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“Empreender sozinha é difícil”: projeto seleciona mulheres para receber formação cultural gratuita

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Com inscrições abertas até esta sexta-feira (25), o Conexões PeriFeira de Mulheres irá contemplar 30 mulheres periféricas para um ciclo formativo online.  Além de receber apoio para acessar internet, as participantes poderão expor seus trabalhos em uma feira cultural no final do projeto.

Foto: Divulgação

Nesta sexta-feira (25), encerra o período de inscrições para participar do Projeto Conexões PeriFeira de Mulheres,  iniciativa da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã, que vai selecionar 30 artistas ou empreendedoras, moradoras de regiões periféricas da cidade de São Paulo.

Com apoio do Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), o projeto dará prioridade para selecionar mulheres que são mães, indígenas, negras, imigrantes e LGBTQIA+ para um ciclo formativo virtual gratuito com duração de três meses. As selecionadas receberão um chip de celular com um pacote de dados contento sete gigas mensais e terão acesso ilimitado ao Whatsapp para uso e acesso às atividades oferecidas.

O projeto prevê a realização de um ciclo de formação composto por quatro encontros temáticos e quatro reuniões de organização coletiva da feira que será realizada no final do projeto. Além disso, serão oferecidas 12 oficinas culturais, em formato de lives, abertas ao público em geral.

“A partir da minha experiência como artesã, sendo uma mulher periférica da zona sul, trago muitas impressões sobre os desafios de expor o meu trabalho. Hoje eu vejo que a maior dificuldade para mim no começo era sentir que eu não tinha uma rede de apoio”, comenta Thamata Barbosa, uma das organizadoras do Conexões PeriFeira de Mulheres.

Foto: Divulgação

Segundo ela, o Conexões pode trazer uma contribuição à vida dessas mulheres como uma referência de auto-organização coletiva, de uma rede que se apoia e se fortalece.

“Se eu não fosse a proponente, facilmente eu me inscreveria. Empreender sozinha é muito difícil, ainda mais para mulheres periféricas que estão inseridas em vários contextos de desigualdades. Por isso, acredito na importância dessas conexões e fico muito feliz com o lançamento desse projeto de construção de mais uma experiência conjunta e solidária de comercialização”, diz a artesã.

Ao final da formação, será realizada uma feira cultural no Butantã. A PeriFeira de Mulheres será presencial, totalmente gratuita e sem taxas para as expositoras, que também irão receber ajuda de custo para transporte e alimentação no dia do evento. Para participar, as produtoras deverão comprovar 75% de frequência nos encontros virtuais.

Foto: Divulgação

O projeto pretende gerar oportunidades para que mais mulheres se organizem em rede, e através dos princípios de autogestão e economia solidária participem ativamente da construção dos processos de comercialização e produção de uma feira cultural, estimulando a troca de saberes e experiências e fortalecendo a constituição de redes solidárias.

Além disso, o processo busca promover integração entre artistas e empreendedoras periféricas transgredindo a lógica de competição capitalista e patriarcal e convidando todas a buscarem alternativas conjuntas. Nesse sentido, as formações têm como base a educação popular, o diálogo e a troca de experiências para horizontalizar as relações.

As atividades virtuais do Ciclo Conexões serão sempre às quintas-feiras, das 19h às 21h30, e começam no dia 23 de junho. Será emitido certificado de participação a quem tiver no mínimo 75% de presença nos encontros. A Feira construída pelas participantes está prevista para acontecer em 21 de agosto de 2022.

Foto: Divulgação

  Protagonismo feminino

Desde de 2017,  a Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã atua como um coletivo engajado em promover a visibilidade e o protagonismo de mulheres em um evento mensal de comercialização solidária e promoção cultural. 

A rede é composta por pequenas empreendedoras, agricultoras familiares, cozinheiras e produtoras de alimentos agroecológicos, além de artistas, artesãs, costureiras e arte-educadoras e, atualmente, o coletivo conta com cerca de 50 empreendimentos cadastrados, todos iniciativas de mulheres oriundas de diferentes contextos culturais e regiões do município de São Paulo e de seu entorno.

“A Feira é um espaço de formação e de ocupação política e cultural do bairro desde o início. Aprendemos na prática o que é uma feira de mulheres: um espaço em que crianças também se sintam acolhidas, que gere renda, dê protagonismo às mulheres como produtoras, que traga os movimentos sociais e paute a agroecologia. A gente não se considerava feminista no começo, mas fomos nos formando assim”, diz Ana Luzia Laporte, coordenadora pedagógica do Conexões PeriFeira e foi uma das fundadoras da Feira.

Mais que uma oportunidade de comercialização de produtos e geração de renda, o coletivo é também um espaço permanente de acolhimento, empoderamento, formação e deliberação coletiva, em que cada uma das mulheres participa ativamente das etapas de planejamento, produção e execução do evento, valorizando assim a diversidade que caracteriza o coletivo, e praticando os princípios que o fundam: economia solidária feminista, autogestão e agroecologia.

Teatro na quebrada: confira espetáculos que acontecem nos próximos dias

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 Selecionamos alguns espetáculos que acontecerão nas periferias de São Paulo até o mês de abril.

Espetáculo Pérsia. Foto de Marco Aurélio Olimpio.

Com o avanço da vacinação, e com todos os cuidados ainda necessários, algumas atividades presenciais de arte e cultura estão retomando as atividades presenciais. Por isso, selecionamos alguns espetáculos de teatro de grupos das periferias de São Paulo, que acontecerão nos próximos dias, todos com entrada gratuita.

Lembre-se: mesmo com a flexibilização do uso das máscaras, é importante e fundamental manter os hábitos de higienização das mãos com álcool em gel, vacinar as crianças de 05 a 11 anos e ponderar o uso das máscaras, mesmo com a liberação. 

Espetáculo “Pérsia” 

Espetáculo “Pérsia”, Grupo Sobrevento. Foto de Marco Aurélio Olimpio

O espetáculo Pérsia foi criado ao longo de 2021, e procura estabelecer conexões entre a cultura brasileira e a persa, especialmente nos campos do Teatro e da Música. Ao longo do espetáculo, os personagens que atravessaram continentes em busca de novas paisagens, confessam seus medos, seus sonhos, suas aflições, em palavras ditas e cantadas. A peça procura elos entre dois povos e mostra que existem desejos comuns de liberdade, de alegria e de resistência.

O Grupo Sobrevento esteve em Teerã (capital do atual Irã), em 2010, em um dos maiores festivais de Teatro do mundo, o Fajr Festival (Festival Liberdade). Naquela ocasião, o grupo conheceu a vitalidade do teatro naquele país, com uma Cultura milenar de origem persa.

A montagem fica em cartaz até 1 de maio, com apresentações sextas e sábados, às 20h30, e domingos, 20h. A entrada é gratuita e é possível reservar ingressos pelo email: info@sobrevento.com.br.

Classificação indicativa: 14 anos – Grátis Endereço: Rua Coronel Albino Bairão, 42 – Metrô Bresser, São Paulo, SP.

Espetáculo “Esquadrão Bombelhaço” 

Espetáculo “Pérsia”, Grupo Sobrevento. Foto de Marco Aurélio Olimpio

 Em 2022, o Circo Teatro Palombar, grupo que nasceu no bairro Cidade Tiradentes, comemora dez anos. Para celebrar a data, a trupe circense inicia uma mostra que começa com apresentações exatamente no bairro onde foi criado e bairros próximos na Zona Leste de São Paulo.

O primeiro espetáculo da mostra é “Esquadrão Bombelhaço”, que será apresentado na Cidade Tiradentes gratuitamente. Baseado em desenhos animados, “Esquadrão Bombelhaço” não possui falas e abusa de elementos cômicos como cascatas, quedas, tombos, pontapés e tropeções, além de malabarismos e manipulação de objetos, em técnicas de acrobacias cômicas e aéreas através do equipamento pizza.

Data: 26 de março de 2022 (sábado) – Horário: 16h00

Classificação indicativa: Livre – Grátis

Endereço: Comunidade Jardim Maravilha, Rua Apóstolo Simão Pedro, 236 – Cidade Tiradentes, Zona Leste, São Paulo – SP, 08475-260 

Espetáculo “Florilégio” 

Espetáculo “Florilégio” com Grupo Pombas Urbanas

Impulsionado por histórias de vida de diversas pessoas que moram no bairro Cidade Tiradentes, incluindo os artistas do próprio Grupo Pombas Urbanas, e pelo verbo “esperançar” de Paulo Freire, o espetáculo “Florilégio”, busca aproximar o público de memórias, sonhos, obstáculos a serem superados e de desejos esperançosos para um amanhã possível.

