A sessão de hoje me trouxe uma pergunta que ecoa fundo: Quais são os seus sonhos? Você se pergunta sobre isso?
Em uma sessão de terapia, essa questão surgiu enquanto eu refletia sobre os sonhos dos meus ancestrais — e sobre como estamos conectadas a eles. Pensei no que temos realizado, no que demos continuidade, e também naquilo que eles começaram e não puderam terminar. Alguns, talvez, tenham sido obrigados a matar dentro de si o desejo de sonhar.
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É estranho olhar para a vida por esse ângulo. Tudo parece ter uma continuidade, ou ao menos desejamos que tenha. Mas é preciso reconhecer o caminho que nos trouxe até aqui — e o que se perdeu ao longo dele.
O maior desafio, para mim, é olhar o presente e perceber quantos sonhos se esvaziaram… ou morreram por falta de fé — fé em algo, fé em nós mesmos.
Para quem, como eu, busca ligar os pontos, é inevitável entender: somos um elo entre os que vieram antes e os que virão depois. Muitos dos nossos ancestrais sofreram, foram privados de sonhar, e tiveram como única missão sobreviver — manter os seus vivos.
Mas a vida não deveria se resumir à sobrevivência.
Nosso povo, no entanto, conhece bem essa realidade. Se perguntarmos aos nossos pais, aos que ainda resistem e seguem vivos, talvez muitos nem saibam dizer quais eram seus sonhos — talvez nunca tenham podido pensar nisso.
E se os sonhos foram arrancados, mortos ou esquecidos… como retomar essa força de desejar? Como realizar o que eles desejaram e não puderam? Como sonhar de novo, no presente?
Nessas horas, recorro aos deuses, aos Orixás, àquela energia que alimentava a força dos meus ancestrais para seguir em frente. E segue me alimentando, Eles buscavam construir algo que os mantivesse vivos — e neles, eu encontro espelho e alimento.
Os Orixás sabem das coisas
São capazes de nos enxergar, de nos mover e nos lembrar o que é viver. Alimentam em nós o sonho e o sentido, e nos lembram que sonhar é um direito humano.
Sou uma dessas pessoas — uma mulher que acredita que é possível transformar dor em amor. Acredito que os deuses afro-brasileiros viveram na terra, que tinham poder, que eram natureza, e que construíam coletivamente. Assim nos contam os Itans.
Hoje, porém, esquecemos nossa conexão. E tentar vencer sozinha é difícil — precisamos de outras pessoas.
Mas quando nos conectamos aos ancestrais e aos deuses, algo poderoso acontece.
Nas últimas semanas, senti a presença de Oxóssi em cada vivência. Ele trouxe um impacto psicológico e metafísico profundo, e foi assim que comecei a sessão de hoje questionando sobre os sonhos. Percebi que alcancei o meu próprio sonho através dessa conexão: cultuando esse Orixá, reencontrei o sentido de desejar.
Muitas pessoas relatam o mesmo — e esse é o desafio:
seguir buscando conexão com o passado, sem se aprisionar nele.
Relacionar-se com a ancestralidade para criar novos caminhos.
Desafiar a mente e o coração a trilhar uma estrada de luz e cura.
Integrar passado, presente e futuro como um espiral —
um movimento de relações que nos cura e nos permite desejar ser mais do que sobreviventes da história imposta pelos colonizadores.
“Sonhar é lembrar o que o tempo tentou apagar.
É chamar pelo nome os que vieram antes e sentir seus passos dentro dos nossos. Sonhar é deixar que o tambor do coração bata no mesmo compasso do tambor do mundo.
É abrir os olhos da alma e perceber que o impossível é só o que ainda não foi sonhado junto. Que Oxóssi nos ensine o caminho da floresta —
onde cada raiz é memória,
cada folha é esperança,
e cada respiração é um novo começo.”
Que este novembro nos convoque a desenrolar os sonhos adormecidos. A lembrar que somos continuidade viva, herança em movimento. Que não nos contentemos em apenas resistir, mas aprendamos a florescer por nós, pelos nossos, e por todos os que ainda virão sonhar através de nós.
