fará uma homenagem à atriz, articuladora e produtora cultural Maria das Dores Rodrigues Nascimento, mais conhecida por Dora Nascimento ou Dorinha, que integrava a equipe de profissionais da da feira literária. A ex-coordenadora da Casa de Cultura do Campo Limpo, equipamento público de cultura localizado na zona sul de São Paulo, faleceu em 22 de agosto deste ano, em decorrência de um câncer no pâncreas.

Dora Nascimento (Foto: Acervo pessoal)

Desde 2016, Dora atuava como produtora cultural na FELIZS. Ela se conectou com o Sarau do Binho na época em que o encontro literário era realizado no bar do coletivo. Ela desempenhava um papel fundamental na organização da feira literária que era a gestão da informação de convidados, prestadores de serviços, parceiros e detalhes da programação, como data, local e horários. Dorinha era chamada pela equipe de organizadoras como a dona do ‘tesouro’ da FELIZS.

“O audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar”, diz cineasta da quebrada

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Vamos mostrar os caminhos e desafios que uma profissional do audiovisual da quebrada precisa trilhar para acessar conhecimento teórico, técnico e equipamentos, que poucos moradores das periferias têm acesso. 

Durante a pandemia, a cineasta iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema” | Foto: Kaique Boaventura

Você já parou para pensar como as tecnologias do audiovisual podem impactar a vida e o imaginário dos moradores das periferias? Equipamentos, softwares e cursos de produção audiovisual formam um conjunto de técnicas e saberes que poucos brasileiros têm acesso no mundo digital, se levarmos em conta que a internet ainda não é universalizada no Brasil, e as periferias fazem parte deste cenário.

A fotógrafa, videomaker e fundadora da produtora Zalika Produções, Naná Prudêncio se reconhece como uma ‘Preta nerds’, por entender que a tecnologia alimenta seus sonhos e a capacidade de interpretar o mundo a sua volta. A moradora do Parque Pinheiros, bairro do município de Taboão da Serra utiliza o acesso à tecnologia para aprender novas técnicas de audiovisual e se aprimorar.

“Eu vou indo, agora to na fase da ilustração, já tive a fase do vídeo, tive a fase do drone, vou indo de pouquinho e tento sugar o máximo de informação naquele segmento do audiovisual”, diz a produtora, que através de novas referências e aprendizados tenta criar suas próprias técnicas para ampliar o repertório de conteúdo da Zalika produções. “Depois da ilustração, eu quero ser craque em tratamento de cor, eu quero deixar os vídeo tipo o Kondzilla tá ligado”.

Mas esse acesso a tecnologia que a videomaker se refere faz parte de um processo de adaptação, para suprir suas dúvidas com o audiovisual, pois ela relembra que quando era mais nova, essa cultura do acesso a informação era algo bem raro em seu cotidiano. “O máximo de acesso que a gente tinha era um computador velho, travava toda hora e televisão”, afirma a produtora.

O acesso às tecnologias audiovisuais levaram Naná a realizar projetos em países africanos | Foto: Nina Vieira

Após uma série de experiências profissionais bem sucedidas e outras nem tanto, ela faz uma breve reflexão sobre a importância da tecnologia em sua vida hoje. “A tecnologia me faz ir pra esse mundo de entender cada movimento que está acontecendo ao meu redor, seja no meu computador, na minha câmera, seja no drone”.

Antes de conseguir estruturar esse processo de produção audiovisual com qualidade de imagem, som e narrativa, ela conta que as tecnologias do audiovisual transformaram a sua vida. “Eu acho que o audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar sabe. Antes do audiovisual, eu tava sem vontade nenhuma de sonhar”, afirma Prudêncio.

Ela lembra que o interesse pela produção audiovisual surgiu na quebrada onde ela mora, no Parque Pinheiros. Foi a partir do envolvimento com movimentos culturais e sociais do território que surgiram as primeiras oportunidades de fotografar eventos culturais e esportivos.

“Eu acho que a várzea foi um grande ponto pra eu entrar na fotografia, porque eu faço parte de um time de várzea e a gente faz as festas das crianças, essas coisas. E a oportunidade veio aí, toda vez que tinha festa das crianças os meninos jogavam uma câmera na minha mão, e eu começava a tirar umas fotos”, relata a produtora audiovisual sobre o início de sua carreira registrando partidas de futebol de várzea na quebrada.

Começando por esse ponto de partida, Nana conta que pegava uma câmera emprestada para treinar e produzir conteúdos audiovisuais, e assim, ela conseguiu uma bolsa de 50% para ingressar no curso de audiovisual na faculdade. “Antes de fazer a faculdade eu já tava tirando umas fotinhas lá e cá, com câmera emprestada”.

A imagem da quebrada ao fundo demonstra o pertencimento da cineasta ao bairro que ela deu os primeiros cliques como fotografa de eventos culturais e esportivos | Foto: Daniel Fagundes

Ela ressalta que a partir deste momento, surgiu a oportunidade de fazer o primeiro estágio em uma produtora audiovisual. No entanto, Naná não se sentiu pertencente às narrativas produzidas pela empresa, pois elas não falavam sobre ela, os moradores das periferias e a cultura da quebrada.

“Eu já me via uma profissional do audiovisual, fazia câmera, fazia edição, trabalhava com produtora de desfile de moda, mas não estava satisfeita”, afirma ela, que a partir da sua insatisfação e não identificação com o conteúdo resolveu investir sua experiência profissional para criar a sua própria produtora, com sua identidade. Nesse cenário, nasce a Zalika Produções.

Segundo Naná, a Zalika Produções tem proposta de realizar projetos audiovisuais, artísticos, educacionais e culturais. Buscamos inspiração em comunidades e grupos culturais marginalizados para produzir e apresentar conteúdos transformadores em forma de arte e com novas narrativas.

Construir novos saberes e narrativas, a partir de histórias de pessoas periféricas que representam de fato o seu cotidiano. Esse é o propósito da produtora audiovisual.Ela destaca que a criação da produtora está conectada com a sua autoafirmação profissional. “Eu acho que o início da Zalika foi eu acreditar que eu ia ter que construir o meu espaço sabe, não só pra mim, mas pras pessoas pretas, principalmente mulheres pretas”.

Durante a pandemia, Naná iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema”, que aborda como o racismo, o desemprego, a insuficiência no atendimento de saúde nos territórios periféricos durante a pandemia do novo coronavírus resultam em uma fórmula genocida.

“Surgiu nessa ideia de mostrar pra nós da quebrada, que tem gente passando fome, tem gente na miséria na sua rua, na sua viela, no seu bairro, no seu quarteirão, e mostrar pro sistema em geral que nós não tamo de chapéu, a gente sabe o que ta acontecendo e a gente sabe que a população preta e periférica é a que mais ta morrendo de covid-19, porque é a que mais morre de tudo mesmo”, argumenta Naná, fazendo um breve resumo sobre o documentário. 

Torcida Jovem: a Zona Sul nos anos 90

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O Bar do Nico é o nosso Museu da Pessoa. Reduto de alvinegros, brancos e pretos!

Tocida jovem do Santos na zona sul de São Paulo (Foto: Acervo pessoal Fernando Ferrari)

Reduto de Alvinegros, Brancos e Pretos.

Encontramos ideias que revive de resultados desastrosos do Santos nos anos 90, delírio amargo, desde aquele gol de Canela do Serginho, autêntico 9.

De encontros incompletos por seguir numa longa fila, surge o grito de re-existir.

Sobreviventes de um período marcado pela violência para além das tretas entre símbolos, os anos 90 marca o período do bonde que viveu e sobreviveu no bairro considerado o mais violento do mundo pela ONU entre 1994 à 1997. Outros carnavais foram também, porém não mapeado. 

