Entrevista

“Tem que provar o tempo todo que é capaz”, diz Sandra Ramalhoso sobre pessoas com deficiência na política

Pré-candidata a vereadora de SP relata a busca por maior participação de pessoas com deficiência na política institucional.
Edição:
Evelyn Vilhena

Leia também:

Em frente a uma casa, no bairro da Água Rasa, distrito da Mooca, na zona leste de São Paulo, uma faixa pendurada com a frase “quem lutou a vida inteira, agora luta por você”, identifica o local em que mora Sandra Ramalhoso, 60. Pré-candidata a vereadora da cidade de São Paulo, Sandra tem Síndrome Pós-Poliomielite, é cadeirante e tem como principal bandeira os direitos das Pessoas com Deficiência (PcD).

Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na última eleição municipal, em 2020, no total, 56 pessoas com deficiência se elegeram para o cargo de vereança no estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, no município de São Paulo, foram 34 o total de candidaturas de PcD para a mesma função. Essa é a primeira vez que Sandra disputa o cargo.

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.

Pré-candidata a vereadora de SP relata a busca por maior participação de pessoas com deficiência na política institucional.
Sandra iniciou seu ativismo social atuando na Pastoral da Pessoa com Deficiência. (foto: Viviane Lima)

Presidente da Associação G 14, que presta apoio aos pacientes de poliomielite e síndrome pós-pólio, Sandra atua em defesa das pessoas com deficiência, principalmente na área da mobilidade urbana. “Atuei na briga por transporte, pelo ônibus de piso baixo, pela calçada, pelo transporte ativo. A pessoa com deficiência pode utilizar a ciclovia, a ciclofaixa, a gente lutou por esses espaços”, conta Sandra sobre as demandas que pautou no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT).

Entre os debates que levanta, Sandra coloca a necessidade de dados sobre as pessoas com deficiência para embasar políticas públicas. “São Paulo tem 14 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, nós, pessoas com deficiência, somos 8,6% dentro da cidade. Isso dá mais ou menos 1,2 milhões de pessoas”, ela coloca, e explica que a cada 50 casas apenas uma recebe o questionário completo do Censo do IBGE, que nos demais não tem um campo destinado para sinalizar que a pessoa tem alguma deficiência, o que interfere nos dados finais.

Segundo ela, essa coleta de dados também tem impacto territorial. “Quantas pessoas estão na periferia e não responderam esse questionário e a gente não sabe que elas estão lá precisando de UBS, de CER – Centro Especializado em Reabilitação?”, diz. 

Atende + é um serviço de atendimento de transporte gratuito destinado às pessoas com deficiência. (foto: Viviane Lima)

O indicador de tempo médio de deslocamento por transporte público do Mapa da Desigualdade de 2023, mostra que no distrito da Água Rasa, no horário de pico da manhã, o tempo médio desse deslocamento via transporte público é de 36 minutos. Nesse mesmo parâmetro, um morador da Cidade Tiradentes leva 1h08 para se locomover, sendo as duas regiões localizadas na zona leste de São Paulo.

O indicador “Acesso a transporte de massa” do Mapa, também mostra que 14,87% da população que mora na Água Rasa está em um raio de até 1 km de distância de estações de trem, metrô ou monotrilho. Em comparação, 0% dos moradores da Cidade Tiradentes têm acesso a qualquer estação que esteja no máximo a 1 km de sua residência. Os dados não mencionam as dificuldades de locomoção de pessoas com deficiência conforme território.

Atuação política

Sandra teve poliomielite aos três meses de vida. Ela conta que os médicos não acreditavam que um bebê tão pequeno pudesse ter pólio e demoraram no diagnóstico. Até os 15 anos, viveu em função dos tratamentos e da fisioterapia. 

“Cheguei num estágio que não mexia nada, quando eu saí do hospital, até andar totalmente autônoma com duas órteses, que são aparelhos nas pernas e duas muletas axilares”. Assim, ela frequentou a escola e se formou em piano. Até 2020, Sandra trabalhava como professora de reforço escolar e dava aulas de piano.

No período entre a infância e adolescência, acreditava que a poliomielite havia estabilizado, mas após a gravidez do segundo filho, aos 40 anos, ela não conseguiu voltar a andar. Foi através da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em um laboratório de poliomielite, que Sandra teve o diagnóstico de Síndrome Pós-Poliomielite, doença que interfere na perda muscular de forma progressiva e degenerativa. 

Situações que vivenciou ao longo dos anos contribuíram na sua decisão em atuar por políticas públicas e na política institucional. Em 2016, ela relata que ao pegar um ônibus, acompanhada do filho, o elevador do veículo travou e começou a pegar fogo. Seu filho então recorreu aos mecânicos de uma oficina próxima para tirar Sandra do veículo. Um segundo acidente aconteceu em 2017. “Eu fui atropelada porque não tinha calçada, não tinha faixa de pedestre”, comenta sobre o acidente que aconteceu na rua de sua casa. 

Devido a esses ocorridos e com o apoio do filho que é assessor político, em 2017, Sandra se filiou ao PSOL, onde faz parte do Setorial PcD e passou a atuar na política partidária, com foco nos direitos das pessoas com deficiência.

Reunião do setorial PcD do PSOL, implementação de políticas inclusivas e anticapacitistas foram temas do encontro. (foto: arquivo pessoal)

Entre as contribuições para o movimento, ela aponta o período que representou o CMTT no Conselho Municipal de Políticas Urbanas (CMPU), e a participação na discussão do Plano Diretor da cidade de São Paulo. “Ainda era online as reuniões [durante a pandemia] e tinha um rapaz surdo. A gente conseguiu barrar a continuidade da discussão do plano diretor, porque não tinha acessibilidade, fomos ao Ministério Público”, relembra. Segundo ela, como resultado, agora as reuniões dos conselhos têm intérpretes de libras.

Sandra também participou do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD), de 2017 a 2019 e de 2022 a 2024. “A gente conseguiu também uma cadeira da pessoa com deficiência [dentro do Conselho Municipal de Política Urbana]”, pontua. 

Sandra Ramalhoso no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD), do qual fez parte como conselheira. (foto: arquivo pessoal)

A partir dessas atuações, ela relata que identifica o capacitismo presente no espaço político, “a gente tem que provar o tempo todo que é capaz”, comenta.

“Capacitismo é quando você considera que a pessoa [com deficiência] não é capaz de fazer as coisas. Ou quando você [a] compara pejorativamente em alguma fala, por exemplo, ‘dei uma mancada’. O que significa isso? Que você fez uma coisa errada. Então você se compara com uma pessoa que manca. Isso é capacitismo.”

Sandra Ramalhoso, presidente da Associação G 14.

Nessas movimentações políticas, o lugar que mais se sentiu discriminada foi quando participou do desenvolvimento das normas técnicas de construção de ônibus, na ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). “Eu era a única mulher lá dentro [e] pessoa com deficiência, [para eles] eu não sabia de nada”, relata Sandra.

A pré-candidata menciona que ter pessoas com deficiência eleitas é importante pela questão do protagonismo. “É você saber que essas pessoas existem, pensam, são capazes e podem melhorar a cidade”. Mas também coloca que muitas candidaturas de pessoas com deficiência são colocadas como “laranjas” e que não há investimento dentro dos partidos para que façam uma campanha que possa alcançar uma eleição.

Autor

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.