Com duração de 60 minutos, o espetáculo “Florilégio” procura demonstrar o quão potente é o poder de luta e transformação de um ser e que, apesar dos desafios em toda existência, ainda é possível acreditar mais na sabedoria da vida.

Classificação indicativa: Livre – Grátis

Quando: 23 a 26 de março de 2022 (quarta-feira a sábado) – Horário: 20h00

Endereço: Centro Cultural Arte em Construção, Av. dos Metalúrgicos, 2100 – Cidade Tiradentes, São Paulo – SP, 08471-000 – Telefone (11) 99901-0785 / (11) 2285-5699

Mostra “Teatro em Trânsito” 

Pirajussara: Vozes à margem, com Bando Trapos faz parte da Mostra Teatro em Trânsito. Foto de Will Cavagnolli.

O projeto “Teatro em Trânsito”, idealizado pela CTI – Cia. Teatro da Investigação, chega à sua segunda edição e tem espetáculos até 24 de abril de 2022. Serão 16 apresentações, em oito endereços da cidade, realizados por oito coletivos parceiros.

“Teatro em Trânsito” tem dois movimentos: a circulação dos trabalhos artísticos nas periferias da cidade de São Paulo e o intercâmbio entre grupos de teatro participantes, com sessões tanto na sede da CTI – Teatro Baile (na Vila Ré, zona leste) como nas sedes ou nos espaços escolhidos dos coletivos parceiros.

A entrada é gratuita e os ingressos deverão ser retirados uma hora antes de cada sessão, nos locais das apresentações. As informações com toda a programação, horários e locais estão em www.teatrobaile.com.


Agenda da mostra:
 

Mitos e Lendas Caiçara, com a Cia. O Castelo das Artes
26 de março de 2022, sábado, 20h
Sede CTI – Teatro-baile (Rua Oti, 212 – Vila Ré)

27 de março de 2022, domingo, 11h
Centro Cultural Arte em Construção (Av. dos Metalúrgicos, 2100 – Cidade Tiradentes)

O espetáculo mostra a simplicidade dos modos de viver, falas e costumes. São usados sotaques e expressões antigas dos povos caiçaras que se perderam com o tempo. De forma lúdica e divertida, a Cia. O Castelo das Artes traz histórias contadas por caiçaras, passadas de pais para filhos, registradas em livros. “Mitos e Lendas Caiçara” traz a cultura tradicional aos palcos para valorizar o saber popular e a oralidade típica da região a beira mar.

Classificação indicativa: Livre – Grátis


Pirajussara: Vozes à margem, com Bando Trapos 

2 de abril, sábado, 20h
Sede CTI – Teatro-baile (Rua Oti, 212 – Vila Ré)

7 de abril de 2022, quinta-feira, 20h
Casa de Teatro – Maria José de Carvalho (Rua Silva Bueno, 1533, Ipiranga)

Pirajussara: Vozes à margem apresenta releituras de histórias de moradores da região de Campo Limpo e Taboão da Serra em fragmentos criados pelos atores do Bando Trapos – cada qual utilizando seu repertório – em período de afastamento social. As histórias, ora encenadas por bonecos, ora com música e movimento dos atores e atrizes, vão sendo entrelaçadas por aparições de Pirajussara, uma mulher-cabocla-rio que caminha cortando a divisa de cidades trazendo para essas narrativas o seu olhar de natureza.

Classificação indicativa: Livre – Grátis

Ação cênica sobre a atual pesquisa do grupo sobre o Cárcere, com Companhia de Teatro Heliópolis 

14 de abril de 2022, quinta-feira, 20h30
Sede CTI – Teatro-baile (Rua Oti, 212 – Vila Ré)

19 de abril de 2022, terça-feira, 20h
Trapos Espaço Cultural CITA (Rua Aroldo de Azevedo, 20 – Campo Limpo)

O grupo fará uma ação cênica com apresentação de cenas sobre o tema da atual pesquisa do grupo “Cárcere- Aprisionamento em Massa e seus Desdobramentos”.

Classificação indicativa: 12 anos – Grátis

Menina Bonita do Laço de Fita em Ritmo de Palhaçaria, com Companhia de Teatro Flor do Asfalto

16 de abril de 2022, sábado, 20h
Sede CTI – Teatro-baile (Rua Oti, 212 – Vila Ré)

17 de abril de 2022, domingo, 16h
Refinaria (R. João de Laet, 1507 – Vila Aurora)

O conto “Menina Bonita do Laço de Fita”, escrito por Ana Maria Machado, fala sobre a relação de admiração entre um coelho branco e uma menina negra. Nessa livre adaptação criada pela Cia Flor do Asfalto, três palhaços buscam uma forma de ganhar dinheiro. Eles encontram o livro de Ana Maria Machado e decidem contar a história ao público. Abordam sobre racismo estrutural e ancestralidade, para a desconstrução do preconceito e para a construção da auto estima da criança negra.

Classificação indicativa: Livre – Grátis

Compendiado Refinaria, com Refinaria Teatral

23 de abril de 2022, sábado, 20h
Sede CTI – Teatro-baile (Rua Oti, 212 – Vila Ré)

24 de abril de 2022, domingo, 16h
Reação Arte e Cultura (Rua Giácomo Quirino 76 – Conjunto José Bonifácio)

Quatro encenações, quatro obras, quatro personagens, com uma mesma atriz. Compendiado Refinaria constitui a apresentação de uma cena da obra “Yeong-Gam”, uma de “Meid In Brazilian”, uma de “Porque as mulheres choram” e uma de “Espelho”.

Classificação: 14 anos – Grátis 

Festival “Fotografia em Tempo e Afeto” debate sobre meio ambiente para além da ideia de Amazônia

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 A 5ª edição do festival possui o tema “Meu Meio é o Meio Ambiente”, e neste ano acontece em formato híbrido, com ações presenciais em Porto Velho (RO) e atividades virtuais para todo Brasil.

Fotografia coletiva de Cayo Aguiar e Tays Chaves

 Até o próximo domingo, dia 27, é possível conferir a 5ª edição do Festival Fotografia em Tempo e Afeto, uma maratona de composições visuais idealizada pela fotógrafa Marcela Bonfim, que busca captar em suas lentes a diversidade e a presença negra na Amazônia.

A mostra foi produzida a partir de galerias disponibilizadas pelas ruas de Porto Velho, em formato de lambe-lambe, e disponibilizadas em uma plataforma online. Mais de 130 artistas e ativistas participaram pensando e compondo a visualidade em conjunto com a cidade.

“Temos a consciência dos males que os estigmas e regimes de invisibilidade significam em nossa região, quando percebemos, por exemplo, homens e mulheres desaparecendo dentro do meio ambiente. É o caso dos povos indígenas, populações negras e quilombolas”, aponta Marcela Bonfim, idealizadora do festival que acontece desde 2017. 

“Por isso, a fotografia é também uma forma potente de discutir as questões políticas da região amazônica, principalmente destacando a forma de refletir de quem é de dentro da região e questionando as reflexões externas”

Marcela Bonfim

O evento é fruto de um trabalho coletivo com obras de diversos artistas, como Aline Motta (SP), Ana Lira (PE), Eder Lauri (RO), Gal Cipreste Marinelli (RJ), Lia Krucken (BA), Marcela Bonfim (RO), Paula Sampaio (PA), Pi Suruí (RO), Rodrigo Masina Pinheiro (RJ), Rogério Assis (PA) e Washington da Selva (BA).

Toda a exposição resultará em um catálogo, que será lançado no domingo, 27 de março, e ficará disponível gratuitamente no site do festival.

No site é possível acompanhar o resultado das ações que foram lançadas e aconteceram no início de março: tour virtual pela montagem das galerias de artes visuais nas ruas de Porto Velho, performances e exposição online

Meu Meio é o Meio Ambiente 

Um dos objetivos do festival é mostrar a fotografia como uma ferramenta de poder, tanto na economia quanto na política. Neste ano, o festival busca exercitar formas de se pensar o “meio ambiente” para além da ideia de Amazônia, referenciando a imagem como escuta, diferenciando das formas tradicionais de se comunicar a fotografia, as questões sociais, políticas e ambientais.

Para a fotógrafa, idealizadora e organizadora do evento, Marcela Bonfim, a fotografia também é uma forma de discutir as questões amazônicas evidenciando as reivindicações dos povos da própria região.

