Opinião

Pretos e a mais valia da vida: quais espaços estão prontos para nossa presença?

Edição:
Redação

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Ricardo Lima, jovem negro estudante na USP, sofria com bullying e racismo de colegas, docentes e da própria instituição. Seus pedidos de ajuda foram ignorados e no dia do suicídio nenhuma ação foi realizada para evitar sua morte. No dia 28 de maio, seus amigos realizaram um ato na USP em sua homenagem e cobrando providências em relação às práticas de racismo institucional dentro da universidade.

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Ato em memória de Ricardo Lima, vítima de bullying e racismo institucional e se suicidou no dia 25 de maio de 2021. Foto de Felipe Dowson.

Terça-feira, 25 de maio de 2021, por volta do fim da tarde um estudante preto matriculado no curso de Geografia da USP morreu por suicídio dentro da residência estudantil daquela que ostenta o titulo de “maior Universidade da América Latina”. Ricardo Lima da Silva, era mais um estudante preto da Universidade de São Paulo, residia no Crusp, conjunto habitacional da Universidade localizado dentro do campus Butantã (Cidade Universitária).

A condição que propicia uma situação limite como essa se sustenta em violências cotidianas que corpos pretes sofrem diariamente: racismo e necropolítica. Dessa maneira, são negados direitos básicos, levando a autodepreciação, segregação e a vulnerabilidade social. Não é à toa que a população preta e jovem é a que mais se suicida. 

Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em 2019, a cada 10 jovens que se suicidam, seis são pretos. É importante salientar que esse índice vem crescendo ao longo dos últimos anos, enquanto que o suicídio entre pessoas brancas diminui.

O que leva uma pessoa a ceifar a própria vida se não um sofrimento e uma pressão impostas por uma sociedade doentia que moí vidas humanas? E que vidas são essas que têm suas mortes espetacularizadas, omissas e “insignificantes” para essa troca de valores que perpetua a mais valia da vida? As vidas pretas aparentam obter o menor dos valores. 

Dos gatilhos que nos rodeiam diariamente, aprendemos desde cedo a nos podar, pisar em ovos e estar sempre atentos conosco e ainda com o nosso ao redor. Talvez seja esse nosso “defeito de cor”: ter que suportar demais, ter que seguir suportando sem nos rebelarmos, não somos ensinados a reagir ao oposto dos algozes que seguem ensinamentos da normalidade sobre atacar nossos corpos e história.

Foto de Felipe Dawson

Ou quem sabe nosso “defeito de cor” é ser quem somos nessa estrutura racista. 

Me questiono o quanto Ricardo teve que suportar por ocupar um espaço de direito “democrático”. Mas que nossa ocupação, o simples fato, de ter ocupação preta gera desconforto na estrutura social do país que foi erguido por mãos de trabalho escravo. O fardo de ser racializado se junta ao fardo de ter que ocupar lugares. E isso vai para além do discurso de empoderamento. É sobre pararmos para avaliar quais os custos das nossas conquistas. Um título acadêmico não deveria custar a saúde mental e desconforto de ninguém. 

Estamos sempre no discurso de como população pobre e preta ter que ocupar e “ocupar” tudo e todos os espaços, mas que tal agora pensamos em ferramentas que possibilitem a permanência dos nossos nos espaços que queremos representatividade. A “ocupação” desses lugares e instituições sem o alicerce de políticas de inclusão e acesso (para além das cotas sociais), necessitamos de acolhimento, pertencimento, pois a “representatividade” de estar ocupando pode se tornar fardo ao nosso povo.

O nosso “defeito de cor” nem ao menos é nosso, é do racista que não se enxerga dentro e como reprodutor na manutenção da estrutura. 

Não temos dúvida que houve pura negligência com o aluno Ricardo por parte da USP e suas entidades representantes. Mais do que isso, houve racismo institucional, bullying e omissão de ajuda

Assim como o Ricardo, todas as pessoas racializadas e pobres que passaram ou que estão no meio acadêmico, já se depararam com a maneira que o racismo estrutural é perpetuado. Da burocracia à omissão, somos diariamente alvos das mais variadas formas de violência dentro dos espaços. 

O que nos choca é um espaço que se diz “intelectual e culto” não ser a maior e nem a melhor universidade se você for preto e pobre. O que vemos nesses espaços é um epistemicídio aliado à negligência. De que adianta as cotas raciais isoladas de uma política de permanência que assegure nossa saúde física e mental?

Não existe uso político desta tragédia que afetou nosso amigo Ricardo. Sabemos que a permanência de pessoas pretas e pobres dentro da universidade sempre será um ato político, assim como sua ausência será pauta reivindicatória entre nós! O que se discute aqui são questões para além do imediato como políticas de permanência estudantil, qualidade de vida e bem estar social, empenhadas à uma comunidade que vem sendo, historicamente, negligenciada.

Do Ricardo aos tantos jovens pretes e pobres das quebradas, frutos de cursinhos populares, fica nosso incentivo, força, alegria e preocupação com eles ao lutarem e ocuparem a tão sonhada vaga na faculdade pública. Que adotemos o uso das políticas públicas de permanência com maior seguridade para a cuidar dos nossos jovens sonhadores, que ingressam nesse sistema cheio de sonhos, desejos e vontades de mudar a estrutura.

Ao Ricardo e a todos os nossos mortos, desejamos que “Olorum os recebam, de braços abertos” e aos que ficam desejamos que as dores sejam curadas e que a luta por dias melhores não seja em vão.

Foto de Felipe Dawson

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