ENTREVISTA

Bloco Maria Fuá fortalece carnaval brincante em São Bernardo do Campo

Em conjunto com a comunidade do Parque Imigrantes, o Bloco Maria Fuá enaltece as artes circenses, marchinhas de carnaval e a negritude
Por:
Viviane Lima
Edição:
Evelyn Vilhena

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Criado em 2011, pela companhia de teatro “As Marias”, o Bloco Maria Fuá desfila pelas ruas do bairro Parque Imigrantes, localizado em São Bernardo do Campo, com o intuito de tornar a festa acessível e próxima para os moradores do território.

“Quando a gente funda As Marias é no intuito de ir para as ruas, e nessa utopia de levar a arte para todo lugar, porque me incomodava fazer espetáculo e não vê a minha vizinhança indo me assistir”, conta Cibele Mateus, 38, atriz e uma das fundadoras do bloco, sobre a motivação de criar o Maria Fuá a partir das experiências na companhia de teatro.

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A atriz conta que uma das características do bloco é ser uma brincadeira para a comunidade. “Tem esse lugar lúdico, de trazer esse imaginário fantástico dessas bonecas grandes”. 

Diferente de alguns blocos em São Paulo que convidam o público para pular carnaval, o Maria Fuá convida o público para brincar o carnaval. Esse brincar envolve se divertir, dançar, tocar, se fantasiar, cantar marchinhas, e juntar linguagens como o coco de roda, a capoeira e a apresentação de pife.

O bloco nasceu inspirado no trabalho do grupo Caixeiras das Nascentes, que são criadoras do bloco Caixeirosas, formado por mulheres moradoras de Campinas que tocam caixas, e se referenciam na Festa do Divino Espírito Santo, que acontece no Maranhão.

“A gente resolveu criar um bloco e deu o nome de Maria Fuá por sermos mulheres negras, com todos os nossos cabelos, nossos fuás que já foram tão ditos de uma forma pejorativa, mas que aqui a gente traz uma valorização. E esse Fuá vai desde esse cabelo volumoso, como fuá de bagunça mesmo.”

Cibele Mateus, atriz e fundadora do Bloco Maria Fuá.

A cada ano o bloco segue um trajeto diferente para contemplar cada canto do bairro, e também percorre escadões e vielas. “[A gente] nunca teve a pretensão de ser um bloco profissional aos moldes de São Paulo, a gente sempre quis atuar dentro da periferia e dentro da nossa realidade”, afirma Cibele.

Referências

A figura dos bonecos gigantes que popularmente são conhecidos pelo carnaval de Olinda, também está presente em carnavais de outras regiões. Como é o caso do bloco das Caixeirosas, de Campinas, que usa as bonecas como principal elemento das suas brincadeiras durante o cortejo, e que inspirou a criação da Maria Fuá, em São Bernardo do Campo.

As Caixeirosas, grupo que é madrinha da Maria Fuá, todo ano homenageia uma boneca nova, e em 2013, a homenageada foi a Fuá, desde então o bloco Maria Fuá participa do cortejo das Caixeirosas no fim de semana do Carnaval, e realiza o próprio desfile na semana seguinte. 

Fora a boneca Fuá, o bloco tem mais duas bonecas: a Zabé da Loca, criada em 2019, e a Ginga, de 2023. Todas as bonecas têm o próprio momento na brincadeira durante o cortejo. 

A boneca Zabé da Loca foi inspirada na mestra de pife nordestina Isabel Marques da Silva, considerada a rainha do pífano. “A gente tem esse instrumento no nosso bloco [pífano], que foi trazido pela Gil Lavorato, que é uma integrante do grupo. Por conta desse instrumento a gente foi homenagear a Zabé da Loca”, conta Cibele.