“Praticar o exercício comunitário da composição, prezando pelo sentido do acesso e da inclusão, tem sido a aposta e também a certeza do Festival. Queremos expandir a consciência visual e desmistificar os códigos que interferem em nossa visualidade, como também das diversas e múltiplas Amazônias, que se constituem apenas por habitar o seu meio”, finaliza.

 Serviço: Festival Fotografia em Tempo e Afeto

Quando: 27 de Março de 2022 (domingo), às 20h

Ação: Lançamento do Catálogo On – https://www.fotografiaemtempoeafeto.com/


Mais informações: Site, InstagramYoutube.

“A gente compra com frequência”: água vira mercadoria às margens da represa Guarapiranga

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Sem o fornecimento de água garantido, comprar água em mercados da região e unir forças com vizinhos tem sido uma forma de sobreviver para os moradores do bairro Vila Gilda.

Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Àgua, mas para moradores das periferias e favelas, a data não é tão comemorativa assim. O motivo: o fornecimento de águas nos territórios periféricos está sendo gravemente afetado por empresas públicas que deveria garantir esse direito.

Nos mercados do bairro Vila Gilda, território localizado às margens da represa Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, o Desenrola apurou que o preço da garrafa de água com 500ML varia entre R$2,59 e R$3,30. E os galões de 20L custam entre R$24,99 e R$31,00. A diferença nos preços depende da marca que produz e distribui os produtos no comércio da região.

“A gente compra com bastante frequência o fardo fechado para fazer comida, limpar a casa, e fazer os doces da lanchonete, porque a gente não consegue comprar o galão, então a gente gasta bastante com essas garrafas menores ou aquelas de dois litros”, relata a estudante Gabryely Rodrigues, 18, que mora no bairro Vila Gilda, numa rua em frente a represa Guarapiranga.

“Fiquei uma semana sem ir pra escola”

Gabryely Rodrigues é estudante e mora no bairro Vila Gilda.

Para complementar a renda da família durante a pandemia de Covid-19, os pais de Gabryely decidiram transformar um cômodo da casa onde moram no Vila Gilda, em uma lanchonete. Deste então, a falta de água na região tem dificultado manter o negócio funcionado.

Além disso, a falta de água no bairro tem afetado também a rotina escolar da estudante. “Fiquei uma semana sem ir pra escola”, conta ela, afirmando que de uns tempos para cá, a falta de água tem virado uma rotina que chega a durar dois dias consecutivos.

A estudante revela que a família e vizinhos consomem a água que vem direto na torneira, fato que faz ela perceber algumas mudanças negativas, como cheiro forte e mudança na coloração. “Dois vizinhos daqui da rua ficaram com mal estar uns dois dias, após beber dessa água”, conta a jovem. 

“O problema é: ou o proprietário faz, ou ninguém faz. O pessoal se une, cada um faz sua parte”

Gleica Andrade é vizinha Gabryely e reside há 20 anos no bairro Vila Gilda. 

Outra moradora que enfrenta o descaso da SABESP com o fornecimento de água na região é Gleica Andrade, moradora que reside há 20 anos no bairro Vila Gilda, localizado às margens da represa Guarapiranga.

Segundo a moradora, o tormento começa quando ela faz a solicitação do serviço para restabelecer a distribuição de água para ela e os seus vizinhos, pois o chamado não é atendido rapidamente ou tratado com prioridade. “Tudo que acontece dali da ponte do Aracati pra cá, que é a redondeza da represa, a gente não é atendido de imediato”, desabafa ela.

Ela diz que os problemas de quem mora na região vai muito além do fornecimento de água e ressalta que mora num bairro esquecido pelo poder público. “Por aqui ser uma área manancial, como eles (órgãos competentes) alegam, eles falam que não tem o que fazer, só que na verdade tem. O problema é: ou o proprietário faz, ou ninguém faz. O pessoal se une, cada um faz sua parte”, enfatiza a moradora.

Ela complementa afirmando que essa união dos moradores é fruto do não atendimento do órgãos responsáveis pelo fornecimento de serviços ligados ao funcionamento e manutenção das redes de água e esgoto da região, pois a cada novo chamado para resolver problemas, a população local não é atendida.

Água como mercadoria 

Segundo a educadora e integrante da Coalizão Pelo Clima, Nara Lasevicius,30, o poder público está precarizando o direito à água nas periferias.

Como exemplo deste cenário, ela citou uma ação do coletivo que aconteceu no início da pandemia, em 2020, onde foram mapeados uma série de bairros nas periferias de São Paulo, que estavam tendo ao mesmo tempo a falta d’água.

Naquela fase da pandemia, estavam sendo adotadas as primeiras medidas cruciais de higienização em prol de evitar a proliferação da Covid-19, então havia uma dependência fundamental do acesso à água. Foi nesse processo que a Coalizão Pelo Clima descobriu uma série de bairros que estavam com dificuldades no acesso à água de qualidade.

“A gente levou isso para o poder público, para que pudessem regularizar a distribuição de água. E trouxe ali alguns ganhos, embora a gente saiba que essa questão da água, ela vem passando por um processo de muita precarização do serviço nos últimos 8 anos que é quando parte da Sabesp foi comprada”, explica Nara.

O termo “Justiça Ambiental” foi o que Nara citou durante entrevista, trazendo uma reflexão de como as questões ambientais afetam os moradores das periferias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, pois tudo depende de onde você mora, como mora e porque mora naquele local em específico e as consequências também são específicas e desiguais.

“É comprovado que as tragédias ambientais, as mudanças climáticas, todos esses problemas voltados ao meio ambiente, afetam de forma diferente e específica as populações mais vulneráveis socialmente”, pontuou.

A Coalizão Pelo Clima possui como motivação principal a luta pelo direito à água, pois as grandes corporações atuam para transformar esse recurso essencial à vida em uma mercadoria. “Tem direção ofensiva dessas grandes corporações, no sentido de negar explicitamente que a água seja um direito humano, e que por isso ela poderia ser comercializada”, expôs Nara.

Nara também pontuou que na maioria das vezes, são essas corporações que estão por trás de fóruns e eventos importantes que decidem sócio e economicamente para que lugar será levada e de que forma a água será manipulada dentro da sociedade.

Reabertura do parque Jardim Helena gera benefícios na saúde física e mental de moradores da zona leste de SP

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Depressão, super dependência do celular e membros atrofiados são alguns dos problemas de saúde física e mental que a reabertura do parque ajudou a tratar em crianças, jovens e idosos moradores da região do Jardim Helena, Jardim Pantanal e Jardim Lapena.

O aposentado João Carlos voltou a aproveitar as manhãs no parque para se divertir com o neto. (Foto: Maria Eduarda Santos)

O Coletivo Visibiliza, formado por jovens comunicadores do Jardim Pantanal, Jardim Helena e Jardim Lapena, territórios periféricos que estão próximos da margem do Rio Tietê, conversou com moradores do extremo leste de São Paulo, sobre os impactos da reabertura do Parque Jardim Helena, espaço público de lazer e esporte que viabilizou contato humano e com a natureza durante a fase de avanço de vacinação contra a covid-19 para idosos, jovens e crianças da região.

As percepções dos moradores, depois de um longo período de isolamento social com o parque fechado por conta da pandemia revelou a importância de uma área verde com opções de lazer e esporte para as famílias da região.

O morador do Jardim Helena José Luiz da silva, 86 anos, relata que frequentava o parque antes do fechamento, e a reabertura foi importante pois ele vai poder praticar caminhada e se exercitar nos aparelhos que o ambiente oferece: “Eu gostei da reabertura por que fazer caminhada e exercícios fazem parte da minha vida”, diz. 

Ele também conta que para compensar a falta do parque, ele começou a usar aparelhos de musculação que tinha em sua residência e praticar um pouco de caminhada nas praças perto de casa. “Fiquei muito estarrecido com o fechamento do parque, porém precisei arrumar outro jeito de fazer o que eu gosto”, explica.

Jose Luiz Da Silva, 86 anos, é morador do Bairro Jardim Helena. Ele frequenta o parque pela manhã para utilizar os aparelhos de exercícios físicos. (Foto: Maria Eduarda Santos)

Maria Aparecida, 74 anos, moradora do bairro Jardim Pantanal, comenta que com o fechamento do parque ela ficou mais em casa e só saía quando era essencial: “Eu sentia muita falta de ir ao parque, era meu único meio de fazer exercícios”, conta ela.

Com a reabertura, ela pôde começar a praticar exercícios para melhorar a saúde e ter mais liberdade para aproveitar um final de semana com a família. “Posso aproveitar minhas manhãs para caminhar e o fim de semana para aproveitar com os netos.”