Nesta época ver corpo aos domingos era a diversão inconsciente da quebrada, que até hoje nega nosso acesso a educação, nega nosso passado e nos tira da linha dos livros, para não questionarmos essa estrutura Colonialista, de pagar pau pra Cultura do Europeu, do outro, e tirar de baixa cultura o conhecimento ainda guardado em nós, aquele que os nossos do passado deixaram no nosso DNA de Periféricos! 

Reduto de lembranças, uma biblioteca imaterial de oralidade, pela palavra afetiva nos reencontramos, base da nossa ancestralidade de avós, bisa e tataravós indígenas, quilombolas e do Povo que fundou São Paulo e não usufrui da sua riqueza material, porque o plano ainda é colonizar nossa liberdade! 

Fizemos e fazemos a nossa educação, desde os anos 90, se politizando com o filho da Dona Ana (Pedro Paulo, Mano Brown ), igual a Dona Maria Vilani faz com os seus no Grajauex, só quem é da ponte pra cá sabe! Muita treta pra Vinicius de Morais, e esse é a treta, por chegar mais perto do Povo, com seus poemas pós Semana de 22…o que atualizou nossa identidade de brasileiros e brasileiras, fazendo a favela cantar seus cantos Afro-Sambas com toques de Baden Powell, corpos que decifram nossa identidade.

Lá você revive a Rua 21, Capão Redondo (Nossa Senhora do Carmo ), Araribá, Ingá, Ipê, Bonde Salva Vidas do Ângela (busão alugado que fez vários voltar em paz pra goma), São Remo, Pirajussara (os loukos iam pela Saad, entrada de adversários), Cupecê, Grajaú, Cidade Dutra, Sabará e Jabaquara.

O foco la é rir das ausências, de vitórias de uma década, rever fotos, tirar os nossos canhotos e caravanas mofadas das gavetas, igual um poema da nossa Madrinha, Cordão Vai-Vai de Geraldo Filme, do córrego da Saracura ao Hino das Escolas de Samba, no Silêncio do Bexiga, guardado em nós, sem placa de bronze, ainda inédito para geração 2002. Relembrar o grito guardado, uma geração de Pérola Bayton. Suor embaixo do Maior Bandeirão da Época, voltas a pé do Morumbi. 

Nossos encontros eram como um milagre, pela ausência de crescimento da Torcida Santista pós era: Pelé, Coutinho, Pépe, Mengálvio e os filhos de Índios e Escravos de ontem. 

Pegamos a Era que ver um Santista na rua era motivo de alegria, mídia escrita com tiragens de duas, três linhas na Gazeta Esportiva (Maior Jornal Esportivo da Época) era o máximo, na Mídia Elitista, uma vez por semana, boicote total, ao time que aceitava negros com seu manto sagrado, no início do século XX, time que acolheu o Menino Edson vindo de Bauru, que teve seu rebento em Três Corações. Menino com sangue de uma família de geração de escravos, fato de pós luta contra escravidão, do povo tomar o Esporte Inglês da mão da elite branca europeia, inspiração de contra ataque com os que lutaram contra a escravidão no país: Luis Gama, Baiano, Rebouças, Dragão do Mar, Quilombo Jabaquara de antes Dandara e Zumbi, Tribos Indígenas que Resistiram à Escravidão e entrega do seus Territórios, outros abolicionistas e Revolucionários, talvez isso nos tornou um time pra frente, time do Povo! Time parou guerra, e que em 26/09/1969, funda em plena Ditadura Militar a Torcida Jovem, no Brás, no reduto de imigrantes pobres pós segunda guerra mundial .

Sempre com o foco na ousadia, dos dribles de um time leve e de contra ataque, método que nos faz o primeiro Time do Mundo a ter 10 e agora 12 mil gols. Lutamos como Torcida Jovem pela Anistia, pela volta dos que pensavam nossa real identidade e liberdade económica, diretas já!

Ajudamos a acabar com o momento autoritário que trouxe a repressão de não poder participar como Brasileiros dos rumos do país. Construímos a Constituição Cidadã de 1988, essa que após escrita foi roubada e está sendo apagada até agora.

Lembro da alegria do encontro, era como ver um parente distante, só futebol traz esse momento. Ver nosso bonde de camisas brancas era um sonho impossível, fomos a voz da Resistência nos anos 90, levamos nossos corpos a riscos que já vivíamos ao ver Opalões pretos nas madrugadas da zona sul sem sentimento.

Hoje, estar nesse Bar é como ir no Museu da Pessoa, lembrar milagres de irmãos de 25 anos de torcida que ainda cantam Saaaaantos. É um ato histórico do futebol Latino Americano e Mundial. Somos campeões mundiais de memória, verdade e honra!

Somos a Torcida Jovem do Santos.

Um salve do Fernando Ferrari , o Nando do Bonde do Capão de 1992.

Quilombaque Perus: espaço comunitário de cultura corre risco de perder sede e pede apoio

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boratiCom a campanha #FicaQuilombaque, organização pretende arrecadar até R$150 mil em vaquinha online.

Artistas e grupos culturais que realizam projetos artísticos no espaço cultural Quilombaque Perus | Foto: Tally Campos

 Com atividades de promoção à cultura há mais de 15 anos, a Comunidade Cultural Quilombaque, em Perus, na região noroeste de São Paulo, pode perder a sede em que atua há uma década e meia.

Nesta terça-feira (1º), o grupo lançou uma campanha de financiamento coletivo #/FicaQuilombaque.

O grupo corre contra o tempo para arrecadar ao menos R$ 150 mil até fim de setembro, metade do valor pedido pelo proprietário do terreno, que pede, ao todo, R$300 mil pelo espaço.

Ao chegar à Quilombaque, ele disse que tinha urgência para quitar uma dívida e que, por isso, precisava do terreno. “Ou a gente compra o terreno, ou temos que entregar”, conta Clébio Ferreira, 36, um dos fundadores e gestores.

A organização, que faz aniversário neste mês, já atendeu centenas de meninas e meninos ao longo de uma década e meia e tenta mobilizar moradores para seguir no espaço.

“Estamos ameaçados de perder o nosso espaço físico para a especulação imobiliária, fomos intimados a entregar o espaço caso não ocorra a compra do terreno”, aponta manifesto lançado pela organização.

Para os integrantes da Quilombaque, o valor e o prazo estimado para a aquisição são incoerentes com o orçamento da organização, que depende, essencialmente, de editais públicos.

“Queremos nosso quilombo vivo, contrariando as estatísticas, quebrando correntes e plantando sementes, resistindo e pulsando com a nossa firmeza permanente e fervendo o território”, apontam.

São exemplos de atividades o jongo, aulas de capoeira, rodas terapêuticas, shows, aulas sobre direitos humanos, polo de cursinho pré-vestibular da Uneafro, trilhas da memória no território, aulas sobre urbanismo, além de atuarem na construção de importantes políticas públicas em SP, como a Lei de Fomento à Periferia na cidade de São Paulo e o Território de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICPs) do Plano Diretor de São Paulo.

O Você Repórter da Periferia, programa de formação de jovens repórteres desenvolvido pelo Desenrola E Não Me Enrola realizou uma reportagem em 2019 sobre a importância do trabalho campo da cultura e da educação popular com a juventude do território.

Organização revitalizou a região

“Há muitos desafios a se consolidar e um deles é a permanência no nosso espaço físico, que, anteriormente, era um lugar abandonado e altamente degradado”, diz.

A Agência Mural já mostrou aqui o antes e depois da Travessa Cambaratiba desde a chegada da Quilombaque, em 2007.

Até então, a viela situada ao lado da estação de trem da CPTM, causava medo à população, diante de tamanha falta de manutenção pelo poder público.

