Articuladores locais apontam que o processo de terceirização impacta trabalhadores da cultura e o diálogo direto com iniciativas culturais dos territórios.
O chamamento para OSCs (Organizações da Sociedade Civil) concorrerem à administração das Casas de Cultura de São Paulo, foi colocado para conhecimento público no dia 16 de dezembro de 2022, pela Secretaria Municipal de Cultura. No total, são 20 Casas de Cultura espalhadas pelo território e através da construção feita por articuladores, coletivos e iniciativas locais, se tornaram patrimônios culturais das periferias.
A mobilização SOS Casas de Cultura, composta por trabalhadoras da cultura, como jovens monitores culturais, artistas autônomos e ativistas periféricos, tem se mobilizado para dialogar sobre as dificuldades que a possibilidade de terceirização desses espaços representa.
“Não existe diálogo por parte do poder executivo na pessoa do prefeito Ricardo Nunes e da secretária de cultura Aline Torres. Eles não abriram os processos de participação da sociedade civil organizada para discutir esse projeto que eles têm de privatização”, afirma Aurélio Prates, agente cultural e integrante do movimento SOS Casas de Cultura, sobre a falta de diálogo e decisões tomadas sem consultas públicas.
“Já teve 9 audiências públicas onde em nenhuma eles [Ricardo Nunes e Aline Torres] apareceram. