Entrevista

Crespinhos Dança: projeto utiliza a dança charme para fortalecer identidade negra nas infâncias

Com foco em crianças e adolescentes, a iniciativa aborda o protagonismo negro a partir do movimento charme com encontros e eventos em escolas e periferias do Rio de Janeiro.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Inspirado no baile charme, movimento cultural de fortalecimento da identidade negra nas décadas de 1970 e 1980, o Crespinhos Dança apresenta para crianças e adolescentes a dança charme com intuito de estimular o protagonismo negro desde a infância, através do resgate desse ritmo que nasceu na periferia e marca gerações. 

“A gente começou com a ideia de produzir conteúdos e ações voltadas para o protagonismo preto. Esses conteúdos e ações são para todas as crianças, porém, é feito por crianças e adolescentes pretos”, explica Renata Moraes, 40, produtora cultural, articuladora e moradora do bairro Praça Seca, que fica no distrito de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. 

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Formado por crianças e para crianças, o Crespinhos Dança existe desde 2015, e é um dos projetos da produtora e coletivo Crespinhos SA, assim como o Bailinho da Crespinhos, que são eventos de baile black, e a artista mirim Elis Mc, que atuam de forma integrada. A iniciativa foi fundada por Renata, que realiza os projetos em coletivo e com parcerias, como a do Luis Marques, que é dançarino, coreógrafo e coordenador do Crespinhos Dança. 

Atualmente o grupo é composto por 13 crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 17 anos, junto com seus responsáveis, em sua maioria mães, que participam de modo contínuo. As atividades, como os aulões, também são realizadas por essas crianças e abrangem as demais infâncias dos locais onde são realizadas as ações. “A gente gosta do Luiz puxando [as atividades], mas sempre [com] uma criança no comando também para elas [as crianças] se identificarem”, explica a produtora. 

A rotatividade de membros é constante por se tratar de um projeto formado por crianças. A participação no grupo é gratuita e os encontros acontecem no Centro Cultural Dyla Sylvia de Sá, aos sábados ou domingos, com duração de 3 a 4 horas.

Geralmente, os encontros semanais são iniciados com a Renata que propõe alguma atividade, roda de conversa ou reflexões sobre direitos e deveres das crianças. “Desde muito nova a criança pode ter essas ideias sobre direitos e identificar coisas”. Racismo, assédio e discriminação são exemplos dos temas abordados.

“É um grupo para dançar, se conhecer e se fortalecer. O processo é criança e responsável, mãe e pai”

Renata Moraes, produtora cultural, articuladora e criadora do Crespinhos SA.

“A gente faz esse aulão e depois [tem] a intervenção da Elis Mc [uma artista mirim] que dança e canta”, menciona Renata, ao pontuar que essa interação entre as crianças gera impacto positivo e direto por elas se identificarem. Ela conta que isso é evidenciado com o retorno que o coletivo recebe a partir do carinho das crianças em forma de abraços, pedidos de fotos e de novas atividades.

As atividades são variadas, algumas têm um direcionamento social e outras são voltadas para o comercial. No âmbito social, o coletivo realiza encontros, piqueniques, rodas de conversa com os pais, aulões, oficinas e eventos como os bailes blacks. Essas ações geralmente ocorrem no parque Madureira, na Praça Mauá, em bibliotecas e centros culturais.

As parcerias comerciais de campanhas publicitárias com produção de conteúdos como vídeos, jingles, fotos, divulgação e editais é o que possibilita financeiramente que o coletivo e as ações sociais gratuitas aconteçam.

Movimento cultural

Para Renata, o charme é um movimento que muitas pessoas não têm mais contato com frequência e que geralmente desperta o interesse de adultos. No projeto é o fio condutor artístico que encontraram para levar a ideia de fortalecimento e autoestima. Ela conta que pais já procuraram o coletivo para tentar lidar com a situação de racismo vivenciada pela criança, tendo a iniciativa como um espaço de acolhimento. “[Mas] a sociedade é preconceituosa e a gente não vai acabar com racismo”, pontua.    

O charme teve início nos anos 80, e se tornou uma expressão cultural importante para a juventude negra nas periferias da época. A música que mistura Soul e o R&B, que é um ritmo mais lento, segundo Renata, dá origem aos passos de dança que, no Brasil, é chamado de charme. “Surge da galera saindo para se encontrar nos clubes, a maioria morava em comunidade”, aponta Renata. 

Ela coloca que entre os elementos da dança o tapete vermelho no qual o dançarino performa, é um símbolo para as pessoas negras. Entrar num tapete vermelho [dançando], ser o destaque não é fácil e para pessoas pretas isso é muito complicado, porque a gente não foi ensinado a estar nesse local”, diz.

“A gente foi ensinado a estar atrás, aplaudindo, idealizando, querendo estar ali e aí quando isso se inverte ou quando isso vira uma coisa para todo mundo, é realmente enriquecedor. Você vê no semblante tanto da criança, do adolescente [e] do adulto, quanto isso é importante”, explica Renata sobre como através da dança charme é possível fortalecer a autoestima e o senso de pertencimento independente da idade.

O projeto também utiliza a literatura como ferramenta de autoconhecimento para as crianças. “A gente trabalha com as poesias do Sérgio Vaz, [que é um parceiro], e a gente faz algumas intervenções poéticas”, conta Renata.

O grupo é composto por 90% de pessoas que são de periferias e favelas, e a atuação em escolas públicas também estreitam as relações com os territórios. “Durante o ano inteiro a gente visita duas escolas públicas por mês. Abrimos essa agenda no início do ano, os educadores entram em contato e agendam até dezembro”, compartilha.

Segundo Renata, apresentar diferentes movimentos culturais amplia a perspectiva que crianças e adolescentes têm sobre o que é cultura negra e periférica, além de proporcionar trocas entre gerações. “A geração que viveu aquilo [baile charme] consegue se conectar com a geração de agora, [assim] as duas conseguem dialogar e dançar juntas”, finaliza.

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