Logo que a Quilombaque se instalou, foi realizado um mutirão de revitalização, com grafites, limpeza do espaço e constante realização de atividades, aproximando a população local e tornando o transformando o espaço em um pólo de desenvolvimento socioeconômico em toda a região.

“Queremos implantar projetos e ações socioculturais, educacionais, econômicas e ambientais, na perspectiva de empreender um processo de reparação ao acesso a bens culturais, promover a convivência com a diversidade cultural local”, apontam.

História e importância

Desde que foi fundada, em 2005, a Quilombaque tem sido palco das mais diversas expressões culturais, trazendo à população do bairro alternativas de lazer e diversão, onde ainda não há equipamentos culturais mantidos pelo poder público.

Durante dois anos, foi na garagem da casa dos irmãos Cleber e Clébio Ferreira, que as ações aconteceram.

Pouco a pouco, novos atores sociais foram se juntando ao grupo e formando uma teia de atividades culturais, ambientais e educativas, tornando o espaço da garagem pequeno demais para a criatividade do grupo. Em 2007, migraram para o espaço que hoje correm o risco de perder. 

Festival Pangeia está com inscrições abertas para oficinas culturais online

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 A partir do tema “Conexão Américas e África”, o Festival Pangeia oferece oficinas de Imersão Dub, Dança, Percussão Popular, Teatro, Cinema e Políticas Públicas. As formações serão realizadas por meio das plataformas online Google Meet e do Google Class Room.

 Termina neste sábado (06), o prazo para realizar as inscrições nas oficinas culturais gratuitas e online do Festival Pangeia, projeto idealizado pelo MisturArte. Com o tema central “Conexão Américas e África”, o Festival Pangeia é realizado desde 2016 e reúne atrações diversas a partir do tema central pauta na ancestralidade da América Latina e da África. Para se inscrever nas oficinas, é necessário preencher o formulário online neste link.

Os organizadores do festival possibilitam que os inscritos escolham mais de uma atividade e neste caso, é preciso realizar o preenchimento do formulário novamente. Além disso, o Festival oferece certificado para os participantes que tiverem mais de 75% de participação.

Em 2020, o projeto adequou sua programação para a plataforma do Google Meet e do Google Class Room para manter o distanciamento social exigido, visando conter a pandemia de coronavírus.

Com a tradição de ocupar espaços públicos de cultura e educação das periferias da zona sul de São Paulo, o Pangeia já foi realizado nos espaços do Céu Vila Rubi e Céu Quinta do Sol, com o tema “Américas”, e no Centro Cultural Grajaú, com o tema “América do Sul”. 

Confira a lista dos dias e horários das oficinas disponibilizadas: 

  •  Imersão Dub, com Danilo Dub Lova

De 14/09 a 07/10 – segunda e quarta – 15h às 16h

  • Dança – Oya: Corpo Vento, Búfalo e Borboleta, com Djalma Moura

De 15/09 a 15/10 – terça e quinta – 10h às 12h

  • Dança – Poéticas do Movimento Afro Contemporâneo, com Lucimeire Monteiro

De 22/09 a 06/10 – terça e quinta – 15h às 17h

  • Oficina Teatral Orí Ambulante, com Dina Maia

De 16/09 a 10/10 – quarta e sábado – 11h às 13h30

  • Percussão Popular, Samba e outros ritmos, com Hércules Laino

De 15/09 a 05/11 – terça e quinta – 18h às 19h30

  • Cinema de Guerrilha, com Rosa Caldeira

De 14/09 a 30/09 – segunda e qua – 20 às 21h30

Mais informações:
Site: www.festivalpangeia.com
Facebook: www.facebook.com/festivalpangeia
Instagram: @festivalpangeia

A cronologia da covid-19 nas periferias e a crise social

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O abandono de políticas de gerenciamento da cidade e de um plano diretor eficiente custou caro à população em um momento tão perigoso como esse. 

Jardim Ibirapuera, zona sul, São Paulo 2020. (Foto: DiCampana Foto Coletivo)

São dias difíceis de ler da ponte para cá, muitas coisas deixaram de acontecer para que os dias atuais se formassem em nosso contexto, outras tomaram seu lugar e estamos ainda analisando o que tudo isso significa.

Em uma leitura simples percebemos que a partir da chegada de um vírus vindo de águas bem distantes nossa cidade foi tomada por uma contaminação generalizada de pobreza.

Posso aqui descrever todas as medidas tomadas pelo governo para que pudéssemos evitar o avanço do Covid-19, pois não foram muitas para além de um isolamento tímido, um auxílio financeiro ínfimo e pequenas ações emergenciais na área da saúde, constatamos que o abandono de políticas de gerenciamento da cidade e de um plano diretor eficiente custou caro à população em um momento tão perigoso como esse.

Em 09 de fevereiro de 2020, trinta brasileiros que viviam em Wuhan, epicentro do COVID-19, foram repatriados e ficaram em quarentena por 14 dias na Base Aérea de Anápolis, em Goiás. Enquanto isso, estava me preparando para o início do semestre de atividades no trabalho, carnaval 2020 e como fazer de 2020 um ano melhor que 2019.

Em 21 de fevereiro, do mesmo ano, o Ministério da Saúde, além de Wuhan, amplia a lista de países que poderiam transportar o vírus para o Brasil, Japão, Singapura, Coreia do Sul e do Norte, Tailândia, Vietnã, Camboja, China, Alemanha, Austrália, Emirados Árabes, Filipinas, França, Irã, Itália e Malásia.

No dia 22, o Bloco do Beco, localizado no Jardim Ibirapuera, zona sul de Sampa, leva para as ruas do bairro o bloco de carnaval que sai a 18 anos, nosso carnaval além de parceria com o comércio local, homenageou seu Escurinho do Acordeom e trouxe o tema a rua como direito à cidade. Levamos 5 mil pessoas aglomeradas pela felicidade. Foi um sábado lindo seguido por um after de baile no Bloco do Beco. 

Em 26 de fevereiro, é confirmado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil, um paciente de 61 anos vindo da Itália. No dia seguinte, 132 casos suspeitos são monitorados pelo Ministério da Saúde. Até 02 de março, dois casos são confirmados e o epicentro até então é o Hospital Israelita Albert Einstein, onde pacientes doentes recém chegados da lista de países que poderiam transportar o vírus são monitorados.

Bloco do Beco durante o carnaval 2020 no Jardim Ibirapuera. (Foto: Maloka Filmes )

No Brasil nada mudou. Vivemos o carnaval como se nada estivesse acontecendo de fato, e se a memória não me falha nada foi divulgado amplamente sobre a possível entrada do vírus em nosso país. Aqui na periferia nada de boatos sobre o até então chamado coronavírus, esperávamos dias melhores, 2019 foi um ano duro. A eleição do atual presidente, suas ações e a crescente crise do trabalho e da economia em decaída, foi uma nuvem pesada que carregamos. Perdemos direitos, investimento público em políticas da Assistência Social, cultura, no que diz respeito a arte e no que diz respeito a formação brasileira sobre gênero, raça e classe. Nosso orgulho brasileiro via Tweets presidenciais.

Em 05 de março, sobe para 8 o número de casos confirmados de COVID-19, 6 em São Paulo, são no país 636 casos suspeitos, nesse momento sai no Diário Oficial a obrigatoriedade do uso de máscaras pelos profissionais da saúde, álcool gel e luvas. Em 09 de março, são 25 o número de contaminados e 930 suspeitos, em São Paulo são 16.

Em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde declarou em fim a Pandemia de Coronavírus no Brasil, três dias após o Ministério da Saúde regulamenta critérios de isolamento e quarentena. Em 17 de março é notificada a primeira morte por coronavírus no Brasil. Nesse momento os baixos investimentos na saúde e a crise financeira começa a ser a base para os números recordes de contaminação que vivemos, o ministério da saúde define que os testes só serão realizados em casos graves. São Paulo lidera os índices de mortes até então.