Maria Aparecida, 74 anos, é moradora do bairro Jardim Pantanal. Todas as manhãs vai ao parque fazer caminhada; (Foto: Kaique Ferreira)

A Dona Liberata, 65 anos, comemora o fato de voltar a fazer caminhada e curtir os netos no espaço de lazer. “Gosto de fazer caminhada, exercícios e trazer os netos”. Para ela, o ambiente pode beneficiar todas as idades e lamenta não ter praticado exercícios no período em que o parque ficou fechado, causando um pouco de tristeza e sentimento de perda: “A reabertura do parque foi muito importante.”

Já o aposentando João Carlos, de 59 anos, revela que sempre vai ao parque para fazer caminhada e levar os netos para desfrutarem do lazer. Ele comenta que a sensação de reabertura é de “liberdade”, o que auxilia no bem estar de todas as idades.

“A abertura do parque é muito importante para a população se manter fisicamente e psicologicamente aliviada”, afirma. No momento da pandemia, Carlos conta que não saiu de casa devido à exposição ao vírus e nesse período, ficou sem praticar nenhuma atividade. “Se eu sair, posso estar me expondo e expondo minha família”, diz.

Aos 59 anos, João Carlos voltou a vivenciar o prazer de levar o neto para brincar nas áreas verdes do parque Jardim Helena. (Foto: Maria Eduarda Santos)

Saúde mental da juventude 

A reabertura do Parque do Jardim Helena foi importante para todas as idades. E para os jovens, serviu como válvula de escape para evitar doenças psicológicas. “Sinto sensação de liberdade, e é divertido estar reencontrando os amigos”, comenta Pablo, estudante de 19 anos.

Mattheo, estudante de 15 anos, diz que a reabertura foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para ele: “Me sinto livre”. Na entrevista, ele comenta que sentia saudades dos amigos e que ficar longe do parque o afetou psicologicamente.

“Quando eu não vinha ao parque eu costumava chorar muito no meu quintal, e isso me acumulou alguns sintomas de depressão e ansiedade, porque eu costumava dormir muito tarde”

Mattheo é morador do Jardim Helena e estudante.

O estudante Mattheo de 15 anos, estava ficando depressivo, quando descobriu que o Parque Jardim Helena reabriu. (Foto: Maria Eduarda Santos)

A estudante Ana Clara, que também tem13 anos, comenta que quando descobriu que o parque fechou, ficou triste: “Eu vinha todo dia antes do parque fechar”, diz. 

O único meio que Ana encontrou para se distrair, foi por meio do celular e com a reabertura do parque ela pratica esportes e aproveita o lazer das áreas verdes. “Ando de skate, jogo bola e venho às vezes só para passear e andar de bicicleta”, conta. 

Relação com a natureza 

A educadora e cientista ambiental, Leila Vendrameto, analisa que a reabertura do parque pode reaproximar as pessoas da natureza, um vínculo que se perdeu durante a pandemia principalmente entre os moradores de bairros periféricos.

“Acredito que por sermos seres da natureza, a nossa necessidade de estar presente com outros seres vivos, com outras espécies, ajuda muito a gente lidar com desafios da vida”, explica.

A especialista também comenta que com a falta de natureza, as pessoas ficam aprisionadas virtualmente, através de celulares e computadores. “Durante a pandemia, ficamos aprisionados. Principalmente refém dos sistemas eletrônicos, do celular e computador”. 

“A natureza nos ajuda a nos conectar com nós mesmos e com a saúde física da pessoa”

Leila Vendrameto é coordenando do projeto Urbanizar do Espaço Alana.

Ela ressalta a importância do exercício físico para o corpo e também o importante do olhar diferente para a natureza como rotina para uma vida melhor.

“A natureza nos ajuda a nos conectar com nós mesmos e com a saúde física da pessoa. Caminhar faz circular sangue, respirar ar diferente do lado da nossa casa e também ter horizonte de perspectiva a partir de observar as árvores”, explica.

Para a psicóloga Laís Guizelini, a abertura do Parque Jardim Helena foi importante para os moradores, pois ofereceu uma retomada à rotina confortável que essas pessoas estavam acostumadas a ter antes da pandemia.

“Na pandemia, tivemos que lidar com uma descontinuidade na vida que costumávamos levar, e foi de um jeito brusco de uma hora para outra. E quando situações assim acontecem, pode gerar medos e inseguranças em relação ao que está por vir”, ressalta.

Laís enfatiza que todos esses sentimentos foram agravados pela falta de preparo que o país lidou com a crise sanitária. “No Brasil não tivemos suporte e orientações precisas vinda dos governos, foram muitas informações contraditórias vinda de muitas fontes diferentes e ainda tivemos que lidar com desinformação, o que pode ter piorado a sensação de impotência e medo nas pessoas”, argumenta a terapeuta.

“Antes da pandemia as pessoas já faziam uso excessivo do celular”

Laís Guizelin é psicóloga com atuação em projetos de interesse social atendendo pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Toda essa pressão, causou diversos impactos sociais na vida dos jovens moradores do Jardim Helena. Assim como relataram os pais e avós entrevistados, o celular foi um deles. A psicóloga analisa que o celular serviu como válvula de escape para fugir da realidade.

“Antes da pandemia as pessoas já faziam uso excessivo do celular. Quando as possibilidades de interação presenciais ficam reduzidas ou até mesmo suspensas, muita gente acaba recorrendo ao celular para conversar com amigos, parentes, jogar, utilizar as redes sociais como forma de se divertir. Então na pandemia, cada pessoa foi encontrando um jeito de lidar com essa catástrofe”, conclui a a psicóloga.

Esta publicação faz parte do Curso Jovens Comunicadores, realizado pelas iniciativas de jornalismo periférico Periferia Em Movimento e Desenrola E Não Me Enrola, com apoio do Galpão Inova ZL, Espaço Alana, Fundação Tide Setúbal e Instituto Alana.

“Peritrônica” reúne artistas mulheres para fortalecer participação feminina na música

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O evento acontece neste domingo, 20, e conta com a participação de mulheres de diversos estilos musicais, além de feira gastronômica, exposição de fotos e desfile de moda.

Dj Susy Seven

O projeto Peritrônica: Periferia Eletrônica – Música sem Fronteiras, celebra o mês das mulheres com arte e cultura no evento que acontece neste domingo, 20 de março. A programação é gratuita e as atividades ocorrem das 10h às 21h, na Praça Monsenhor Escrivá (Praça do Skate), na Vila Iório em Pirituba, zona noroeste da cidade de São Paulo.

A DJ e produtora musical, Susy Seven, uma das idealizadoras do Projeto Peritrônica, conta que a proposta do evento é dar maior visibilidade aos artistas locais e enaltecer a economia criativa da região. 

“Neste dia queremos celebrar a representatividade feminina e as ações culturais promovidas pelas mulheres. Desejamos despertar o interesse cultural dos moradores da região, além de valorizar a arte e os artistas locais”

Susy Seven

A programação do dia conta com grafite, discotecagem, desfile, workshop chair dance (dança sensual), exposição de fotos por Sabine Cazaline, artesãos locais, food trucks, e a presença da assistente social Eliane Cléa que estará disponível para conversar com o público sobre violência doméstica.
Entre as atrações confirmadas, estão: DJ Susy Seven (house music e vertentes), DJ Jubah (música eletrônica, flash back, entre outros), Neide Sales & Flavia Souza (samba), grupo Plus Size SGS Dance, Vanessa Manara & Mimi, com participação de Agatha Agostinho (pop, samba e reggae). Ao longo do evento, as obras produzidas pela artista Lady Brown serão sorteadas.

Peritrônica: cena da música eletrônica na quebrada 

Essa é a primeira edição do Peritrônica, mas os DJs organizadores do evento, Susy Seven e Vanderlei Egidio, já promovem encontros culturais desde 2015. Ambos fazem parte do Movimento de Cultura Pirituba Jaraguá (Mocupija), da região Noroeste de São Paulo.

O Projeto Peritrônica acontece desde 2015, de forma itinerante. O coletivo é formado pelos Djs Susy Seven, DJ Vandecko e DJ Jorge F. As apresentações do projeto Peritrônica contam com a presença de artistas convidados e acontecem em espaços públicos, como praças e parques. Com eventos gratuitos, o objetivo é ampliar os horizontes musicais e culturais dentro da periferia.