“A Ginga é uma boneca capoeirista, coquista (que dança coco de roda). Ela vem dançando com o som do berimbau e depois a gente puxa um repertório de coco, do carimbó de caixa”. Cibele compartilha que ao todo são três bonecas e um repertório com, em média, 14 marchinhas feitas a cada carnaval.

Além das bonecas, o Bloco Maria Fuá também incorpora elementos do circo, a partir da rede de amizade com artistas circenses. “Sempre vem gente de perna de pau, malabares, palhaço e nos últimos anos a gente vem fazendo o carnaval e depois um espetáculo de circo”, conta a fundadora.

Negritude e território

Embora o bloco tenha elementos que remetem ao carnaval e às manifestações culturais nordestinas, como o pífano, o carimbó, a capoeira, o coco de roda, Cibele conta que essas escolhas não foram feitas conscientemente nesse sentido, mas sim com foco na negritude. 

“Para além de ser nordestina, tem um lugar na periferia que é a negritude, que talvez esteja mais preservado no nordeste essa negritude, essa comunidade voltada para uma brincadeira. Quando o bloco Maria Fuá vem para o Parque Imigrantes, por exemplo, tem muitas famílias, pessoas nordestinas que moram aqui, mas para além disso são pessoas negras”, aponta a atriz que também cresceu na região. 

Cibele explica que a constituição do bloco se dá, principalmente, pelos núcleos negros de famílias das mulheres que integram o grupo, e que são moradoras da região. “São famílias que vão se juntando, pessoas da comunidade que vão se juntando em prol de fazer essa brincadeira. A gente vê esse valor que as comunidades negras têm que é o fazer junto”, comenta.

Cibele Mateus, fundadora e diretora geral do bloco Maria Fuá (Foto: Amanda Lopes).
Cibele Mateus, fundadora e diretora geral do bloco Maria Fuá (Foto: Amanda Lopes).

A organização do bloco é descentralizada. Cibele faz a direção geral e artística do evento, e todas as demandas são divididas, desde a preparação da comida, articulação, divulgação nas escolas, carro de som, entre outras atividades. “Tudo isso é a mulherada da comunidade que faz”, conta Cibele sobre esse poder de organização no território.

“A comunidade se junta e faz vaquinha, os mercadinhos, as pessoas fazem doação de refrigerante, pipoca, gelinho, a gente se junta e faz confetes e serpentinas também para a criançada poder brincar”.

Cibele Mateus, atriz e fundadora do Bloco Maria Fuá.

De 2011 a 2016, o Maria Fuá atuou no bairro Jardim Calux, que é a terceira maior favela de São Bernardo do Campo, onde é a sede do grupo fundador “As Marias”. Em 2016, o bloco migra para o Parque Imigrantes e é abraçado pela comunidade. 

Cibele comenta que viver e atuar no Parque Imigrantes é uma forma de resistência contra as ausências. “A gente precisa muito [disso] no contra fluxo também dessas violências, da drogadição, tem um lugar do alcoolismo [que é] muito forte aqui, tem também um lugar do fundamentalismo religioso, então a gente também vai tentando dialogar com esses espaços”, aponta Cibele.

Desde sua criação o bloco tem se tornado um local de formação e ponto de contato com arte e cultura no território. “Para que [os moradores] entendam que também são criadores de cultura e de arte”, pontua Cibele.

Além do bloco, na tentativa de alcançar mais moradores do bairro, o Maria Fuá também realiza outras atividades no território como uma festa junina.

Carnaval 2024

Nesse ano, o cortejo da Maria Fuá acontece dia 17 de fevereiro, a partir das 14h. A concentração do bloco será na Rua da Passarela, no bar do Marcelo. Além das marchinhas de carnaval, o bloco terá a participação de um grupo de maracatu, o Mulheres do ABC.

Para participar do bloco é só chegar e brincar. Pode ir fantasiado e se quiser tocar junto com o bloco basta levar algum instrumento. O bloco também empresta alguns acessórios e fantasias, basta chegar com antecedência.

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