Esse foi o cenário inicial da pandemia, em maioria não ouvimos ou notamos que isso estava acontecendo, quem escapou tantas vezes da morte como o povo pobre desse país, não se abala com doenças descritas pela mídia ou que vem de gente rica, talvez fosse a fúria divina contra os ricos? Sabemos que não, mas que as lideranças evangélicas relativizaram inicialmente a gravidade da COVID-19. As bases religiosas ocupam hoje o vácuo do Estado e ao mesmo tempo são a principal base Bolsonarista, onde a ambivalência entre a importância do isolamento e a impossibilidade de parar de trabalhar, fortalecem o discurso do atual presidente, sem responsabilizar o mesmo por essa questão.

O que o povo realmente sentiu e se abalou foi com as medidas de isolamento coletiva que foi realizada a partir da constatação que nossa cidade vivia o processo de contaminação comunitária, isto é, o vírus estava dando um rolê por aí. Não bastando, o atual presidente no dia 22 março edita pela calada da noite, propõe a medida provisória que autoriza a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses e dois dias, não foi aprovada. Logo depois diz que o COVID-19 “era só uma gripezinha”, sim não faz sentido, se era uma gripezinha porque suspender salários por 4 meses?  

Minha primeira publicação sobre o coronavírus foi em 13 de março, sem responsabilidade nenhuma, público um meme que revela os dados de feminicídio maiores que os de coronavírus, não podia imaginar os impactos mortíferos que essa pandemia teria.

Em 16 março, publicamos o primeiro comunicado sério sobre o coronavírus e as atividades de formação e de trabalho são suspensas presencialmente. Todo trabalho se tornou remoto e o medo de contaminação começa a fazer parte de nossas vidas. A doença que até então vinha de uma população que estava fora do país, se aproximava da periferia por meio do trabalho. Sim o contato das populações periféricas com seus, clientes, chefes e supervisores trariam o vírus às periferias.

Nesse momento, dia 27 de março, o número de mortos pelo vírus são 77 pessoas e cerca 3.027 pessoas contaminadas em todo território brasileiro, nada que abale esse povo que acompanha não só esses números, mas também os números de mortos pela polícia, feminicídio, lesbocídio, transfobia, crimes raciais e tráfico de drogas.

Em 1 de abril a Medida Provisória 936, institui o programa emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e impõe medidas trabalhistas complementares para o enfretamento das paralisações pela pandemia do COVID-19, sendo elas, benefício emergencial de preservação do emprego e da renda; redução da jornada de trabalho; auxílio emergencial mensal ao trabalhador intermitente; e acordos coletivos. O Home Office toma conta de nossas vidas e a dupla jornada de trabalho feminina se torna quíntupla jornada, dobrando as jornadas de cuidado dos idosos, crianças e adolescentes que estão todos em casa, mesmo sem nenhum planejamento para atual situação.

Na periferia se isola os idosos para que não se contaminem, sem saber que em 11 de abril um Boletim epidemiológico do Ministério da Saúde apontava que 25% dos óbitos são pacientes fora do grupo de risco e sem fatores de risco.

Nossa cidade continua a ser a mais atingida pelo COVID-19, líder em óbitos, não houve festa junina e o ministério da saúde atualiza essa cronologia afirmando que a primeira morte por Covid-19 aconteceu em 12 de março, uma mulher abriu a lista de mortes, nada emblemática para o quinto país que mais mata mulheres no mundo, com taxa de 4,8 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

18 de maio, segunda-feira com 244.052 casos confirmados, o número de óbitos é atualizado para 16.201, somos o terceiro do mundo, ainda na segunda, o número é atualizado 16.792, entre eles, dona Maria Eterna dos Reis de 79 anos, que dedicou mais 30 anos à educação e alfabetização de crianças do Jardim Ibirapuera na Associação de Moradores, local onde hoje, atua a Associação Cultural Bloco do Beco. Um golpe que nunca vamos esquecer, sofremos em conjunto.

Dona Maria Eterna dos Reis, 79 anos, dedicou mais 30 anos à educação e alfabetização de crianças do Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo. (Foto: Acervo Bloco do Beco)

“O que possivelmente nos resta temer depois de termos ficado cara a cara com a morte e não termos nos rendido a ela? Uma vez que aceito a existência da morte como um processo da vida, quem haverá de ter novamente algum poder sobre mim?

Audre Lourde (Irmã Outsider,2019), p. 16

O vírus chega às periferias forte como um trator, organizações sociais e de base, organizaram estratégias para conter os impactos econômicos das restrições estabelecidas a partir da pandemia, uma delas foi a distribuição de cestas básicas, kits de higiene e formação de uma rede de solidariedade entre todas as organizações sociais da cidade. Pessoas físicas e empresas privadas foram fundamentais para que toneladas de alimentos chegassem a periferia. As medidas de prevenção necessárias para conter o vírus, revelaram a situação do trabalho nas periferias, a maior parte da população se encontra em trabalho informal, que não traziam consigo segurança ou auxílio durante o isolamento. Foi também visto que grande parte da renda familiar nas periferias vinham de mulheres e que grande parte delas na informalidade. Poucas famílias com trabalhos formalizados, e enquanto isso acontecia, a mulher era quem garantia a renda, nesse sentido, verifica-se uma fragilidade mesmo com a empregabilidade formal, pois as mulheres ainda têm os salários mais baixos do mercado.

O empobrecimento das famílias ficou crítico, o Brasil tem o recorde de 13,5 milhões de miseráveis segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2019, dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), que analisa os anos 2012 a 2018. Com isso sabemos que além da pandemia do COVID-19, esses dados tiveram um salto diante do panorama atual.

Com um auxílio emergencial abaixo do salário mínimo, 1.045, sancionado pelo atual presidente em janeiro, estando sempre abaixo da inflação, que não deixa a população sentir qualquer benesse desse aumento, e muito menos se sentir amparado por um auxílio de 600 reais, que chega tardiamente, de forma confusa, trazendo aglomerações e excluindo a população que não tem acesso a internet ou a smartfones.

Entre chuva de lives, uso das redes sociais e demais aplicativos, a exploração do trabalho se tornou mais dura e menos sentida, pois o aplicativo me afasta do comércio, do comerciante e do entregador, dos funcionários, dos estabelecimentos, me alienando totalmente da exploração dessa força de trabalho. A internet não é pública, não é barata e nem eficiente nas periferias, sendo assim um aparato de exclusão social.

Seu Escurinho durante o Carnaval 2020 no Bloco do Beco, Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo. (Foto: Maloka Filmes)

8 de junho de 2020, seu Escurinho do Acordeom se recupera de COVID-19 e retorna para casa, um mês depois falece devido as complicações do tratamento do vírus e se junta as taxas altas de mortalidade, a gente chora novamente, pois não tivemos chance de ouvir sua sanfona pela última vez, pois não houve vez que fosse última.

Perdas periféricas constantes, com ou sem diagnóstico, enterros com proteção são realizados constantemente em nosso território.

Cemitério São Luiz, zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus em maio de 2020. (Foto: Marcelino Melo | Menino do Drone)

20 de julho, e o Brasil tem o terceiro dia com mais de 50 mil novos casos de COVID-19 em 24 horas, desde o início de março o governo federal registra 2.343.366 infectados, os casos na cidade de São Paulo cresce 74%, cerca de 22.997 óbitos após a reabertura do comércio, estamos em um trem desgovernado, em uma expiação diária. Ontem uma amiga apareceu com COVID-19, sim, do nada, ela estava bem, de repente COVID-19. Sentimos que houve uma criminalização por ela estar contaminada, como se tivesse escolhido, ou tivesse culpa. Me senti mal por identificar mais um mal que sobrecarrega as pessoas, a culpabilização individual.