Serviço:

Projeto Peritrônica: Mulheres

Data: 20/03/2022 

Horário: das 10h às 21h

Local: Praça Monsenhor Escrivá (conhecido como Praça do Skate, no ponto final da Vila Iorio). 

CEP: 02968-015. Pirituba (zona noroeste de São Paulo).

Gratuito

Negócios da quebrada fortalecem setor de cervejas artesanais nas periferias

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Moradores das periferias de São Paulo criaram suas próprias cervejas e buscam fazer com que a bebida produzida artesanalmente também esteja presente e seja disseminada “da ponte pra cá”.

No rótulo da cerveja em lata da Bola Véia também possui a representação da quebrada, assim como na embalagem em garrafa. Antes, o rótulo era apenas o logo da cerveja. Foto: Mateus Fernandes.

O mercado de cervejarias artesanais que se popularizou principalmente nas regiões centrais das cidades, é um setor que desperta o interesse de muitos moradores das quebradas, seja para consumo, produção ou comercialização.

Esse é o caso de muitos empreendedores periféricos que produzem e comercializam o produto artesanal, com iniciativas e ideias criadas a partir de diferentes contextos.

Criações inspiradas no futebol de várzea, com intuito de combater rótulos sociais ou de expandir o consumo da bebida produzida com melhores insumos, são algumas das várias motivações dos empreendedores periféricos no ramo.

Conversamos com três produtores e produtoras de cervejas artesanais da quebrada, que nos contaram sobre seus empreendimentos e atuação, confira:

Bola Véia 

Morador da Casa Verde, zona norte de São Paulo, Rogerinho Ferradura é o criador da cerveja Bola Veia. O projeto de ter uma marca de cerveja surgiu através do seu canal no YouTube, o Programa Bola Veia, onde o cervejeiro falava sobre futebol de várzea.

“Durante a gravação, o pessoal tomava cerveja e foi aí que eu tive a sacada: criar uma cerveja e não ficar fazendo propaganda gratuita de uma grande marca do comércio”

conta Rogério Gervásio, mais conhecido como Rogerinho Ferradura.

No início, a cerveja era produzida no fundo do quintal de Rogério, pois era feita uma quantidade apenas para os participantes das lives consumirem. Com o tempo, os convidados gostaram da bebida e queriam encomendar para levar pra casa, e até os espectadores se interessaram.

“Eu falei: ‘cara, tem que levar isso pra frente’. E já comecei a fazer o processo de registro, de produzir já de grande escala, de vir para uma cervejaria, foi quando me apresentaram a TRIA, aí fizemos essa parceria de começar a produzir com eles”, conta Rogerinho sobre o início da cerveja Bola Véia.

Ele ressalta que, para a produção da cerveja, utiliza um formato muito comum entre os produtores de cerveja artesanal e independentes. Alguns cervejeiros que não possuem a sua própria cervejaria, fábrica ou espaço adequado para a produção, utilizam os equipamentos e espaço de outras cervejarias já atuantes no mercado, que já produzem outras marcas.

A embalagem é um dos destaques da cerveja Bola Veia. Foto: Mateus Fernandes

Para Rogerinho, um dos diferenciais nas vendas da Bola Véia é o rótulo. O desenho, feito a mão a partir de uma parceria, busca retratar “todos os guetos, o brasilzão”, afirma.

Segundo ele, o rótulo da cerveja chamou atenção de vários locais pela internet, fazendo com que a Bola Veia chegasse a outros estados, como Brasília, Rio Grande do Sul e Paraná. 

“Ela não é cara [a cerveja], mas eu não consigo fazer o valor das grandes marcas. Só que assim, você vai tomar dez, vinte latinhas [das marcas populares], enquanto de uma boa artesanal você vai comprar cinco e vai ficar de boa, não vai ficar doidão. É aquilo: beba pouco, beba melhor”

analisa o cervejeiro.

Enquanto não abre seu próprio bar, o morador da Casa Verde realiza suas vendas através da internet, nas redes da Bola Véia, bares parceiros, e na sua própria casa, na zona norte de São Paulo, que também funciona como ponto de distribuição. O local ficou conhecido como a “Casa da Véia“.

“Os amigos mais próximos compra e toma lá [em sua casa], a gente fica tomando na calçada ou no quintal de casa. E lá dentro tem a decoração, que é onde tiro as fotos, tudo no processo pra ser um futuro bar”

finaliza Rogerinho Ferradura que tem seu quarto decorado com o tema da cerveja, espaço que também utiliza como cenário para as fotos que usa na divulgação do seu produto.

Corisca 

Criada por duas mulheres, Melissa Barbosa e sua parceira Eneide Pontes Gama, a cerveja Corisca surgiu em 2017, em Taboão da Serra, com a proposta de levar a cerveja puro malte para a periferia com um preço justo e acessível.

Segundo as fundadoras, a criação da cerveja Corisca está aliada ao combate de rótulos sociais machistas presentes na sociedade, que por muitos anos teve propagandas e seu consumo associados majoritariamente ao público masculino.

“Nos tornamos ativas nos movimentos sociais da periferia, onde pegamos amor por temas de melhor qualidade de vida para os moradores da periferia sul de São Paulo, passamos por alimentação orgânica, implantação de coleta seletiva na cidade de Taboão da Serra, descobrimos temas de educação inclusiva, economia criativa e circular, e temos nos dedicados a tornar sonhos em realidade”, conta Melissa sobre as motivações e caminhos que percorreram até a criação da cerveja Corisca.

Melissa afirma que sempre teve curiosidade de experimentar uma cerveja puro malte diferente, artesanal, porém não encontrava nenhuma à venda na sua região, achava apenas as cervejas industrializadas. 

“Eu lembro que na época, a gente pagava 30 reais em um copo de 300ml. E isso pra gente foi algo muito impactante, porque acabava que a gente não tinha a oportunidade de conhecer esse universo”

conta a cervejeira, que complementa contando que alguns anos atrás, para encontrar uma cerveja artesanal, precisava atravessar pontes e que atravessando essas pontes, encontrava mais uma barreira: os preços.

Interessadas em descobrir mais sobre esse mundo das cervejas artesanais, Melissa e Eneide se empenharam em aprender como funcionava a produção e os componentes para criar sua própria cerveja.

Nesse processo, elas constataram que ao produzir através das cooperativas, ou no mesmo formato de produção da Bola Véia, utilizando o espaço e equipamentos de outras cervejarias do mercado, o valor poderia ser barateado, pois a produção e a compra dos ingredientes são feitas em maior volume, gerando assim menos custos individuais.

Antes de se chamar “Corisca”, a cerveja criada por Melissa e Eneide se chamava “Benedita”. A mudança oficial do nome aconteceu no final de 2021, e junto realizaram a mudança no rótulo da cerveja. Foto: Gustavo Henrique.

Melissa conta que no começo tudo não passava de uma brincadeira. Elas fizeram o primeiro lote e viram que a escolha dos lúpulos e a composição feita favoreceram o sabor da cerveja. Depois desse resultado ficou mais fácil, e assim, começaram a viver da sua própria cerveja.

“Nesta peregrinação sentimos falta de uma boa cerveja a preço acessível, então nos tornamos empreendedoras da Cerveja Corisca, uma cervejaria feminista que surgiu com o objetivo de levar cerveja puro malte à preço justo para periferia de São Paulo”, afirma Melissa.

A cerveja Corisca é vendida e entregue toda semana, e via delivery de quarta a sábado, além dos pontos de venda parceiros espalhados pela cidade. 

Graja Beer 

Leandro Sequele, educador há mais de 20 anos, é o criador da cerveja Graja Beer, bebida que leva o nome do território onde foi criada, no Grajaú, zona sul de São Paulo.

Inicialmente a cerveja começou a ser pensada por um grupo de amigos, que de 2016 a 2018, pesquisaram sobre o mercado, e foi lançada oficialmente em 2018, no aniversário de São Paulo, no Centro Cultural Grajaú.

Leandro conta que uma das motivações para a criação da bebida, veio de uma percepção sobre o perfil de pessoas que consumiam a cerveja artesanal, o que acredita ser devido ao preço e a localização que normalmente se vendia o produto.

“A gente só encontrava da mesma cor, do mesmo bairro, da mesma linguagem nos serviços, na segurança, na cozinha, no atendimento. Chegou o momento que a gente falou: ‘pô, se a cerveja sempre faz parte do nosso dia a dia, por que ela tá tão distante do nosso povo? porque não a gente ter controle sobre isso?”

aponta Leandro sobre um dos questionamentos que fez ao criar a Graja Beer.

