Funk é cultura, expressão, política, arte e as vozes de muitos jovens de quebrada. Se existe alguma preocupação real sobre os malefícios do funk, antes precisaremos falar sobre os malefícios da fome.
Sabemos que o funk está presente na realidade da periferia há muitos anos e divide opiniões sobre suas influências e se elas seriam boas ou ruins. Mas o funk é sem dúvidas uma das formas mais claras de expressão da vida na favela, além de chamativo e envolvente para os jovens que desde cedo se sentem atraídos a escutar e dançar o ritmo.
Quando falamos em funk é comum se esperar um questionamento sobre ele ser cultura ou não, mas se cultura é hábito, costume e crença de povo ou grupo, o funk sem dúvidas é cultura. Aí outra pergunta seria “ele é uma cultura boa?”
Vamos lá, não existe cultura boa ou ruim, mas quando ouvimos pessoas falarem algo de negativo no funk seria sempre por ele conter muita sexualização, além de falar sobre drogas e armas. Contudo músicas do universo POP que fazem muito sucesso possuem conteúdo explícito muitas vezes, porém, não são produzidas por quem já é marginalizado cotidianamente, o jovem periférico.
A sexualização é ruim? Sim. Sem dúvidas, o funk ainda possui muitas problemáticas, mas o ponto dessas problemáticas não são o funk e sim a ausência de políticas públicas voltadas para jovens.
Bom reafirmar que o problema não é o funk, mas quem o produz. Devemos lembrar que ritmos como o samba já sofreram ataques diretos do governo, não era sobre o ritmo, era sobre quem o tocava, a população negra e pobre e o governo com suas políticas de embranquecimento que deixaram seus resquícios perpetuados na história governamental do país racista e desigual em que o pobre só pode trabalhar.
As políticas públicas são de escolha do governo e é ele que decide se determinado projeto ou ação irá ser aplicado ou vale a pena ser aplicado. Então por que o governo não pensa em alternativas para os jovens que não sejam marginalizá-los? Porque é de interesse do governo que esses jovens estejam às margens da sociedade e sempre sejam colocados com imagens violentas, o fim deles de acordo com esse contexto é a cadeia ou a morte, não porque cometeram crimes, mas sim porque nasceram na favela.
Então a raiz do problema seria a falta criar de outros contextos dentro da periferia com menos violência, e mais educação, saúde, lazer? Sim, o funk não é um problema e sua linguagem traz uma história, cada funk está dentro de uma narrativa, mas todo funk é funk. Nesse sentido não existe divisão de funk bom ou ruim, são apenas narrativas diferentes para uma música com batida única.
Enquanto pessoa que ama arte e principalmente música eu sempre afirmo que nunca encontrei algo que se compare ao funk brasileiro de favela, é realmente um ritmo que deve e precisa ser valorizado enquanto herança cultural dos nossos. E sempre oriento a quem critica o funk uma longa análise de letras de músicas de outros países que são para o público jovem e identificar diferenças tão absurdas assim (não existem).
Funk é política então?
Sim, tudo é política. O funk passou por vários momentos que envolviam discussões como acesso a cidade e lazer, podemos relembrar os ‘rolezinhos’ para falar sobre isso ou até mesmo os bailes de favela. O funk une esses jovens enquanto expressão cultural e de reafirmação dos corpos favelados na cidade, um grito da juventude que também merece se divertir, que a partir do funk também cantam experiências que dão força a outros jovens…
“Ô vitória chegou,
Deus abençoou, o barraquinho de madeira, os buraco da telha, ele já tampou (amém)…”MC Lipi, Vitória Chegou
É através do funk que muitos jovens conseguem a oportunidade de viver da arte, é também com o funk que os jovens das periferias se expressam, e se há coisas que a sociedade dita como negativas são frutos da própria relação da sociedade com esses jovens. As discussões que ressurgiram sobre o funk ser cultura ou não só demonstram que nada aprendemos sobre mudanças sociais e transformações, tampouco sobre juventude e suas expressões.
“Vem chupando no talento, meu grelinho de diamante.
Vai, vai meu grelinho de diamante.”Mc Baby Perigosa, Grelinho de diamante
O funk é uma forma de introduzir temas como empoderamento feminino, liberdade e desigualdade. Também de falar de duras realidades com outras perspectivas, com novos olhares e novas formas de lidar. Isso é política, política da cultura que veio da favela e tem que ser valorizada como tal.
Funk é cultura, expressão, política, arte e as vozes de muitos jovens de quebrada.
Se existe alguma preocupação real sobre os malefícios do funk, antes precisaremos falar sobre os malefícios da fome.
“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é… E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar…”
Cidinho e Doca/ RAP da felicidade