Espero que ela se recupere, que as famílias periféricas contaminadas pelo COVID-19, ou pela crise econômica se recuperem. Que não se culpem por não ter estrutura física em suas casas para comprimir medidas de higiene ou isolamento, por não entender o que esta acontecendo. Os culpados dormem mesmo sem higienizar as ruas da quebrada em plena pandemia, dormem com milhões de reais em suas contas, mesmo exibindo um auxílio miserável a quem precisa, dormem sabendo da exploração trabalhista, dormem sabendo que tem gente que não tem casa, água potável, saneamento básico, internet e o principal, comida. 

Enfim, como dizia o jornalista e poeta Marco Antonio Iadocicco, Pezão, que partiu antes dessa loucura:

“Nóis é ponte, atravessa qualquer rio” e os rios têm sido cada vez mais perigosos.

“Se eu soubesse naquela avenida,

carnaval que me embalava,

Mesmo que a repressão,

ali tardia

estivessem agourando nosso futuro,

o coração virava a cara,

da agonia de viver fraco.

Hoje olhar triste

sobre a avenida vazia,

Bandeira parada.

Nesta triste alvorada

me resta olhar no retrato dessa vida

A alegria é uma estação sem trilhos,

de milhões de incapazes,

No meu samba metáfora

da aurora que virá.

Anabela Gonçalves

Os dados acima citados foram retirados: GOOGLE.COM: https://g.co/kgs/ZFXa4A

www.ibge.gov.br , BBC NEWS BRASIL em São Paulo: www.bbc.com

Projeto transforma WhatsApp em canal de direitos sociais das domésticas

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Como um grupo de WhatsApp está contribuindo com o acesso às informações sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas que vivem nas periferias?

Selma Sousa, moradora da zona leste de São Paulo usa constantemente o Zap Zap das Domésticas | Foto: Emerson Santos

Atingidas pela crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus, as empregadas domésticas perderam postos de trabalho ou tiveram seus salários reduzidos para continuar no emprego. Por trás de trajetórias de vida, se encontra também a figura de mulheres que cuidam do núcleo familiar e convivem com uma série de sonhos que ainda não foram alcançados.

O que é certo e errado na relação entre empregadores e empregadas domésticas? Como esses profissionais acessam informações sobre seus direitos trabalhistas? A partir destas questões, o Quebrada Tech conversou com algumas profissionais que dedicaram parte da sua vida ao ramo de serviços domésticos, para entender como elas estão lidando com as adversidades sobre o consumo de informações confiáveis e úteis neste momento de pandemia.

Há 38 anos trabalhando como empregada doméstica, Selma de Sousa, 52, moradora de Artur Alvim, bairro da zona leste de São Paulo, acompanhou ao longo das últimas quatro décadas o processo de conquistas de direitos trabalhistas, que aos poucos foi dando um pouco mais de segurança para uma categoria de profissionais que em sua maioria é representada pela figura feminina de moradoras das periferias.

“A gente não tinha nada, a gente não tinha benefício nenhum, a única coisa que a gente tinha era carteira registrada se o patrão quisesse, e o décimo terceiro”, conta Selma, relembrando um passado recente sobre conquistas de direitos, que antes eram desconhecidos ou faziam parte de um sonho distante entre as empregadas domésticas.

Para Selma, além de direitos trabalhistas, as domésticas ainda precisam de mudanças sociais e mais valorização. “Eu acho que falta pra gente em primeiro lugar mais respeito. Respeito que a maioria das pessoas não tem, eu falo dos colarinhos brancos, dos políticos sabe, que eles sempre colocam a gente lá embaixo, sendo que sem a gente eles não são nada, porque não sabem fritar um ovo”, argumenta, demonstrando o sentimento de ter uma profissão que ainda sofre uma enorme desvalorização.

Foi a partir destas inquietações que a moradora de Artur Alvim descobriu o Zap Zap das Domésticas, um grupo no aplicativo de mensagens instantâneas, que tira dúvidas sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas de diversos territórios do Brasil. “Eu vi lá e cliquei no link, entrei e gostei”, conta Selma.

O primeiro contato com o grupo de WhatsApp ocorreu quando ela estava navegando pela timeline do Facebook. “São pessoas maravilhosas, você tem perguntas e elas têm as respostas, então pra mim foi gratificante”, diz Sousa, relatando o contentamento de descobrir no aplicativo uma rede de apoio.

Selma ressalta que é importante existir direitos, mas para que eles sejam válidos é necessário compreendê-los para poder questioná-los. “Pra você questionar, você tem que ter a certeza do que você está questionando, não adianta eu questionar uma coisa no meu trabalho com meus patrões se eu não tenho certeza do que eu estou questionando pra eles né?”, questiona ela, enfatizando que hoje o meio de informação mais acessível se tornou o grupo do WhatsApp.

Uma das dúvidas relatadas pela doméstica foi sobre a quantidade de horas trabalhadas por dia. “Eu tinha dúvida se era oito horas com horário de almoço, ou se com o horário de almoço era nove horas, então eu tinha duvida disso”, conta Sousa, que depois de tirar suas duvidas no grupo, foi conversar com seus patrões e estabelecer seus horários para organizar suas tarefas e os horários de almoço, completando a jornada de oito horas diárias.

Durante a pandemia, Selma ficou afastada por quase três meses e retornou as atividades profissionais no dia seis de julho. Após retornar, ela diz que não teve muitas modificações, mas os seus empregadores adotaram algumas precauções como medidas de prevenção. “No serviço não mudou nada, o que mudou foram alguns costumes que é o uso da máscara e o álcool né”.

Selma relata que a luta pelos direitos trabalhistas das empregadas domésticas exige muita insistência e perseverança. “O que a gente não pode é sentar e esperar que aconteça, a gente tem que correr atrás sabe, eu falo isso porque eu já fiquei esperando, porque eu não sabia por onde começar, não tinha nem ideia onde eu poderia chegar e por qual meio eu podia chegar”.

Ela lembra que já trabalhou muito na vida sem ter direito a nada e que hoje, ela busca respostas para seguir em busca dos seus direitos. “Eu agradeço a Deus e agradeço a esse whatsapp das domésticas, porque elas me incentivaram a correr atrás dos nossos direitos”.

Após acessar uma série de informações importantes no ambiente de trocas do grupo, Sousa conclui que essa experiência trouxe um importante impacto para sua vida pessoal e profissional. “Pensa numa baiana arretada? Sou eu. Eu brigo pelos meus direitos até o fim, se eu não conseguir tudo bem, mas que eu vou brigar eu vou”.

O projeto Zap Zap das domésticas foi idealizado pelo Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, que através de um grupo de pesquisadoras montou um guia dos direitos das domésticas em 2016. O material ensina o que está escrito na lei que considera os direitos trabalhistas das domésticas, com base em diversas referências bibliográficas. E em busca de tornar essa pesquisa mais acessível às trabalhadoras, as idealizadoras criaram em 2018 o grupo no whatsapp.

“A partir do guia, a gente percebeu que eram assuntos complexos, e que a oralidade seria muito importante, e talvez além da linguagem escrita, outros tipos de linguagem visual, símbolos e áudios, gente conseguiria contemplar essa diversidade no whatsapp, para atingir o maior número de trabalhadoras possível”, conta Mariana Fidelis, 34, advogada e umas das pesquisadoras do Observatório do Direito e Cidadania da Mulher.

Hoje o grupo no whatsapp Zap Zap das domésticas possui 570 participantes. As pesquisadoras produzem uma grande diversidade de conteúdos informativos com base nas pesquisas feitas no Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, como em seu canal no Youtube, que tem uma série de vídeo que trazem informações sobre direitos das empregadas domésticas.

