Mal educados e sem educação

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A educação pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

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Lutas estudantis, 24/08/2018, Av. Ipiranga – SP. Foto: João Victor Santos

Eu nasci na periferia Sul de São Paulo e passei minha vida em instituições do governo, como a creche, o centro de juventude, e a Escola Pública. Posso dizer sem temeridade que eles estiveram mais comigo do que meus pais que, como trabalhadores, tinham pouco tempo para compreender o impacto desse convívio na minha vida e personalidade.

A Educação Pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

Para abrir a discussão, entrevistei a professora Mariana de Brito, de 35 anos, que a 10 anos é professora efetiva da Rede Estadual de Ensino, em uma escola localizada na periferia do extremo sul de SP:

“Quando entrei na educação tinha o sonho de que pudesse de alguma maneira incidir na realidade da escola que estudei por toda a minha formação na educação básica.”

Mariana de Brito

A professora Mariana aponta que a educação nas Escolas Estaduais de São Paulo vem a cada ano se degradando à medida que impõem aos alunos, professores, e toda a comunidade, metodologias que não são pensadas com e a partir das necessidades dos alunos das periferias, visto que a oferta de Ensino Regular Noturno tem sido cada vez mais escassa fazendo com que os alunos que precisam entrar no mercado de trabalho abandonem a escola.

Professora Mariana de Brito, 35 anos, atua há 10 anos como professora efetiva da Rede Estadual de Ensino

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2020, afirma que o Estado de São Paulo registrou queda na taxa de escolarização de jovens entre os anos de 2018 e 2019, que indica crescimento da evasão escolar em várias faixas etárias.

De acordo com os números, a faixa etária que teve a maior queda de comparecimento no Estado foi entre os jovens de 15 a 17 anos, onde o índice passou de 87,4% de jovens que estavam na escola em 2018, mas que no ano de 2019, passaram para 86,2%. Queda de 1,2%, faixa etária que começa a adentrar o mercado de trabalho, seja como Jovem Aprendiz ou em outras modalidades de trabalho.

Outro fator, apontado pela professora, de grande degradação nas escolas é a implantação arbitrária das escolas de Tempo Integral, que são implantadas sem ouvir as necessidades das comunidades, e que em suma não oferecem nem ao menos estrutura física adequada.

Os alunos ficam a maior parte do tempo sentados em cadeiras desconfortáveis, muitas vezes em más condições, as refeições não são de qualidade, há pouquíssima oferta de atividades diferenciadas que envolvem arte, cultura, esporte, e lazer que são direitos constitucionais, além da constante falta de professores, obrigando os alunos a ficarem de aula vaga com inspetores no pátio.

A Educação Integral é uma concepção contemporânea, que compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões, intelectual, física, emocional, social e cultural, e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais.

Podemos perceber pelo depoimento da professora Mariana, que sua implantação e desenvolvimento nas periferias está muito longe de seus objetivos e conceitos citados acima. O ensino integral tem agravado o fechamento das salas noturnas que beneficiam os jovens trabalhadores, contribuindo para as taxas de queda da escolarização de adolescentes e jovens.

A escola em período integral também coloca em xeque o futuro dos serviços da Assistência Social como Centro para Criança e o Adolescente (CCA), e o Centro para Juventude (CJ), onde promovem via atendimento direto, ou convênio com organizações sociais, atividades de formação, preparação para o mercado de trabalho, atividades culturais para esse público no contraturno escolar, e colaboram com o monitoramento do direitos das crianças, adolescentes e jovens de forma integrada com o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS.

Outra situação que está em pauta é o novo plano de carreira dos professores do Estado, encaminhado pelo Governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que elevará o piso salarial da categoria em 73%, e a adesão é facultativa.

Segundo a professora Mariana de Brito, o Governo do Estado lançou o novo Plano de Carreira sob a alegação que está valorizando a categoria docente, no entanto a realidade é outra.

O aumento de salário não gera incorporação no salário base, sendo pago por subsídio, ou seja, a qualquer momento pode ser retirado. A carga horária dos professores, que já é exaustiva, passará para 40 horas semanais, sendo que a nova proposta de salário não é proporcional à carga horária que já se tem hoje.