O grajauense conta que a Graja Beer também tem a proposta de “beba menos, beba melhor”, e que o conceito vai além do consumo da cerveja.

Ele relata ter consciência que a periferia tem muitos problemas históricos com bebida alcoólica e esse novo tipo de consumo também estaria atrelado a contribuir para evitar excessos. 

“Quando você começa a consumir cerveja artesanal, seja pela questão do paladar ou pelo próprio valor dela, você consome diferente, você não vai tomar vinte cervejas artesanais, você vai tomar dois, três copos e se sente satisfeito”

afirma.

Para ele, a Graja Beer não é só uma cerveja ou uma marca que busca lucro, mas um produto novo que se apresenta para as pessoas da comunidade através de uma série de linguagens, como a identidade, a arte e o senso de pertencimento.

“Quando a gente sai na mídia, a gente sai falando dos coletivos que vem dentro da Graja e ocupam, sobre a arte que tem na casa, que é um artista do Cocaia, a gente tá falando do mural que o André Bueno fez anteriormente, a gente tá falando de uma série de linguagens que fazem parte do que é o ser Graja Beer”, aponta Leandro sobre toda rede que passa a se articular e fortalecer junto com a Graja Beer. 

O rótulo da cerveja destaca o distrito do Grajaú. Foto: Mateus Fernandes.

A cerveja é vendida na sede da Graja Beer, no Graja Beer Pub, espaço inaugurado um ano após a cerveja, em 2019. A Graja Beer Pub é o local fixo de venda da bebida, mas quando fecham parcerias ou produzem em outra cervejaria, realizam a venda no espaço, conforme cada acordo, além da venda que também realizam via delivery.

A produção acontece em parceria com outras marcas e fábricas, e assim como a cerveja Bola Véia e Corisca, também utiliza a estrutura de cervejarias já atuantes no mercado. O local de produção da Graja Beer é alterado conforme as parcerias e possibilidades. 

“Se nós juntarmos quatro, cinco cervejarias e fazemos uma produção de uma base cervejeira, podemos fazer dez estilos diferentes a partir da mesma base e ter um barateamento dessa base gigantesco”

destaca Leandro, que também propõe com a Graja Beer uma produção de forma cooperativa entre os produtores de cerveja artesanal nas periferias.

Ele afirma que conforme maior o volume comprado, menor acaba sendo o preço da unidade. Por isso, para ele, criar novas formas de produzir a cerveja artesanal é uma das principais estratégias para manter viva as cervejarias independentes, principalmente as periféricas.

Mulheres que lutam, mulheres que transformam a periferia!

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Ana Dias, Celina Simões, Elenita Rodrigues, Jussara Basso, Mariana Pasqual, Regina Paixão: Mulheres que lutam! Mulheres que transformam a Periferia! Pedindo licença pra chegar, pedindo licença pra falar das mulheres da quebrada.

Perus, zona noroeste, São Paulo 2019 – Foto: Dicampana Foto Coletivo

“As mães da periferia de São Paulo, que mais sentem a realidade da vida, vêm pedir aos senhores que tomem providência para baixar o custo de vida, porque o Brasil é uma terra tão rica e as mães choram na hora de pôr a panela no fogo pra fazer a comida pros filhos”

Carta das Mães da Periferia, em 23 de outubro de 1973 – São Paulo. Centro de Pesquisa Vergueiro (Doc. 002_2, Fundo ECO_PRE, CPV)

Pedindo licença pra chegar, pedindo licença pra falar das mulheres da quebrada. Quem nasce na periferia com certeza conhece alguma mulher firmeza, que é responsável não só pelo sustento da casa, mas uma referência no bairro, na igreja, na associação, na creche…

Não é novidade que a importância das mulheres não se limita ao lar. Na quebrada as principais lutas têm tido a participação e a liderança de mulheres.

São várias as frentes encampadas por lideranças femininas na busca pela melhoria da qualidade de vida da população periférica: no direito à moradia, no direito à mobilidade urbana, no direito à educação, por melhorias na infraestrutura dos bairros, em especial nas questões sanitárias de água e esgoto.

Desta forma, olhar para vida dessas Mulheres, refletir sobre suas lutas deve ser um compromisso e ao mesmo tempo uma fonte de inspiração para continuarmos lutando e sonhando com uma outra sociedade! 

Assim, quero aqui trazer, no retorno dessa coluna, algumas lutas assumidas por mulheres que transformaram e transformam a periferia. 

 Antes mesmo de alguns acadêmicos falarem em ou sobre feminismo, a periferia já conhecia esse conceito, pois muitas de suas lutas já eram lideradas por mulheres. Aliás, uma das maiores mobilizações enfrentadas pelos militares durante a ditadura, brotou em solo periférico e foi liderado por mulheres.

O Movimento do Custo de Vida (MCV), nomeado a partir e 1979 de Movimento Contra a Carestia (MCC), foi organizado mulheres participantes dos Clubes de Mães e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e sacudiu a ditadura militar na década de 1970, em uma manifestação com mais de 20 mil pessoas na praça da Sé, onde foi apresentado uma abaixo-assinado com 1,3 milhões de assinaturas.

Essa grande mobilização teve à frente inúmeras mulheres, muitas das quais ainda hoje estão em movimento e continuam nos inspirando.

Ana Maria do Carmo Dias – Foto: Rafael Stedile

Ana Maria do Carmo Dias, ao lado de outras mulheres, foi uma das protagonistas desse momento histórico. Ana Dias, como é conhecida, continua em movimento mantendo viva a memória das Lutas e Resistências da ditadura militar e a memória do seu marido Santo Dias, no Comitê Santo Dias.

Ela é uma das “15 heroínas dessa história”, projeto do Instituto Vladimir Herzog, que conta a trajetória de 15 mulheres que tiveram seus familiares assassinados e desaparecidos por agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985) e transformaram suas vidas em luta por Memória, Verdade e Justiça.

Ana Dias, também é inspiração para jovens pesquisadores da Periferia que em 2018, criaram o Centro de Memória das Lutas Populares Ana Dias (CMLP- Ana Dias), que tem por objetivo resgatar as histórias de vida e luta das moradoras e moradores das periferias da zona sul de SP. Inclusive, neste mês de março, o CMLP- Ana Dias está nos brindando com textos sobre mulheres que transformaram nossas quebradas por meio da vida das lutas por direitos.

Além da memória de luta das mulheres na história da periferia e do Brasil, trazemos neste espaço a importância das mulheres nas lutas e mobilizações atuais.

Aqui na quebrada, as principais lutas, movimentos e instituições são lideradas ou coordenadas por mulheres, como MTST, Sociedade Santos Mártires, Casa Sofia, CDHEP. Não conseguimos aqui apresentar o trabalho de todas neste espaço, mas gostaria de citar alguns desses.

Jussara Basso – Foto: Arquivo pessoal

Um dos principais movimentos de luta por moradia, o MTST, é liderado aqui na zona Sul por Jussara Basso. Mulher, negra e periférica, é referência na quebrada e responsável pelas principais articulações e mobilizações sociais que aconteceram nos últimos anos na região M’Boi Mirim e Jardim Ângela, seja reivindicando os direitos dos sem-teto e toda classe trabalhadora, seja em ações de solidariedade para garantir o direito à alimentação a todes durante a pandemia.

Uma mulher de muita coragem que coordena uma das maiores ocupações urbanas do Brasil, a Ocupação Nova Palestina e hoje está na mobilização para ampliação das cozinhas solidárias do MTST que vem garantindo alimento a milhares de famílias desassistidas pelo Estado.

Regina Paixão – Foto: Arquivo pessoal

Regina Paixão é outra dessas mulheres que colocam a vida em defesa dos nossos direitos. Moradora da quebrada, desde jovem se destacou como liderança em grupos juvenis e de bairro, com muita a coragem e ousadia é uma voz periférica que ecoa em diferentes espaços públicos da cidade São Paulo, em especial nas lutas da Assistência Social, onde foi coordenadora do Fórum da Assistência Social da Cidade de São Paulo (FAS-SP) e atua fortemente ainda hoje, defendendo os direitos da população em geral.

Atualmente, Regina Paixão é presidenta do conselho diretor da Sociedade Santos Mártires, uma das principais organizações sociais da nossa região, zona sul, que há 30 anos desenvolve um importante trabalho nas áreas da Assistência Social, Educação, Juventude, Meio Ambiente e Direitos Humanos.