Além destes materiais, o projeto está prestes a lançar uma revista falando sobre a história de lutas dos direitos das domésticas. “Pesquisando ai os anos de luta né, as personagens, como foi essa luta pra conquista desses direitos, de como a PEC entra para o Brasil, de como o Brasil vai assinar o convênio da OIT, que dá origem a PEC”, descreve a pesquisadora, detalhando alguns conteúdos que farão parte da publicação.

Durante a pandemia, as pesquisadoras perceberam que essas informações precisavam circular por todos os meios de comunicação possível, pois previam que teria um retrocesso e uma escassez de direitos para esse momento. “A gente viu uma urgência em retomar o projeto, diante dos números de abusos, das exigências de casas de família e patrões, para que elas se isolassem dentro da casa, havendo aí uma reformulação do quartinho de empregada, do quartinho de serviço, que já tava cada vez mais sendo menos utilizado, dentro do nosso contexto social e econômico”, explica Fidelis.

A pesquisadora afirma que a profissão de empregada doméstica possui uma conexão direta com a figura da mulher nordestina que mora e constrói seus laços familiares nas periferias. “Umas das amostras que as pesquisa traz é que uma porcentagem considerável de mulheres domésticas que são moradoras das periferias”.

Fidelis conta que as maiores dúvidas que aparece no grupo Zap Zap das domésticas é sobre rescisão de contrato, compensação de horas e tempo para mover ações trabalhistas. “Lembrando aí que a maioria da categoria não chega a receber um salário mínimo né, principalmente as diaristas, que as diárias delas no final do mês não somam o valor de um salário mínimo”, alerta a pesquisadora, sobre as más condições de remuneração salarial no setor. 

“Você acredita que meu primeiro registro na carteira eu tava com 37 anos?”

Maria de Brito

Como é a vida de uma trabalhadora que não tem conhecimento do grupo Zap Zap das domésticas? Conhecemos a história de Maria de Brito, também conhecida na sua quebrada por Mazé, 60 anos, moradora do Parque Santo amaro, zona sul da cidade.

Após um dia intenso de idas e vindas de transporte público, ela relata que após finalizar o trabalho na casa dos patrões que residem no Campo Belo, bairro de classe média da zona sul de São Paulo, tomar um banho e assistir televisão se tornou um ritual para descansar o corpo e distrair a mente.

“Eu trabalho em casa de família desde meus 12 anos de idade”, conta Mazé. Com 48 anos de experiência como empregada doméstica, ela vê poucas mudanças em relação aos seus direitos trabalhistas.

“Eles puseram esse negócio de uma hora de almoço para as domésticas, mas a maioria não pode cumprir esse horário, porque se a gente cumpre esse horário de almoço atrasa tudo e você acaba saindo mais tarde”, afirma Mazé, apontando a falta de conexão entre a realidade no ambiente de trabalho doméstico e que prega as leis trabalhistas.

Diferente de Selma, durante a pandemia, Maria não parou seus trabalhos. Ela prestou seus serviços normalmente. “A pandemia todinha eu trabalhei, só que é assim: você vai com medo, você vem com medo e te atrasa um pouco tanto pra ir, quanto para voltar, porque eu fico esperando um ônibus vazio para vir né”, compartilha Mazé, descrevendo a sua rotina para ir e voltar do trabalho.

Em meio à pandemia, os patrões dela forneceram uniformes, álcool em gel e reduziram a carga horária. “Mas não tem outra coisa, não posso parar, tenho que ir né”, diz.

A informação do grupo do Zap Zap das domésticas ainda não chegou para moradora do Parque Santo Amaro. Desta forma, o único canal para se atualizar sobre seus direitos costuma a ser a televisão. “Quando eu vejo alguma informação, eu vejo quando passa no jornal, falando sobre o direito das domésticas, ai que fico sabendo de alguma coisa”, afirma.

Ela conta que essa história de direito trabalhista só chegou à sua vida quando ela já tinha mais de 35 anos. “Você acredita que meu primeiro registro na carteira eu tava com 37 anos?”, questiona ela, fazendo uma denuncia sobre o descaso histórico dos direitos trabalhista das empregada domésticas, que a atingiram e prejudicaram o seu plano de previdência.

“Acho que agora os patrões tem um pouquinho mais de respeito pelos funcionários, não é aquela coisa ainda, mas você já tem como reclamar alguma coisa, pedir um aumento. Naquela época, se você entrasse no serviço era dez anos com o mesmo salário”, revela Mazé, fazendo uma reflexão sobre as mudanças de comportamento dos empregados com a conquista dos direitos.

Maria finaliza fazendo uma suposição sobre o impacto do grupo do Zap Zap das domésticas, caso ele existisse a mais tempo na vida das empregadas domésticas. “Seria bom, a gente ia receber bastante informação, mais ideias das outras colegas, e também se tivesse isso no passado a gente não teria tanta perda igual tivemos dos nossos direitos antigamente”.

Corona e alimentação: onde fica a segurança alimentar de quem é da quebrada?

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Em pouco mais de cinco meses de pandemia, a grande maioria dos moradores da Brasilândia, na Zona Norte de SP, tiveram que mudar, de alguma forma, a relação com a alimentação dentro de casa.

Distrito da Brasilândia | Foto: Beatriz Reis

Na Vila Terezinha, distrito da Brasilândia, periferia da Zona Norte de São Paulo (SP), Valquíria de Souza Oliveira, 54, recebe, quinzenalmente, uma cesta de alimentos orgânicos em sua casa, distribuída desde o início da pandemia de Covid-19, o novo coronavírus, pela Preto Império, um coletivo do bairro. “Os alimentos têm outro sabor, não estragam rápido, a gente consegue conservar um tempo na geladeira. O orgânico é outra coisa, né. Aqui em casa todo mundo gostou. Não tem nem comparação com o que a gente comprava na feira”, comenta.

Val, como é conhecida no bairro, divide a casa com mais sete familiares, entre eles crianças, que, até março, antes da interrupção das aulas presenciais, faziam, pelo menos, duas refeições diárias nas escolas em que eram matriculadas, refeições estas que seguiam normas técnicas e eram acompanhadas por nutricionistas. Com as crianças fora da escola, o desafio da família foi ainda maior para tentar equilibrar o que se põe à mesa todos os dias. Neste sentido, receber as cestas de orgânicos tem feito a diferença. “Para a alimentação dos pequenos está sendo maravilhoso”, diz Val.

Outro desafio, com certeza, é a grana. No início da pandemia, apenas o genro de Val trabalhava e completava a renda familiar, mas, há pouco tempo, a filha também conseguiu voltar a trabalhar, o que foi um grande alívio, principalmente, porque o cenário nacional não é animador: houve um aumento de 26% no número de desempregados diante da pandemia, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao todo, 12,4 milhões de brasileiros estavam desempregados na quarta semana de junho; 2,6 milhões a mais que o registrado na primeira semana de maio. Junto a isso, vale destacar que a Brasilândia apresenta a 5ª pior taxa de emprego formal da cidade, segundo o Mapa da Desigualdade de 2019.

Com as contas ainda apertadas, a família de Val usa a estratégia de comprar alimentos aos poucos, nos mercados locais do bairro, e sempre com bases nas promoções. “Isso, porque os preços variam muito”, explica ela. Não à toa, na grande maioria das vezes, a escolha do alimento que vai à mesa é feita de acordo com as condições econômicas, e não pela necessidade e cuidado com a qualidade do que se come. 

