Reportagem

“O desânimo é muito grande”: pandemia afeta motivação de estudantes do Jardim Aracati

Edição:
Ronaldo Matos

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Além da falta de motivação dos estudantes, o ensino remoto impôs uma série de desafios para uma mãe de 9 filhos que estão em fase escolar. Em alguns casos, os professores tentam dar algum estímulo, já em outros, é a tecnologia quem os deixa na mão.

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Richalyson de 12 anos e Rebeca de 11, são filhos de Patrícia Paulo de Oliveira.

Os filhos de Patrícia Paulo de Oliveira, 37, moradora da Cidade Ipava, um dos bairros que fazem parte do Jardim Aracati, território localizado no fundão da M´Boi Mirim, zona sul de São Paulo, foram impactados de maneira severa e negativa pela plataforma de aprendizagem de ensino remoto. Ela é mãe de 10 crianças, sendo que nove deles são estudantes de escolas públicas da região.

Ela relata que tem acesso à internet, mas que não possui um computador em casa para auxiliar os filhos durante esse período longe da sala de aula, considerando que o tablet disponibilizado pela prefeitura de São Paulo, segundo ela, não se mostrou tão eficaz quanto o esperado.

“Deram o tablet para as crianças, mas pelo menos pra mim aqui está dando problema, não funciona, não entra o código, não faz nada. Já levamos na escola, disseram que era pra fazer ‘isso e isso’, mas mesmo assim não resolveu. Pra mim está a mesma coisa, não mudou nada”, desabafa Patrícia.

Durante a pandemia, a mãe dos estudantes conta que a escola ajudou com algumas cestas de alimentos para as famílias, mas as mães só ficaram sabendo por que uma mãe passava a informação de que estavam distribuindo os alimentos.

“Eles deram o cartão Alelo e as cestas básicas, e isso ajudou bastante, mas de estudos eles não falavam nada, não ligavam, se a gente não fosse atrás não ia saber de nada. Eles não avisam nada pra gente. Daí pediram os números de celular para montar o grupo no zap e até agora nada também”, conta Patrícia.

Mesmo com tantos problemas enfrentados por Patrícia, como mãe de nove filhos estudantes, ela termina sua fala com um olhar de esperança por dia melhores em meio a tantos desafios. Acho que também muita gente aprendeu nessa pandemia, trabalhar, pensar, estudar, ajudar as pessoas que precisaram, mesmo com tantas perdas.”

Richalyson de 12 anos e Rebeca de 11, são filhos de Patrícia e sentem dificuldade para acessar o tablet oferecido pela escola.

Izabela Aquino, 17, moradora do Cidade Ipava, que está no terceiro ano do ensino médio e prestando vestibular para biomedicina. A  jovem apresenta relatos importantes sobre a rotina do ensino remoto. Ela estuda na escola estadual Maria Petronila Limeira dos Milagres Monteiro, que segundo a jovem, já foi considerada uma referência entre as escolas de Santo Amaro.

Ao comentar como tem sido a rotina de assistir as aulas na plataforma de ensino remoto, a estudante denuncia a falta de professores em diversas disciplinas da escola. “Até hoje, muitas turmas do Petrô ainda estão sem professor de matemática, biologia e português, e isso já está se tornando normal, não ter professor de muitas matérias.”

Izabela também reforçou sobre a quantidade de estudantes da escola dela que precisaram deixar de se empenhar nos estudos para se inserirem no mercado de trabalho, pois passaram a ser responsáveis para pagar as contas dentro de casa durante a pandemia, alguns até sozinhos, pois os pais foram demitidos dos seus respectivos trabalhos.

“Diante da pandemia que afetou a todos, mas principalmente as periferias, muitos dos meus colegas tiveram que parar de estudar para começar a trabalhar, nisso os professores viram que de 36 alunos, somente três ou quatro assistiam às aulas”

comenta a jovem.

Outro relato marcante da estudante é o processo de reprovação de alunos provocado pelas faltas nas aulas. 50% dos alunos da minha turma mudaram de turno, alguns acabaram repetindo de ano por causa de emprego, e outros mesmo sem realizar as atividades foram aprovados pelo Conselho”, diz Izabela.

