Grupo de rap fundado no Carandiru promove ações culturais com jovens na quebrada

Edição:
Evelyn Vilhena

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Com anos de atuação artística e cultural no território, desde 2020 o grupo Comunidade Carcerária gerencia espaço cultural que promove ações formativas no distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo.

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Washington Pereira Paz e Flaviano Souza estão há mais de 20 anos atuando juntos acolhendo a juventude da periferia e se inspirando em suas próprias histórias. (Foto por: Flávia Santos)

 Em meados de 1996, dentro da antiga casa de detenção localizada na zona norte de São Paulo, o Carandiru, surgiu o grupo de rap Comunidade Carcerária, criado por alguns amigos, entre eles Washington Pereira Paz, conhecido como W.O e Flaviano Souza, conhecido como F.W Guerreiro da Paz.

Na intenção de sobreviverem ao sistema prisional, os amigos iniciaram suas jornadas no mundo musical escrevendo e compartilhando suas vivências sobre um futuro de liberdade que não sabiam se estava próximo ou não de chegar.

“Nos espelhamos muito na gente, nos nossos problemas, no veneno que a gente estava passando ali preso, sem poder sair, ver um amigo, um parente”. Washington Paz, conhecido como W.O, 47, rapper, morador da Vila Missionária, bairro localizado na zona sul de São Paulo.

Washington conta que a ideia de pensar outras possibilidades para se viver surgiu a partir de suas próprias experiências e também na tentativa de tirar o máximo de jovens que conseguissem de um caminho que afirma não ser o melhor para a juventude das periferias. “Tem como você crescer através de um estudo, através de um curso”, afirma.

O músico saiu da casa de detenção em 1999, mas continuou frequentando o local para ensaiar e trabalhar no projeto que não queriam deixar apenas no papel. No início, o grupo era formado por três MC’s, sendo eles o Washington (WO), o Flaviano (FW) e o Jairo, conhecido como MC Jhay, mas apenas Washington e Flaviano seguiram com as atividades do Comunidade Carcerária.

“A gente criou até um centro cultural no presídio na época. A gente viu passar por lá Detentos do Rap, 509-E, o grupo de samba Bola Mais Um. A maioria da galera que saiu de lá e que gravou passaram pelo nosso espaço cultural”

compartilha o rapper sobre as ações culturais que mobilizaram ainda dentro da casa de detenção.

Na época, com o auxílio de um agente penitenciário, conseguiam se encontrar para darem continuidade às produções dentro do complexo. Continuaram com as atividades no local até o ano 2000, período em que os outros integrantes foram transferidos devido ao processo de desativação e implosão de pavilhões do Carandiru, como reflexo do massacre ocorrido em 1992.

 Apoio de políticas públicas

Mesmo com dificuldades, ao longo dos anos o grupo permaneceu na ativa. Em 2006, com Flaviano também fora do sistema prisional, seguiram em busca de possibilidades de existência e formas de seguirem construindo o que começaram anos atrás dentro da casa de detenção.

“Hoje a gente tem [um espaço físico], depois de muitos anos de história, de resistência, através de projetos da Secretaria de Cultura feitos aqui na região”, conta Washington sobre o espaço que conseguiram fundar em 2020, após serem contemplados no Programa de Fomento à Cultura da Periferia, política pública da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. 

“A porta é aberta para você investir no seu sonho, no que você acredita, e através dessa parceria é que a gente conseguiu essa estrutura para os jovens saírem da rua”

afirma Washington.

O grupo de rap Comunidade Carcerária foi fundado em 1996, dentro da Casa de Detenção do Carandiru, e atualmente são linha de frente de um projeto social pensado para a juventude de quebrada. (Foto por: Flávia Santos)

Atualmente, no espaço gerido por Washington e Flaviano, que fica na Vila Missionária, bairro localizado no distrito de Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, são realizadas oficinas semanais, de quarta a domingo. O espaço que se chama GR2C (sigla para Grupo de Rap Comunidade Carcerária), abriga diferentes atividades: vivências de MC’s, aulas de break, grafite, trança, fotografia e também encontros de batalhas de rima.

Além disso, o grupo circula pela cidade realizando visitas a casas de recuperação para debaterem temas como encarceramento, ressocialização e acesso à cultura.

Entre os jovens que colam no espaço GR2C, a maioria já passou pela Fundação Casa, e é exatamente esse um dos maiores focos da iniciativa, que busca criar possibilidades para que esses jovens não precisem ter mais contato com o sistema prisional. Para isso também buscam fortalecer uma rede de apoio e de oportunidades para os jovens.

“Ao invés dele estar na biqueira ou assaltando alguém no farol, ele está no palco com o microfone na mão, fazendo aquilo que ele gosta, pulando, sorrindo e cantando. Então é isso que traz energia e a vontade de continuar”

pontua Washington.

Um dos jovens que frequenta e é impactado pela existência do local, é o Gabriel Lima, 21, conhecido como MC Kazuê, morador da Vila Joaniza, bairro da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Gabriel é organizador da Batalha do Kaos, que acontece no seu bairro desde 2016. Ele começou a rimar com 14 anos e conta que decidiu sonhar com o rap para sua vida.

“Me senti bem no espaço, me senti importante e me livrou de muitos rolês que não valiam a pena, onde eu só me drogava e ficava mal. Hoje nossa conexão está pesadíssima e estou muito feliz por essa mudança comportamental”, compartilha Gabriel.

Sistema desigual

Atuante no movimento social Amparar, que atende pessoas afetadas pelo sistema prisional para garantir direitos básicos também às famílias, Fabio Pereira, estudante de serviço social, aponta a importância de ações que deem suporte para as pessoas e famílias atravessadas por esse sistema.

“É fundamental que a gente possa reivindicar políticas públicas para pessoas que passaram pelo cárcere e de ações individuais”, afirma Fábio Pereira.

O abolicionista penal também analisa o fato do grupo Comunidade Carcerária ter conseguido um apoio apenas mais de 20 anos depois de sua atuação. Como isso representa a diferenciação entre pessoas a partir de seus corpos e endereços. 

“A maioria das pessoas saem das cadeias sem perspectivas e acabam retornando pra ela porque não se oportuniza outras oportunidades. Se hoje, nesse momento, cair um jovem agonizando em qualquer quebrada, é mais fácil chegar uma viatura do que uma ambulância do samu”

aponta.

W.O e F.W possuem o sonho de alcançarem o maior número de jovens vulneráveis de quebrada que conseguirem, e oportunizar que possam sonhar de novo. (Foto por: Flávia Santos)

Fábio pontua a necessidade de pensar políticas efetivas de seguridade social nas periferias, garantir os direitos básicos dessas pessoas e refletir verdadeiramente sobre o papel das prisões.

“Será que se garantissem tudo isso, essas pessoas estariam no crime? Estariam nessa situação? A prisão funciona muito como uma vingança social. Se a prisão fosse pensada para pessoas ricas ela não seria da forma que ela é”, finaliza Fábio. 

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