A maioria das família entrevistadas pela pesquisa realizada pela Preto Império prefere comprar seus alimentos nos mercados locais do bairro | Foto: Beatriz Reis 

Corona na Brasilândia

O 7º distrito mais populoso da capital, com mais de 260 mil habitantes – sendo 50,6% de pessoas autodeclaradas negras -, a Brasilândia foi, segundo o último relatório regionalizado de casos de Covid divulgado pela Prefeitura, em maio, o distrito com mais óbitos da cidade em decorrência do vírus. Foram 209 mortes confirmadas, seguido dos distritos de Sapopemba (205), Grajaú (183), Capão Redondo (163), Jardim São Luís (157) e Jardim Ângela (156).

Assim como Val, outras 120 famílias em situação de vulnerabilidade social na Brasilândia recebem as cestas de alimentos orgânicos distribuídas para amenizar os efeitos negativos da Covid, tanto financeiramente, quanto para garantir uma saúde melhor para os moradores.

 “A galera do bairro já está em uma situação precária, uma questão ambiental precária, falta de saneamento básico e, ainda, sem alimentação. Sim, isso é um processo de genocídio a longo prazo. Quando chega uma doença como essa, é óbvio que muitas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade vão vir a óbito

Dimas Reis, integrante da Preto Império.

A educadora e nutricionista Amanda de Jesus, também concorda e afirma que é extremamente importante que a população consiga manter uma alimentação saudável para garantir que o corpo também esteja saudável e mais preparado para lidar com o vírus. A falta de políticas que saibam lidar com isso, por exemplo, agrava o que ela denomina como “nutricídio”. “É nos matar através dos alimentos, pela boca”, explica.

Segundo ela, ainda é um desafio constante lidar com a massiva oferta, principalmente para a população negra e periférica, de produtos ultraprocessados e industrializados, que, de forma geral, não fazem bem para a saúde. Vale destacar que o Brasil é também, desde 2008, líder mundial em consumo de agrotóxicos e que os hábitos alimentares do brasileiro estão muito pautados pelo alto consumo de sal, gordura, bebidas adoçadas e refeições prontas. A pergunta que fica diante deste cenário é: o que tem sido feito para garantir a segurança alimentar de quem é da quebrada? 

As mudanças no prato

A pesquisa A alimentação na Brasilândia em tempos de Covid-19, realizada pela Preto Império, em julho, ouviu, por telefone, 103 famílias que recebem as cestas de orgânicos do coletivo e que residem em vários subdistritos da região. Segundo a pesquisa, para mais de 90% delas, desde que a pandemia começou, a relação com a alimentação tem mudado dentro de casa.

Em resumo, 68% dos lares têm mais de quatro pessoas residindo na mesma casa, e 37% deles têm, pelo menos, uma criança. Entre os principais motivos para esta mudança na relação com a alimentação, têm destaque os fatos de a renda familiar ter diminuído, os produtos estarem mais caros ou o fato de respeitarem o isolamento e mudarem a rotina de sair de casa: ao todo, 50% das famílias mudaram os locais onde costumavam comprar comida e 71% delas, agora, preferem o mercadinho perto de casa.

Celia Nazare da Silva, 53, é proprietária do conhecido Sacolão Silva Ramos, também localizado na Vila Terezinha, onde vende frutas, verduras, legumes, hortaliças, entre outros produtos. Segundo ela, nos primeiros meses da pandemia, o movimento do comércio local aumentou, pois “todo mundo só pensava em comer, então o movimento estava ótimo”. Agora, com pouco mais de cinco meses de pandemia, o movimento deu uma caída.

Para muitas famílias do distrito, o preço dos alimentos aumentaram, o que tem interferido no que é possível ou não comprar pra casa | Foto: Beatriz Reis

“As pessoas estão comprando um pouco menos agora. Muita gente perdeu o emprego, outras voltaram pro trabalho e não estão tanto em casa”, diz. O preço dos alimentos também é uma questão avaliada por ela. “As mercadorias aumentaram pra gente comprar pro sacolão, então fica difícil pra gente conseguir manter o mesmo preço [na venda]”, explica ela, justificando o aumento dos preços no sacolão.

Em todo Brasil, a qualidade e a quantidade de comida que as crianças e adolescentes brasileiros estão consumindo foi afetada pela pandemia, segundo a pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, da Unicef, realizada pelo Ibope, e divulgada no final deste mês. De acordo com o levantamento, 21% dos entrevistados afirmaram que vivenciaram momentos em que os alimentos acabaram e não havia dinheiro para comprar mais.

Dos entrevistados, 6% também disseram que a única saída foi deixar de comer, o que representa cerca de nove milhões de brasileiros deixando de realizar alguma refeição por falta de dinheiro. O estudo ainda mostra que a comida, quando tem, é de pior qualidade em muitos casos. Quase metade (49%) dos brasileiros sofreu alguma mudança nos hábitos alimentares neste período de quarentena.

Para a nutricionista Amanda de Jesus, a principal dica para uma boa alimentação é dar atenção maior aos alimentos naturais, aos alimentos da feira, ou seja, “aproveitar a xepa, que é o que a quebrada já tem costume de aproveitar”. “Será que sabemos o que realmente estamos consumindo? A feira tem que ser a base. O mercado acaba sendo complementar, apenas. Mas, normalmente, se faz ao contrário. É preciso inverter este olhar”, sinaliza.

Ao todo, 120 famílias em situação de vulnerabilidade social na Brasilândia recebem as cestas de alimentos orgânicos distribuídas pela Preto Império | Foto: Beatriz Reis

Amanda também fala sobre as cestas básicas distribuídas massivamente às famílias no início da pandemia, quando diversas lives de artistas famosos e grandes organizações e empresas passaram a distribuir milhares de mantimentos pela quebrada. Estas ações ajudaram muitas famílias que, de uma hora para outra, foram impactadas pela pandemia.

No entanto, Amanda de Jesus também sinaliza algo bem importante e pouco discutido: quem doa cestas também precisa se responsabilizar pela qualidade do que está doando. “Se tem oportunidade de escolha, porque não escolher uma cesta melhor, que tenha menos produtos ultraprocessados, por exemplo, ou distribuir frutas e legumes”, diz.

Este cuidado com o que se come citado pela nutricionista foi seguido em outra ação importante no território da Brasilândia de combate à Covid-19, e protagonizada pela ação direta dos moradores, na base do nós por nós. Assim que decretada a pandemia, a AMAVB, a Associação dos Moradores do Alto da Vila Brasilândia, iniciou a distribuição de marmitas para dezenas de famílias.

Eram 170 marmitas distribuídas todos os dias, além de outras 200 que recebiam prontas de outra organização, resultando em cerca de 360 marmitas distribuídas diariamente. Em 4 meses, foram distribuídas mais de 34 mil quentinhas, incluindo algumas no período noturno. Hoje, o número de produção das marmitas diminuiu drasticamente, muito por conta da redução dos apoios financeiros e parcerias, embora a pandemia permaneça e ainda impacte a vida de milhares de pessoas.

Segurança alimentar como direito

O direito humano à alimentação adequada (DHAA) ainda tem sério desafios no país, e a morosidade de seus avanços têm reflexos nesses tempos de pandemia. Nacionalmente, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), criado em 2006, a partir da Lei nº11.346, e assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, definiu a segurança alimentar e nutricional como “a estratégia que consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambientais, culturais, econômica e socialmente sustentáveis”.

Mas, foi somente em 2010, em sessão solene do Congresso Nacional no plenário do Senado, que foi promulgada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 047/2003, que incluiu o direito humano à alimentação entre os direitos sociais da Carta Magna. Até então, eram direitos sociais educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. 

“A feira tem que ser a base. O mercado acaba sendo complementar, apenas. Mas, normalmente, se faz ao contrário”, explica a nutricionista Amanda de Jesus | Foto: Beatriz Reis.