Sob a sua liderança, durante a pandemia, a Sociedade Santos Mártires organizou a campanha “Jardim Ângela contra o Covid-19”, que ajudou milhares de famílias com mais de 20 mil cestas básicas e milhares de máscaras e kits de limpeza e higiene. 

Celina Aparecida Simões – Foto: Arquivo pessoal

Celina Aparecida Simões, historiadora, educadora, uma das principais referências sobre violência doméstica, com uma vasta experiência e uma sensibilidade ímpar. Por anos, com sua coragem e sororidade, foi coordenadora da Casa Sofia, um Centro de Defesa e Convivência da Mulher, que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica.

Também foi gerente do Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM) da região de Campo Limpo, onde desenvolveu um trabalho muito importante com mulheres vítimas de violência. Como educadora nata, Celina também foi uma das articuladoras da Rede de Escolas de Cidadania de São Paulo – REC-SP. Como membra da executiva da Escola de Cidadania da Zona Sul, sempre defendeu a importância da educação popular na conscientização da classe trabalhadora. 

Mariana Pasqual Marques – Foto: Arquivo pessoal

Outra instituição e movimento aqui da Sul liderado por Mulher é Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, um espaço de referência para efetivação dos Direitos Humanos e com relações na América Latina de Educação Popular. 

Hoje o CDHEP é coordenado por Mariana Pasqual Marques, historiadora, mestra em Educação, pesquisando Educação Popular. Mas o seu conhecimento na Educação popular se dá na práxis cotidiana dos movimentos sociais, há mais de 20 anos construindo o CDHEP, levando a frente importantes discussões e articulações na região.

Elenita Rodrigues – Foto: Arquivo pessoal

A questão ambiental também vem sendo pautada por mulheres na quebrada Elenita Rodrigues, mãe, vó, guerreira, e catadora como ela gosta de ser reconhecida, vem fazendo um trabalho ambiental e de geração de muito importante. Fundou a Cooperativa Recicla Vera Cruz, que agrega catadores e catadoras da zona de sul de São Paulo e da região de Itapecerica da Serra.

Com suas forças e criatividade, Elenita vem pautando a importância das questões ambientais, sendo uma referência na Educação Ambiental para escolas públicas da região.

Elenita nos inspira com seu exemplo de resiliência, com sua preocupação com o próximo e na defesa do meio ambiente. Vale dizer que com muitos materiais recolhidos ela ainda organiza um brechó com roupas que aquece muitas pessoas. 

Precisamos pensar em um livro para falar de tantas outras mulheres de luta que transformam a periferia cotidianamente, fica a dica! 

Eleições: segregação digital pode elevar abstenção de voto nas periferias

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A ausência de políticas públicas para universalizar o letramento digital e acesso à educação midiática combinada ao consumo e oferta de internet de baixa qualidade, dependência do celular como única ferramenta para desfrutar do direito à informação e a comunicação, e a dependência de plataformas digitais de serviços para geração de renda inadequada às condições socioeconômicas das populações que dão forma ao cotidiano das periferias e favelas são características de desigualdades digitais que juntas constituem a era da segregação digital no Brasil.

Em diversos países pelo mundo, a segregação foi uma forma de separar, excluir e confinar uma população a condições sub-humanas de existência, devido a sua etnia, raça, cultura religiosa e valores culturais.

Uma das formas de segregação mais conhecida pela humanidade é a racial, que determina a cor da pele como marcador social para definir a ascensão ou estagnação social de determinados povos.

Analisar os indicadores demográficos de raça, classe, gênero, trabalho e renda de homens e mulheres e moradoras das periferias é uma forma eficaz, lógica e científica que nos permite compreender que a população preta e parda é a mais afetada por esses marcadores sociais que configuram a era da segregação digital.

Atenta a este cenário de segregação digital, Luciana Itikawa, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – USP, investigou uma série de indicadores demográficos na plataforma Geosampa, banco de dados da prefeitura de São Paulo que divulga mapas e estatísticas referentes aos instrumentos de Política Urbana e Gestão Ambiental.

Entre as várias descobertas realizadas pela pesquisadora, estão a relação entre a presença de mulheres chefes de família que residem em territórios periféricos que possuem de uma a três antenas de celular no raio de 5 a 10 quilômetros.

Nesses territórios onde a distribuição da internet móvel é precária ou inexistente, a plataforma Geosampa mostra uma grande presença de população preta e parda, que mora nas bordas da cidade, ocupando principalmente terrenos irregulares e favelas.

Além disso, o estudo de Itikawa revela que onde a ausência de sinal de internet é mais intensa, a ausência de moradores com emprego formal também aumenta, demonstrando que os empregos formalizados com carteira assinada se tornam mais presentes na região central da cidade, onde o acesso à internet segue padrões elevados de consumo e distribuição.

Neste contexto, a ausência de políticas públicas mencionadas no início deste artigo seria uma forma de segregação racial e digital promovida pelos governantes das esferas públicas municipais, estaduais e federais que possuem incidência direta e indireta na vida dos moradores da maior cidade da América Latina?

Eu considero que a resposta é sim. Os governantes são responsáveis pela transformação da exclusão digital e um cenário segregação digital, pelo fato de limitar cada vez mais as possibilidade de ascensão social da população negra e periférica, que tem a sua vida cada vez mais afetada por um economia digital que não valoriza o bem comum e o acesso a direitos sociais básicos.

Nas periferias e favelas de São Paulo há bairros onde a internet fixa ainda não está disponível para os moradores, tornando a internet móvel a válvula de escape para quem precisa de conexão com o mundo digital. Isso acontece devido ao desinteresse das grandes operadoras de telecomunicações em investir em infraestrutura nesses territórios.

Além destes fatores, novas favelas surgiram durante a pandemia, devido a extrema urgência dos moradores de ter um teto para morar, aumentando a demanda de pessoas que precisam de conexão com web. A Secretaria Municipal de Habitação revelou que em junho de 2021 surgiram 24 favelas no município entre os anos de 2019 e 2021, período onde a pandemia transformou para pior a vida na cidade.

Segregação digital e a importância do voto

O celular é a principal ferramenta de acesso à internet dos moradores das periferias e favelas, segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2019, realizada no Estado de São Paulo. Mas durante a pandemia, até o acesso ao smartphone foi comprometido. E com isso, um movimento de descrença nas forças democráticas passou a crescer ainda mais entre essa parcela da população.

O direito de escolher novos governantes para a cidade e para o país começou a gerar uma onda de desconfiança nas populações mais vulneráveis, que estão deixando de acreditar no poder do voto.

A população negra e periférica conviveu durante mais de dois anos consecutivos sem ter o direito à alimentação básica garantido durante a pandemia de covid-19 que ainda não chegou ao final, e pensar em política de barriga vazia elimina as esperanças no amanhã para estes cidadãos que mais precisam de políticas públicas efetivas para combater as desigualdades sociais que os perseguem durante gerações.

Nas eleições municipais para São Paulo em 2020, cerca de 20% da população deixou de ir às urnas, ou seja, mais de 2,5 milhões de paulistanos desistiram de votar. Mas esse cenário se repetiu nas eleições presidenciais de 2018, momento onde quase 30 milhões de brasileiros não votaram.

Foi possível constatar e comprovar a validade desta série de marcadores sociais ao observar o diálogo de duas mulheres negras no caixa de uma farmácia no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, território onde eu moro há 34 anos e que me formou como sujeito histórico, jornalista e educador.

Enquanto aguardavam o registro dos produtos, uma delas, aparentando ter 30 anos exclama para a sua companheira: “Esse ano eu não voto mais, vou cancelar meu título de eleitor, e não vou usar esse negócio de biometria, deve fazer mal pra gente, além disso, os políticos só roubam a gente, não tem ninguém que preste”.

A afirmação em tom de desabafo traz à tona um contexto invisível a muitos ouvidos que poderiam escutar aquela conversa: onde, quando e qual foi o centro de pesquisas que afirmou que o formato de identificação biométrica faz algum mal à saúde? Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veio a público apresentar ou desmentir essas informações em rede nacional?

Neste caso, é notório o impacto das fake news para desqualificar a importância da biometria no contexto das eleições. Outra anomalia social contemporânea salta aos olhos: o diálogo reforça a desconfiança na política institucional motivada pelos impactos da corrupção e principalmente na escolha de novos líderes políticos.

De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), produzido pela organização Transparência Internacional, em uma escala de 0 a 100, o Brasil alcançou 38 pontos, mesma nota obtida no ano anterior, mas caiu duas posições e agora ocupa a 96ª posição entre os 180 países e territórios avaliados.