Além desse cenário, ela conta que pelo menos 60% da turma dela entre meninos e meninas, desenvolveram ansiedade, por terem medo de não conseguir concluir o ano letivo. Segundo Izabela, o impacto da pandemia e do ensino remoto foi muito significativo e fez com que muitos jovens perdessem a vontade de estudar.

Izabela Aquino, 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio e se preparando para prestar vestibular para Biomedicina.

Quem também compartilha dessa opinião é o educador Paulo Soares Borges, professor da rede estadual há mais de dez anos, e que trabalha atualmente ministrando aulas tanto no ensino fundamental, quanto no ensino médio de uma escola do Jardim Aracati.

Paulo cita muitos exemplos diante dessa realidade, enfatizando a difícil rotina e não evolução dos jovens periféricos. Mesmo a escola realizando algumas ações para compensar o tempo perdido, as devolutivas de atividades curriculares são muito pequenas. Segundo ele, falar com estudantes sobre vestibular e mercado de trabalho deixou de ser um tema para se motivar em sala, para tratar questões de saúde emocional com os alunos.

“Temos trabalhado a questão da saúde socioemocional, trabalhando com eles através de vídeo chamadas em grupo, para ver se conseguimos fortalecer os estudantes. O desânimo é muito grande”, pontua ele.

O educador acredita muito no potencial dos jovens de quebrada e lamenta o crescimento do desestímulo notado no olhar dos alunos, onde muitos deixaram de se preocupar e procurar saber dos estudos. E aqueles que decidem ir ao método híbrido, vão apenas para socializar, mas não com intuito de estudar.

De acordo com a pesquisa que ganhou o nome de “Perda de aprendizagem na pandemia”, publicada em 2021 e realizada pelo Instituto Unibanco e pelo Insper, apenas 36% dos estudantes de escola pública conseguiram se inserir no método de ensino remoto, e a perda no desempenho acadêmico nas disciplinas essenciais (matemática e língua portuguesa), mesmo estabelecendo o modo híbrido e dinâmicas para recuperação de notas, sempre foi maior que 65%.

Neste momento, onde o acesso à internet tem uma clara interferência na vida de professores e alunos, está sendo discutida a aprovação da Lei nº 9.610/98, que garante acesso à internet nas escolas públicas de todo o país.

O presidente Jair Bolsonaro havia vetado em março a primeira versão da lei, mas o projeto voltou a ser discutido e está em processo de regulamentação. Ao ser executada, a lei destinará 3,5 bilhões de reais do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações para os estados brasileiros executarem em seus orçamentos.

Para analisar esse cenário, o Desenrola entrevistou Kátia Alves, professora de educação infantil e diretora de produção cultural. Ela é graduada em pedagogia com especialização em Gestão da Educação Pública pela UNIFESP e integrante do Coletivo Territorialidades de Campo Limpo, que pensa e discute a importância dos territórios educadores.

Kátia pontuou os parâmetros da pandemia, que chega aos estudantes da rede pública agregando e evidenciando a precarização histórica do ensino nas periferias. Como, por exemplo, salas superlotadas, a falta de recursos pedagógicos e humanos nas escolas e com a necessidade de estudar remotamente, surgem problemas como a falta de equipamentos, como computadores com acesso à internet de qualidade, condições estruturais para estudarem em casa.

“Muitos não têm se quer uma mesa com cadeira que possa usar para o estudo”, afirma a pedagoga. Ela enfatiza que no mesmo aspecto das dificuldades dos estudantes estão os desafios dos colaboradores docentes em desenvolver o seu trabalho de forma remota sem os investimentos tecnológicos necessários juntamente com uma formação para uso das ferramentas.

“A entrega de tablet para os estudantes demorou a chegar e a democratização do acesso à internet se quer está sendo discutida como política pública. Como se sentir motivado ao estudo remoto, com falta de equipamento, internet de qualidade e local adequado para o momento de estudo?”, questiona Kátia.

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