Em 55 dias de massacre ocasionado por Israel por meio de bombardeios e ataques terrestres em Gaza, na Palestina, Oriente Médio, mais de 15 mil palestinos foram assassinados (sendo a maioria mulheres e crianças) e mais de 60 jornalistas e comunicadores também perderam as vidas. Jornalistas e comunicadores têm perdido suas vidas, primeiro, por serem palestinos, depois por tentarem mostrar o genocídio de seu próprio povo.
Na história recente, o que o mundo assiste neste exato momento sobre a situação da Palestina, já é considerado um dos casos mais cruéis da história da humanidade. Toda essa situação vem acontecendo sob o olhar de lideranças mundiais que até se reúnem em conselhos das Organizações das Nações Unidas (ONU), mas não avançam por um fim a este massacre, ao partheid, a esta limpeza étnica, a este crime racial.
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O Estado israelense massacra o povo palestino com o discurso de que os palestinos são todos terroristas. Mas o que o mundo assiste neste momento não começou agora, já são 76 anos que os palestinos sofrem com apartheid, racismo, colonização e militarização após a criação do Estado israelense. Diante disso, a professora e tradutora Ruayda Rabah, brasileira-palestina e residente na Palestina, explica que o que ocorreu no dia 07 de outubro é na verdade parte daquilo que chamamos de direito de defesa, um princípio internacional aplicável a todos os povos dominados pela ocupação, não àqueles que ocupam territórios que não lhes pertencem.
Para Ruayda, primeiramente deveríamos saber o que é terrorismo para o estado sionista de Israel e para os norte-americanos.
“O verdadeiro objetivo já se sabe desde 1947: Eles querem fazer uma limpeza étnica da Palestina. Eles querem o domínio do território que é de extrema importância para os norte-americanos e para Israel, que não passa de uma base militar para os interesses de estrangeiros, e a exploração das riquezas da Palestina, como o gás da Costa de Gaza no Norte de Gaza, onde inclusive, já existe exploração deste gás por parte de empresas estrangeiras”
diz, Ruayda Rabah
Ainda de acordo com ela, “o resultado disto tudo é uma grande revolta, em especial pelo silêncio internacional, e incertezas. Mas por outro lado, fortalecimento à resistência do povo palestino! Resistência está, em que milhares de centenas de mártires têm se amontoado, e outras centenas de pessoas presas em cárceres sionistas”.
Já em relação ao atual momento de trégua de cessar-fogo, Ruayda destaca que, na realidade, não ocorreu uma trégua por parte de Israel e que a violência persiste contra a população palestina tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia.
“Em toda a Palestina não há ninguém que acredite em tréguas por parte do ocupante, pois o desejo do povo palestino é a desocupação total de todo o território palestino. O grande receio pra gente é discutir trégua e não desocupação do território palestino e Israel com isto têm, mais uma vez, luz verde dos norte-americanos de continuar a limpeza étnica na Palestina”
conclui, Ruayda Rabah
Nem Gaza e nem as favelas e periferias do Brasil tem direito à liberdade de expressão
O que ocorre com os jornalistas e comunicadores da Faixa de Gaza, na Palestina, no Oriente Médio, não é muito diferente do que acontece com os jornalistas e comunicadores comunitários de espaços periféricos, favelados, quilombolas e indígenas do Brasil. Pois um dia estamos transmitindo a notícia, no outro, podemos ser também a própria notícia. Isso acontece porque estamos inseridos e vivenciamos estes territórios, nós compreendemos os códigos e os signos internos, no qual, a realidade das nossas fontes, personagens e especialistas, são as mesmas que a nossa.
Jornalistas na Faixa de Gaza enfrentam o desafio de cobrir diariamente o massacre contra a população palestina, arriscando suas vidas e deixando suas famílias “seguras” em casa. Muitos desses profissionais têm suas contas bloqueadas por plataformas, impedindo o compartilhamento de seus registros com o mundo. Recentemente, os jornalistas Mohammed Farra e Wael Al Dahdouh, tiveram suas esposas e filhos assassinados por bombardeios israelenses que atingiram suas casas em, outubro de 2023, enquanto cobriam e registravam por meio de suas lentes o genocídio de seu povo.
Aqui no Brasil, produzir jornalismo e comunicação em territórios de periferias, favelas, quilombos, aldeias e no campo é, sem dúvida, um grande desafio. Precisamos estar muito atentos para realizar nosso trabalho e, ao mesmo tempo, ponderar sobre a nossa própria segurança e a de todos que nos cercam, afinal, isso de certa forma pode colocar nossa comunidade e nossos familiares em risco também.
Por vezes, somos invisibilizados, mas continuamos sempre a trazer outras perspectivas e olhares para os territórios periféricos e favelados e todas as nuances que nos afetam no cotidiano. Sempre pautamos que periferias/favelas não são iguais, e cada uma, apesar de ter os mesmos problemas macros e socioeconômicos, consistem em peculiaridades únicas.