Segundo o IPC, o desempenho ruim do país o coloca mais uma vez abaixo da média global que é de 43 pontos, mas também abaixo da média dos BRICS (39 pontos), da média regional para a América Latina e o Caribe (41 pontos) e ainda mais distante da média dos países do G20 (54 pontos) e da OCDE (66 pontos).

Vale ressaltar que não é só no distrito do Jardim Ângela que a população negra e parda representa 60% dos 300 mil habitantes do distrito. No Brasil, 54% dos habitantes se autodeclaram pretos e pardos.

A segregação digital tem se tornando uma nova forma do racismo estrutural afetar a população negra, impondo a ela uma distorção na interpretação da realidade a sua volta, reduzindo a crença na política institucional e aprofundando ainda mais as desigualdades causadas pela falta de políticas públicas efetivas.

Enquanto esse cenário não muda, não há dúvidas quanto ao fato de que a segregação digital terá um grande impacto nas eleições de 2022, seja na tomada de decisão de anular o voto, abstenção de votar ou provocar uma votação motivada pela percepção da realidade mediada pelas fake news. Para alguns candidatos, esse contexto social é positivo, e para outros, nem negativo e nem positivo, apenas um fato histórico a ser estudado e superado no futuro, mas que futuro é esse? Para nós pretos e periféricos ‘é tudo pra ontem’, como diz Emicida.

*Ronaldo Matos é jornalista, educador, pesquisador de tecnologias da informação e comunicação em contextos de periferias urbanas, e editor do portal de jornalismo periférico Desenrola E Não Me Enrola.

Tear e Poesia registra memória ancestral de mulheres negras e indígenas na arte de bordar nas periferias

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Além de promover um pensamento decolonial sobre a cultura do bordado que atravessa continentes e territórios de povos indígenas e africanos, a publicação impressa tem distribuição gratuita e está disponível em português, yorubá e espanhol.  

Atividade de bordado realizado em 2019/Foto: Divulgação Tear&Poesia

Ancestralidade africana, indígena e a cultura do bordado são temas de relatos históricos, poesias e fotografias que fazem parte do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” que será lançado no próximo sábado (12) no espaço cultural Bloco do Beco, localizado no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

A Coletiva Tear&Poesia de Arte Têxtil- Preta Nativa é composta por mulheres que atuam e residem há quase 20 anos na região extremo sul da cidade de São Paulo, atuando com foco em dialogar com a mulher em diáspora, tanto imigrantes africanas quanto latino-americanas e caribenhas, mostrando também semelhanças entre grafismos nativos brasileiros, indígenas, e africanos e buscando identificar semelhanças pouco estudadas e menos difundidas entre culturas originárias das Américas e da África.

Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, o evento será realizado com um encontro presencial que marca o encerramento do projeto idealizado pela coletiva Tear & Poesia, apoiado pela Lei de Fomento à Cultura da Periferia, política pública municipal de incentivo a pesquisa, produção e difusão artística nas periferias e favelas de São Paulo.

Segundo Rita Maria, produtora cultural e co-fundadora da coletivaTear&Poesia, a pesquisa feita para a publicação busca abordar a memória, ancestralidade e tradições dos povos africanos e indígenas nas Américas e suas ramificações nas periferias brasileiras.

“O bordado tem origem profunda na África e era feito, inclusive por homens, e a gente nota essa característica na produção dos bordados. Temos exemplos como em Pernambuco com os maracatus; no Maranhão com a cultura do boi, em que os participantes assim como o boi tem suas vestes tecidas e bordadas fantasticamente, e os povos indígenas nativos de Abya Yala na américa”, conta a agente cultural, citando registros históricos presentes no livro “O menino Fula”, do escritor africano Amadou Hampâté Bâ.

A publicação do autor africano contraria pesquisas e publicações ocidentais que afirmam que o bordado é proveniente de uma cultura européia, que possui raízes profundas em nações colonizadas por países europeus.

No Brasil, a arte do bordado também se manifesta na cultura indigena, reforça Rita. “Tem uma rica tradição em bordados que a gente chama de trançados, onde se desenvolvem desenhos com fibras naturais das florestas e tem um povo, particularmente o kaxinawá (Huni kuin) do Acre Amazônico em que as mulheres desenvolvem um belíssimo trançado, um bordado primeiro tramando nos seus teares e depois desenvolvendo seus desenhos que elas chamam de “Kenê” e que são desenvolvidos só por mulheres.”

A partir desta estreita relação territorial, ancestral e cultural entre Brasil, América Latina e África, o livro apresenta um conteúdo trilíngue, visando contemplar o máximo possível as culturas envolvidas. “O Yorubá é a língua africana mais conhecida e utilizada por nós mulheres pretas desde os terreiros e que se emaranha em toda a nossa cultura, e o castelhano, é em função de termos envolvidos muitos irmãos e irmãs de outros países aqui da região de Abya Yala”, justifica a produtora cultural, explicando a decisão de traduzir o livros em portugues, espanhol e yorubá.

A cultura do bordado faz parte da história daTear&Poesia. Anterior a publicação do livro, a Coletiva desenvolveu o projeto ‘Bordando nas Bordas’, uma publicação em português, inglês, espanhol e guarani, que resgata o envolvimento desses povos, dessas culturas de países e de povos indígenas priorizando o guarani, por conta da sua representatividade como comunidade nativa. 

Dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, bordadeira e moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo (2022)/Foto: Arquivo pessoal.

O legado feminino 

A publicação “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” conta com fotografias inéditas que registram a arte de bordar desenvolvida por um grupo de oito mulheres das periferias de diferentes gerações e nasce a partir de diversas pesquisas realizadas pelos integrantes da Tear&Poesia, tendo como prioridade as questões das mulheres pretas, indígenas, africanas e seus descendentes.

Entre essas mulheres, está a dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Ela é mãe de dois filhos e avó de dois netos. Segundo dona Maria, o bordado já fazia parte da sua infância, onde sua mãe ensinou os primeiros passos de bordar. Foi também por meio do bordado e das oficinas oferecidas pelo projeto, que Dona Maria reconheceu sua negritude.

“Através do bordado eu aprendi muitas coisas que irei levar na minha vida para sempre. Conheci lugares e pessoas que jamais pensei que iria conhecer. Contribuiu e está contribuindo com a minha timidez. Eu me sinto muito privilegiada, sou negra e tenho muito orgulho, hoje consigo ver a nossa importância. Agradeço a Deus e a todos por ter tido essa oportunidade de participar de um projeto tão importante e necessário para manter viva a cultura do bordado”. 

Relata Dona Maria do Rosário.

Antirracista 

O projeto de pesquisa e difusão da cultura ancestral do bordado que resultou na publicação do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”, contou com a participação do príncipe nigeriano Prince Adewale Adefioye Adimula, mais conhecido como Baba Adimula, que nasceu na família Real Casa Governante de Lafogido, na cidade de Ilê Ifé, estado de Osun-Nigéria, berço ancestral dos orixás e de seus fundamentos.

Ao longo do projeto, Adimula ministrou oficinas da língua Yorubá, que recebeu mais de 300 inscrições de pessoas de diferentes estados do Brasil. Além da colaboração no processo de formação, ele também contribuiu com a tradução do livro e calendário poético para o Yorubá.

“Existe um provérbio africano que diz: ‘Um rio que esquece sua nascente um dia seca’, então traduzir este livro foi um resgate de memória dos meus antepassados, lembranças da minha vida escolar e das histórias contadas pelos anciãos. Traz aproximação, irmandade, conscientização e importância da cultura yorubá no Brasil e no mundo”, afirma o príncipe nigeriano.

Participante assíduo e defensor das questões que envolvem informações ao culto religioso e ao povo africano, desde sua chegada no Brasil, Adimula considera esse tipo de projeto uma experiência fundamental para combater o racismo e o desconhecimento da cultura ancestral africana.

“Sendo a população negra mais concentrada nas periferias, este projeto é extremamente necessário e contribui de forma positiva incentivando a comunidade, através da informação e valorização de nossa história, buscamos então neste contexto, resgatar e exaltar nosso povo, os africanos yorubanos que aqui estiveram”. 

conclui o príncipe nigeriano, ressaltando a importância de reconhecer a África como berço da humanidade.

Serviço

Lançamento do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”

Local: Espaço Cultural Bloco do Beco

Endereço: R. Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, São Paulo – SP, 05815-085

Data: 12 de março

Horário: 10h às 14h

Entrada: Gratuita

Contato: pangeiaentreelos@gmail.com

OBS: Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, será obrigatório o uso de máscaras.