Entrevista

Salve Clariô: grupo cria vaquinha para manter espaço cultural ativo em Taboão da Serra

Com 19 anos de atuação na região metropolitana de São Paulo, espaço Clariô busca apoio para manter atividades culturais no território.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Na estreita Rua Santa Luzia, número 96, na cidade de Taboão da Serra, em São Paulo, é onde está localizado o espaço Clariô. Criado junto com o Grupo Clariô de Teatro, desde 2005, o local amplia o acesso à arte, educação e cultura no bairro da Vila Santa Luzia. Devido a especulação imobiliária que se instalou na região, junto com a previsão da chegada do metrô Vila Sônia, para não perder o espaço, o grupo lançou a Campanha Salve Clariô.

“O espaço Clariô não é só do Grupo Clariô de Teatro, quando a gente fala dessa importância do espaço continuar é por isso, se o espaço Clariô some, esse [local] de cultura, de entender [e] assistir teatro, shows, ele vai sumir [junto], essa comunidade vai perder, vai ficar desamparada com isso.”

Alexandre Souza, ator e técnico geral do Grupo Clariô e do espaço.

Além de espetáculos e shows, outras atividades acontecem no local, como o Sarau do Binho, o ‘Quinta às Oito’, a Mostra do Teatro do Gueto, oficinas de capoeira, boxe, teatro, dança e percussão. “O espaço Clariô nunca cobrou nada em suas oficinas, apresentações, cursos, palestras, shows, sempre foi de graça, pra todo mundo”, pontua Washington Gabriel, 36, ator e produtor do Grupo Clariô, morador do bairro Parque Rebouças, no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. 

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Apresentação artística de Vitor da Trindade e banda, no ‘Quinta às Oito’, em 2023. (foto: Viviane Lima)

“Por estar na região central de Taboão, [o local] recebe pessoas de Embu das Artes, de Itapecerica, da zona sul de São Paulo, tanto público, quanto os espetáculos”, comenta Washington. As atividade do espaço Clariô se mantêm através de projetos, editais e revertendo parte do valor dos espetáculos, shows e cachês do grupo de teatro para pagar as despesas. 

Alexandre, 43, ator e técnico geral do grupo e do espaço Clariô, mora em Taboão da Serra, no bairro Jardim Pirajussara, e menciona que as atividades que acontecem no Clariô refletem de várias formas nos frequentadores, como no caso da Casa de Iaia, espaço cultural localizado também em Taboão da Serra, que tem como co-fundadora a Ângela, que inaugurou o local a partir da experiência que teve no Clariô.

“A gente acaba fazendo política pública cultural, o Clariô fornece mais cultura para a cidade do que a própria Prefeitura”, menciona Alexandre, que também ressalta a escassez de políticas públicas para a cultura em Taboão da Serra. “[O Clariô] é um dos pouquíssimos espaços culturais da cidade”, afirma Washington.

Frente do espaço Clariô durante evento, há alguns anos, na Rua Santa Luzia, número 96, em Taboão da Serra. (foto: arquivo pessoal)

Especulação imobiliária

O histórico cultural do local é antigo, pois esse mesmo endereço já tinha sido ocupado pelo grupo de teatro Cavalo de Pau. Alexandre conta que parte do espaço foi alugado com a verba arrecadada em um projeto, e com o tempo todo o local foi incorporado pelo Grupo Clariô, e as possibilidades de uso foram expandidas.

Apresentação do espetáculo Hospital da Gente. (foto: arquivo pessoal)

Em 2009, o grupo começou a criar a peça ‘Hospital da gente’, que foi um marco na consolidação da identidade do Clariô ao atuar com teatro para, com e na periferia. Nesse contexto, o movimento cultural no espaço Clariô começou a se fortalecer e se firmou também como uma iniciativa de formação política, construção e formação de pensamento crítico, aponta Washington. 

“A campanha surge no momento em que a existência do espaço Clariô fica ameaçada por conta da especulação imobiliária que existe com essa questão do metrô vindo para próximo”, coloca Alexandre. Ele conta que a instalação do metrô Vila Sônia, que estava prevista para 2014, tem causado o aumento no valor dos imóveis e do custo de vida na região.

“A gente pagava R$ 500 de IPTU na época que [chegamos] aqui [em 2005]. Esse ano [2024], a gente pagou R$ 5.000 de IPTU desse terreno”, relata Alexandre. Ele também comenta que apesar da valorização no valor do imóvel, os moradores da região sofrem com enchentes.

“As famílias daqui em frente estão sempre por aqui. Quando tem enchente, o pessoal da rua deixa de limpar a própria casa e vem primeiro limpar o teatro, depois vai limpar sua casa, de tão importante que é [o espaço].”

Alexandre Souza, ator e técnico geral do grupo e do espaço Clariô.

Washington diz que não se trata de uma expulsão, mas que a proprietária sinalizou que tem interesse em vender o imóvel e deu prioridade para que o grupo possa comprá-lo, assim buscaram se antecipar para conseguir realizar essa compra, sendo que o contrato de aluguel dura até abril de 2025. 

“O Clariô pode existir em outro lugar, mas a relação que a gente criou com essas famílias, com essa rua, com esse endereço é algo que a gente vai demorar muito para criar em outro lugar”, coloca Washington.

Salve Clariô

A campanha SALVE CLARIÔ vai até dezembro de 2024, e a meta é arrecadar R$ 700 mil. Washington comenta que todo valor doado é bem-vindo e que existem outras formas de ajudar, como fortalecer na divulgação e contratar o grupo de teatro para trabalhos. Realizar oficinas e apresentações no próprio espaço cobrando, temporariamente, pelas inscrições ou ingressos, está sendo uma opção para quem deseja contribuir. 

Salve Clariô: grupo cria vaquinha para manter espaço cultural ativo em Taboão da Serra
A Campanha Salve Clariô vai até dezembro de 2024 e pode ser acessada pelos links que estão na reportagem. (foto: Ju Dias)

A venda de rifa é a alternativa que o Sarau do Binho encontrou para ajudar, e estão rifando a realização de uma edição do sarau no valor de R$ 50. “Não vai ser só uma benefice pro Clariô, mas uma escola ou outro espaço vai ganhar um dia de Sarau do Binho”, exemplifica Alexandre.

O tombamento do espaço Clariô como patrimônio cultural da cidade também é uma das movimentações que o grupo tem feito para salvar o espaço. “Dedicar uma verba que [se] recebe como emenda [parlamentar] para o espaço é uma ação do poder público que é muito bem-vinda”, finaliza Washington ressaltando a contribuição do poder público nesse cenário.

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