“Grupos oprimidos já estão sofrendo as consequências”, apontam articuladores sobre questões climáticas nas periferias

Edição:
Evelyn Vilhena

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Para Amanda Costa e Wellington Lopes, debater a agenda climática dentro das periferias é entregar ferramentas para os moradores entenderem seus próprios direitos, já que são os maiores afetados pelo racismo ambiental. 

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Amanda articula ações na Brasilândia com o objetivo de promover uma metodologia que transforme o território. Foto: Johnny Miller

Desde 2011, o Brasil celebra no mês de março o Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. Essa data é muito representativa para Amanda Costa e Wellington Lopes, jovens moradores de periferia que atuam e debatem a agenda climática dentro de seus territórios.

Amanda Costa, 25 anos, moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo, começou a se interessar pelo debate de questões climáticas em 2017, quando recebeu uma bolsa para representar a juventude brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 23.

“A partir do momento que eu ocupo aquele lugar e entendo a dinâmica do espaço, eu começo a me questionar: Por que esses homens brancos, héteros, cisgêneros, ricos estão falando como a crise climática vai impactar as pessoas jovens e pretas? Por que as pessoas jovens e pretas de quebrada, de periferia não estão nesse espaço?”

aponta Amanda sobre os questionamentos que se fez no início de sua atuação.

Quando voltou da Conferência, ela conta que teve sua percepção de mundo mudada e decidiu que ao invés de apontar os culpados no debate, iria se posicionar como mulher preta da Brasilândia que promoveria essa discussão.

“Eu assumi o ativismo climático como missão de vida e decidi que tudo que eu fizesse ia ter um cunho sustentável e ativista, nesse sentido da gente promover transformações sociais”, conta.

Contudo, Amanda relata que enfrentou algumas barreiras para a conscientização do debate dentro de seu próprio território. Ao chegar na Brasilândia e trocar ideia com os moradores, foi questionada:

– Amanda, você está falando da crise climática, do “ursinho polar” que vai ficar magrinho lá na Antártica, sério isso? A galera preta de quebrada está morrendo.

A ativista conta que assim começou a sua investigação para entender como poderia demonstrar que a galera preta de quebrada não está morrendo apenas de tiro, mas também por conta da comida cheia de agrotóxicos que chega ao seu prato, por exemplo.

“A gente está morrendo porque as temperaturas na favela estão aumentando e a população idosa sofre [por exemplo]. Então como que eu mostraria que esse genocídio não é só morte por tiro, né? Mas é toda a lógica de exclusão, de silenciamento, de opressão que faz com que as nossas vidas, vidas pretas e periféricas sejam ceifadas por esse sistema”

afirma Amanda, que a partir do entendimento dessas questões e do que ela poderia fazer, começou o debate com os moradores.

Após a COP23, Amanda tomou a decisão de se tornar uma ativista climática e debater o tema na Brasilândia e em outras periferias.  Foto: Johnny Miller

Atualmente, ela é diretora executiva na Perifa Sustentável, organização que criou para mobilizar a juventude em prol de uma agenda de desenvolvimento a partir da justiça racial e ambiental, e atua como vice curadora da Global Shapers, uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial, composta e liderada por jovens entre 20 e 30 anos de idade.

A crise climática vivida no dia a dia 

Outro jovem ativo no debate de questões climáticas é Wellington Lopes, 25 anos, morador de Poá, zona Leste de São Paulo. Ele atua na Uneafro e lida diretamente com dois projetos que envolvem o tema: um de educação alimentar que estimula a alimentação sem agrotóxicos, e outro com os centros meteorológicos instalados nos núcleos para medir a temperatura e qualidade do ar de algumas regiões, além de uma horta comunitária que fornece alimentos para a campanha “Tem Gente Com Fome”.

“Eu tinha uma noção de crise e agenda climática muito parcial. Quando você começa a se aprofundar nos temas fica muito em choque de como a pauta climática atravessa todas as relações urbanas e rurais a longo prazo”, aponta Wellington. Para ele, o envolvimento dos moradores e da sociedade para entender a importância do debate das questões climáticas acontece de forma gradual, assim como foi com ele.

“Quando a gente começa a discutir sobre a instalação de centros meteorológicos, a gente entende que o desmatamento no Pantanal e na Floresta Amazônica gerou uma mudança dos fluxos dos rios e isso muda o padrão de chuva, então os lugares que já choviam bastante, vão chover num volume maior num curto período de tempo”

analisa.

Aparelho utilizado para medir a temperatura e qualidade do ar. Foto: Wellington Lopes

A partir desse fato, ele começou a olhar como essa questão impactava seu próprio bairro, a Cidade Kemel, e entendeu os motivos que fazem o território alagar com chuvas fortes. “Poá sempre tem muita enchente, chove e todo mundo fica desesperado de correr pro centro. Sobe o nível da água de cobrir as lojas”, diz.

Ele conta que quando situações desse tipo acontecem, os próprios moradores se mobilizam para acolher quem teve a casa alagada. Porém, essa mobilização acontece apenas no primeiro momento da situação, depois essas pessoas ficam sem respaldo algum para saber onde irão morar e como irão conquistar novamente aquilo que perderam. 

Para Wellington, é aí que o debate de questões climáticas se faz mais necessário: “Debater isso na periferia é fazer com que a senhora que perdeu tudo numa enchente, busque grupos e movimentos sociais que possam fazer com que ela entenda que na verdade ela poderia buscar alguma outra alternativa”, aponta, fazendo referência aos movimentos sociais, mas também a necessidade de políticas e suporte diretamente do poder público.

“Acho que é isso que a gente mais precisava: primeiro criar políticas públicas que reduzissem o impacto climático e segundo debater sobre como a gente precisa criar mecanismo de combate a todas essas ações nocivas da indústria do agronegócio, da agropecuária e a maneira como elas impactam as periferias”

enfatiza o cientista social. 

Para Amanda e Wellington, a discussão das questões climáticas dentro das periferias está ligada à importância de entender como o racismo ambiental já impacta os moradores da quebrada, situação que não é novidade nas periferias.

“A crise climática vai impactar todo mundo, mas não na mesma proporção, não ao mesmo tempo, não da mesma forma. A galera que está num grupo mais oprimido dentro de um sistema, já está sofrendo essas consequências”

exprime Amanda.

Eles elencam quatro principais formas que o racismo ambiental impactam os territórios periféricos:

  • Chuvas em maior volume;
  • Poluição do ar que tem gerado muitos problemas respiratórios na população;
  • Alimentação e a necessidade de barrar a agenda de agrotóxicos que trazem diversos problemas de saúde;
  • Poluição dos rios que está conectada diretamente com a segregação socioespacial, que diz quem são as pessoas que estão nas áreas com menos árvores e mais poluição.

“Pensar nesse racismo climático e como ele impacta a quebrada, é pensar em todo um histórico que colocou as pessoas pretas muito atrás desse ponto de partida”

ressalta Amanda.

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