ENTREVISTA

Mestre em psicologia discute acesso a saúde mental de atletas das periferias

Conflitos familiares, financeiros, equipamentos sucateados e necessidade de conciliar a vida esportiva com a jornada de trabalho, são alguns dos fatores que afetam a saúde mental de atletas periféricos.
Por:
Nicolas Santos
Edição:
Ronaldo Matos

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Em frente ao Centro Educacional Unificado (CEU) Inácio Monteiro, localizado na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, o coletivo Love Skate CT realiza diversas atividades educativas, culturais e sociais que estimulam o desenvolvimento de jovens atletas de skate no território. Uma das iniciativa do projeto é a realização de sessões de psicologia radical, que visa cuidar da saúde mental e emocional de crianças e adolescentes que sonham em ser atletas profissionais.

Dentro do espaço cultural Love CT há uma sala que abriga cerca de 30 crianças e adolescentes numa manhã de sábado. Com olhos e ouvidos atentos, eles participam da palestra de Alberto da Silva Santos, 38 anos, mestre em psicologia pela PUC, conhecido no território como Tobé.

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O especialista em psicologia do esporte conversa com os futuros atletas sobre os desafios de manter a concentração, foco nas atividades, controle de emoções em situações difíceis, entre outros assuntos. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Santos conta como uniu a psicologia do esporte com o skate para trabalhar com crianças e adolescente no coletivo Love CT.

Alberto da Silva Santos, psicólogo esportivo e Nicolas Santos, repórter do VCRP. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia (VCRP)/Agosto 2024.

VCRP: Como você enxerga o acesso de atletas das periferias ao acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O pessoal que é atleta e consegue ter suporte psicológico geralmente é quem tá em Clube como cadete, de forma geral, a galera não tem muito (acesso), não que não reconheçam a importância, não tem porque ainda é caro né? Até eu que cobro barato, na verdade é complicado porque já é caro pra realidade daqui, então a galera tem pouco acesso e não é um serviço disponível nos equipamentos públicos, como é algo bem específico de fato, dificilmente consegue por um valor social ou preço mais baixo, então a galera reconhece, alguns conseguem correr atrás de alguma forma, mas nem todo mundo consegue acessar.

VCRP: Você nota mudanças nos atletas que passaram por esse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O skate não é uma parada que acontece isolada da sociedade, então, ele fica à mercê também de todos os produtos sociais relacionados ao racismo, exclusão, preconceito e por aí vai, então quando o skatista periférico tá lá naqueles ambientes, aquelas feridas de alguma forma gritam e depois de um trabalho de psicologia do esporte o que eu tenho observado, assim como efeito, é o empoderamento que essa pessoa tá fazendo lá né? Porque a psicologia do esporte não é só uma parada de trabalhar motivação e concentração, às vezes é acolher sentimentos que nunca foram acolhidos como uma tristeza de violência racial ou exclusão. Então quando essas pessoas têm esse espaço para que essas dores e feridas sejam acolhidas e genuinamente reconhecidas é quando elas conseguem tirar um peso das costas, para conseguir estar bem lá e consciente de tudo que tá acontecendo, e entendendo a sua própria história sem medo e sem receio, sendo que são do tamanho que são.

VCRP: Por que ex-atletas também precisam desse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: A gente vê jogador de futebol que jogou na Itália, mas depois de muitos anos depois de ter se aposentado quando foi ver tá morando no seu carro importado, sem grana nenhuma mais, então é isso que a gente chama de transição de carreira, ela é mais complexa para os atletas que não vem de famílias com posses, que vem de quebrada, então é algo complexo de se trabalhar, e nós estamos falando também de atletas em sua grande maioria pessoas pretas, e aí junta isso vem todos os reflexos do racismo. Tem muita gente que não consegue fazer essa transição de carreira de maneira adequada, primeiro porque a sua vida profissional enquanto atleta não lhe rendeu frutos o suficiente, então essa pessoa ela sempre foi atleta profissional mas teve que se dedicar a alguma outra atividade para se manter.

VCRP: Como a cobrança extrema realizada pela sociedade afeta os atletas negros e periféricos?

Alberto da Silva: Quando a gente fala de atletas negros e periféricos, essa questão da cobrança após uma falha é muito mais pesada. Não se perdoa falha de pessoas brancas como se perdoa a falha de pessoas negras, periféricas, nordestinas ou indígenas, e aí quando a gente fala dessa cobrança, a gente fala dos mesmos contrastes sociais que acontece na sociedade de uma forma geral. Dá para pensar numa cobrança externa e como isso pouco a pouco se torna uma auto cobrança e ao longo do tempo se torna algo interno para o atleta. Hoje em dia, tem muito atleta pedindo desculpa por não conseguir alcançar o quarto lugar, mas como assim? Você está entre os quatro melhores atletas de uma competição! Por que está pedindo desculpas? Essa é uma forma como a nossa sociedade age de modo geral.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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