Diante do cenário macro político, o jornalismo produzido nas periferias e favelas do Brasil, tem suma importância, por ter um repertório em suas ações que vão do online ao offline, comunicando de forma territorial, combatendo a desinformação, pautando a realidade do cotidiano desses territórios, quebrando o estereótipo difundido pela mídia hegemônica de que periferias é tudo igual.
O avanço da internet e das plataformas digitais tem facilitado a comunicação nas periferias/favelas, mas essa democratização digital também tem seus limites. O Racismo Digital/Internet é uma realidade, o que nos leva a questionar de que lado os algoritmos e meios de distribuição de conteúdo se colocarão quando a corda se romper de vez. O mesmo tem acontecido com os conteúdos dos jornalistas de Gaza, eles têm tido os seus conteúdos retirados das plataformas. Com isso nos perguntamos: A internet é mesmo democrática? É para todos os povos?
Maré (RJ) e Capão Redondo (SP) na Palestina: Nossa visita à Palestina em julho (2023)
Em julho deste ano, tivemos a oportunidade de visitar a Palestina representando a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas junto ao Julho Negro (Do movimento de favelas do Rio de Janeiro) e Frente de Evangélicos pelo Estado de Direitos, numa missão internacional de luta antirracista organizada pelos grupos palestinos: Stop The Wall e BDS Brasil.
Nos sete dias que percorremos a Cisjordânia, o que presenciamos ali foi o aumento do racismo, da militarização e do apartheid. Foram sete dias de intercâmbio com representantes de movimentos favelados, periféricos, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador. Participamos ativamente de encontros com coletivos e organizações sociais locais, visitas a lugares históricos e rodas de conversa nesses territórios.
Durante a visita, foi possível compreender de perto os efeitos do apartheid e do extermínio étnico e racial promovidos por Israel contra o povo palestino, que perdura há cerca de 76 anos, impondo uma série de retirada de direitos da população. Palestinos na Cisjordânia e em Gaza tem suas águas controladas, em alguns dos territórios eles têm água apenas uma vez na semana. Energia e redes de internet e telefonia também são controlados por Israel.
Entre as vítimas dessas ações estão crianças, mulheres e idosos, cujas vidas são afetadas de maneira irreparável. Dentro do território palestino, existem postos de controle, chamados de Checkpoints, nos quais o exército israelense decide quem pode entrar e sair, gerando uma constante sensação de incerteza e vulnerabilidade para a população local.
Campos de refugiados abrigam pessoas cujos direitos são rotineiramente violados, casas são incendiadas e demolidas como parte da ocupação israelense, o que leva à expulsão ou morte da população palestina. Além disso, as terras e casas são frequentemente confiscadas à força para serem entregues a colonos vindos de várias partes do mundo, resultando em uma injusta usurpação de propriedade.
As mortes da juventude palestina nos chamam atenção e lembra o extermínio que a juventude preta e periférica/favelada enfrenta no Brasil. De acordo com os dados fornecidos pela organização Defense for Children International – Palestina (DCI), entre os anos de 2000 a novembro de 2023, foram registradas 2.3349 mortes de jovens palestinos menores de idade em decorrência da ocupação e presença de militares israelenses. Vale ressaltar que esses dados estão em constante mudança, sendo atualizados tragicamente todos os meses. Além disso, ouvimos inúmeros casos de prisões de crianças e jovens palestinos, um dos depoimentos nos chamou muita atenção, quando um jovem de 23 anos disse que já havia sido preso 33 vezes. Com isso nos perguntamos: Qual o direito à infância e à juventude que os palestinos têm em sua própria terra?
Vimos ali muitas semelhanças com o que ocorre nos nossos territórios. Pois as técnicas militares utilizadas pelo exército israelense na Palestina são vendidas para todo o mundo. Não por acaso a polícia militar brasileira, a carioca, durante os megaeventos no Brasil foi até a Palestina fazer treinamento. Ou seja, são muitas relações que o Estado brasileiro com o Estado israelense têm, comerciais e em detalhes. Eles financiam o apartheid na Palestina e financiam o genocídio da população negra moradora de favelas e periferias no Brasil.
Neste cenário, fizemos registros fotográficos pela Cisjordânia para trazer reflexões sobre o impacto do sionismo (movimento político que defende a construção de um país dedicado a acolher a população judaica, por meio da ocupação do território palestino). E esse relato e essas fotos são parte dessa construção que nós comunicadoras faveladas e periféricas, que estivemos na Palestina este ano, trazemos como parte do nosso trabalho na ideia de contextualizar as lutas e as resistências de cá e de lá.
Para finalizar esse artigo argumentativo, nos perguntamos: Cadê a população mundial que estava indigina e inconsolável com a notícia falsa divulgada pela jornalista Sara Sidner que dizia que o Hamas havia decapitado 40 bebês? Dias depois, Sara pediu desculpas na sua conta no Instagram, mas o fato que essa notícia falsa já havia feito um estrago, sendo colocada como “justificativa” para as mortes da população palestina que ocorrem sob os ataques do governo de Israel todos os dias.
Saiba mais
BDS, Stopthe Wall, Julho Negro: Contra o Racismo, a Militarização e o Apartheid (documentário), Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida (relato), Do Rio de Janeiro à Palestina: a militarização dos territórios (entrevista)