À nível municipal, embora a cidade de Sã Paulo tenha certo protagonismo na discussão, foi a partir de 2013, na gestão do prefeito Fernando Haddad, que a Prefeitura de São Paulo iniciou o processo de institucionalização da segurança alimentar e nutricional (SAN) com a lei nº 15.920, que estabeleceu que o município deveria tomar as medidas necessárias para garantir o direito humano à alimentação adequada e a segurança alimentar e nutricional de sua população.

Foi neste período também que foi instituído, finalmente, os componentes municipais do SISAN: a Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (CMSAN); a Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN-Municipal) e o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (COMUSAN-SP), anteriormente criados, mas, neste momento, passam a ser componentes do sistema nacional.

Entre uns dos maiores gargalos da implementação das políticas está, justamente, a dificuldade em estruturar e aperfeiçoar uma rede de equipamentos pública alimentar para a população. Segundo o Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na cidade de São Paulo: ações, desafios e perspectivas do papel da cidade na alimentação, o número de equipamentos que cumpriam esta função dimunuiu na cidade em uma comparação com a década de 1990. Até 2015, eram 15 mercados e 17 sacolões municipais na cidade (ante 27 em 1993), além de mais de 800 feiras livres convencionais – apenas sete feiras de produtos orgânicos.

Soma-se a isso, segundo o documento, o constante processo de privatização dos equipamentos públicos, a falta de instrumentos de regulação do mercado por parte do Estado na cessão do espaço e na política de preços dos alimentos praticados nesses equipamentos; e, apesar do expressivo número de feiras que ainda existem (que ainda são refém, por exemplo, de alimentos cultivados a base de agrotóxicos), ainda persistem os “desertos alimentares” na cidade, com difícil acesso aos alimentos saudáveis por parte da população, principalmente em regiões das periferias, o que influencia na real condição de manter uma alimentação saudável e acessível nos territórios.

*Com colaboração de Priscila Reis e Beatriz Reis. 

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização das iniciativas de comunicação Alma Preta, Desenrola e Não me Enrola, Embarque no Direito, Nós, Mulheres da Periferia, Periferia em Movimento, Preto Império e TV Grajaú, com patrocínio da Fundação Tide Setubal. 

O adeus à atriz e produtora cultural da periferia Dora Nascimento

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Enraizada nos movimentos culturais da região do Campo Limpo e Taboão da Serra, a atriz Dora Nascimento, que já foi coordenadora da Casa de Cultura do Campo Limpo, faleceu neste sábado (22), em decorrência de um câncer no pâncreas.

Dora Nascimento durante a Felizs em 2018. Crédito da Foto: Acervo Felizs.

A atriz, articuladora e produtora cultural Maria das Dores Rodrigues Nascimento, mais conhecida por Dora Nascimento ou Dorinha no território do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, faleceu neste sábado (22), às 6h15, no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) em decorrência de um câncer no pâncreas.

Dorinha já vinha se tratando de um câncer desde janeiro, antes mesmo do início da pandemia, quando descobriu a doença. Mesmo assim, a atriz não se deixou abater e, aos 55 anos de idade, buscou força entre amigos e familiares, além de continuar seus trabalhos até onde pode.

Dona de um sorriso único e cativante, a alegria, carinho e amor era a sua marca registrada transmitida para as pessoas que a rodeavam. A atriz deixará saudades não só pelos feitos artísticos e culturais, mas pelo ser humano cativante e acolhedor que sempre foi. O velório aconteceu nesse domingo (23), às 9h, e o enterro foi realizado às 10h, no Cemitério da Saudade, Parque Pinheiros, Taboão da Serra – SP.

 Uma vida em prol da cultura

Cenas do filme A Sombra do Fogo, onde a atriz Dora Nascimento interpreta a personagem Jant. Créditos da foto: Site A Sombra do Fogo

Dorinha era sócia-proprietária da produtora Belbellita e integrava a equipe que comanda a produção e realização da Feira Literária da Zona Sul (Felizs). Em sua trajetória de vida, ela atuou na produção do filme “A Sombra do Fogo”, de Jean Grimard, estreado no Canal Brasil em 2015.

Entre 2013 e 2015, ela atuou na produção da encenação da 57ª, 58ª e 59ª “Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo”, em Taboão da Serra. Em 2014, ela se juntou ao coletivo de artistas, poetas e autores Sarau do Binho, para participar da 40ª Feria del Libro de Buenos Aires.

Ao longo da sua caminhada, a atriz também integrou as organizações sociais Pólis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais e Poiesis), Instituto de Apoio à Cultura à Língua e à Literatura, e integrava atualmente a equipe de captação de incentivadores na Associação Músicos do Futuro.

No teatro, ela conta com participações nas companhias Teatrais Cia de Teatro TESOL, Cia de Teatro Encena e Espaço Clariô de Teatro. Além disso, foi coordenadora entre 2017 e 2019 da Casa de Cultura do Campo Limpo. 

 “Não tinha medo do novo, do diferente”

Dora Nascimento ao lado da equipe Felizs. Créditos da Foto: Acervo Felizs

A educadora, articuladora e produtora cultural do Sarau do Binho, Suzi Soares, revela que Dora representava muito amor, carinho e afeto para as pessoas que a conheciam e viviam ao seu lado.

“Era alegre, divertida, apaziguadora. Eu a conheci por volta de 2006, no Bar do Binho. Ela costumava ir ao sarau e era uma das últimas a ir embora. Sempre muito elegante. Usava uns vestidos lindos, floridos, alegres”, relembra a amiga.

Dora também gostava de pintar os cabelos de roxo, de pink, porque não tinha medo do novo, do diferente. Gostava de colares e brincos. Quando ela soltava uma gargalhada não tinha quem não se contagiasse, sempre agradecia muito pelas coisas, pelos aprendizados, pelas oportunidades que a vida lhe dava.

Dorinha, sempre me  mandava mensagem no meio da noite só pra agradecer por alguma coisa que tinha acontecido naquele dia. Na maioria das vezes coisas muitos simples, que no dia a dia nos esquecemos de dar valor e dar graças, mas ela não se esquecia nunca disso.

Diz Suzi Soares

Suzi conta que, em 2007, o Sarau do Binho realizou a Expedicion Donde Miras, caminhada literária em direção a Curitiba (PR). Dora estava de férias em Juquitiba, mas resolveu se juntar por uns dois dias àquele “bando de malucos sonhadores” e acabou indo com eles até o final da caminhada.

“Ela não tinha nem barraca, dormia em cima de um colchonete e estava feliz. Saía de manhã pelos mercados e sacolões das cidades, pedindo doações pra melhorar nossa alimentação. Fazia milagres, porque ninguém resistia aos seus apelos e simpatia. De lá pra cá, sua relação com o Sarau do Binho e com todos nós só se fortaleceu e muitas coisas construímos juntos”, diz.

Suzi relata o lado humano de Dora que sempre perguntava a ela: “fia, tem alguém precisando de alguma coisa, uma cesta básica?”. Dorinha fazia as compras pela internet e fazia chegar na casa da pessoa.

A cada data de aniversário de Suzi, Dora preparava uma nova surpresa. “Nos meus aniversários ela sempre me fazia alguma surpresa. Até mesmo este ano, já hospitalizada, pediu ao seu irmão, Beto, que me trouxesse umas plantinhas”.

Suzi também enfatiza sobre a dor de perder a cada ano pessoas importantes que atuam para o bem comum e coletivo nas periferias. “Foram pessoas que ajudaram a construir o movimento cultural da zona sul: Raquel Trindade, Tula Pilar, Marcos Pezão, e agora a Dora Nascimento e tantos outros. São buracos que vão ficando e que a gente não consegue preencher. Fica o vazio, a dor, a saudade”.

A emoção tomou conta nas redes sociais