Em adição, foram retiradas as faltas abonadas dos professores, que muitas vezes era o único momento que eles tinham para se restabelecer da rotina exaustiva, ir ao médico sem ter que passar por perícia médicas em locais distantes.

Na nova proposta do governo, professores só podem ter dois atestados médicos por ano, ou seja, tem que escolher se trabalha doente, ou se tem desconto no salário por não ter condições de saúde para trabalhar.

Professores também não terão mais direito a atrasos, caso cheguem 2 minutos atrasados no trabalho receberão uma falta no dia com desconto integral pela ausência, sem levar em consideração as distâncias que os professores percorrem dentro da São Paulo para chegar à escola.

A professora expressa que não devemos nos deixar levar pelo o que lemos em redes sociais ou mídias televisivas. Há uma realidade enfrentada pela Educação Estadual em São Paulo que não é noticiada. 

Nesse sentido, o genocídio de uma população preta e periférica também passa pela falta de garantia de direitos.

Sabemos que toda e qualquer mudança no sistema educacional impacta diretamente nossas vidas, porém, sabemos também que uma mera adoção de um novo programa de trabalho escolar não vai impactar na melhoria do sistema educacional, mas que na verdade essa estadia integral de estudantes irá ampliar a escola, como espaço de lazer, cultura e alimentação dos adolescentes e jovens.

Questões de gênero, raça e classe que já estão presentes no espaço escolar se tornará uma demanda indispensável, assim como sexualidade e empregabilidade. Com o sucateamento dos equipamentos escolares, a falta de material apropriado e formação dos professores, será possível dar conta de toda essa demanda.

Penso na juventude e como essas mudanças estão impactando em suas escolhas de vida, não é fácil ser um jovem estudante e trabalhador quando se é universitário, imaginem durante seu processo de amadurecimento físico e psíquico.

Como aponta a Professora Mariana de Brito, a Educação está na UTI e pede socorro! Pois a educação se faz com as pessoas e pelas pessoas que habitam esse ambiente e dependem da educação pública para mudar sua história. 

Para subverter esse cenário é necessário que toda sociedade se comprometa com as necessidades dos estudantes, aprender para além do currículo escolar. Para as famílias, a necessidade de um ambiente seguro para o seu filho, enquanto trabalha. Esse é o grande desafio, pois desta forma se coloca a vontade do povo na frente das regras do Estado.

Infelizmente, essa questão tem tomado o caminho que já conhecemos, no qual a grande maioria dos profissionais da educação consideram que os jovens têm a tendência a não ter comprometimento com a educação, ou até mesmo de que não querem aprender, o que leva à educação a mediocridade.

Contudo, isso esconde a crise estrutural existente na educação, que atinge em cheio os alunos que se recusam a ter seu futuro determinado pela educação do Estado, estudantes que discordam que a única educação necessária para a vida é a voltada para o mercado e para a imagem.

O conhecimento é uma ferramenta de poder histórica que organiza a vida em geral, e que tem um grande potencial na luta anticapitalista como um todo.

Com isso, não podemos nos acomodar na luta pela melhoria da educação formal, que funciona em prol do Estado capitalista, e só acomoda a situação política atual e oculta problemáticas como o racismo, o facismo, o machismo, etc.

Também não podemos acreditar na educação liberal estabelecida por fundações e outras instituições conveniadas diretamente ao governo atual, que são financiadas em grande parte pelos próprios capitalistas.

Precisamos fortalecer a educação não formal estabelecida nas ruas, nos coletivos, nas manifestações e nas lutas, uma educação que pode ser como a cultura, que é viva e se transforma cotidianamente, esse é o diálogo que a escola deve traçar com sua comunidade.

Do que estamos falando? Que é necessária a ampliação do debate sobre as necessidades da classe trabalhadora, a autonomia e emancipação do povo, desnaturalizando o capitalismo como organização política, que é quem organiza a educação da atualidade.

A escola é de todes, precisamos retomar esse espaço público e afastar o fantasma da privatização, da terceirização das metodologias e retomar o diálogo com a sociedade sobre a escola que queremos e que lutaremos para conquistar.

Assim não seremos mal educados pelo sistema que só vincula o conhecimento ao mercado de trabalho e não seremos um povo sem educação pública de qualidade.

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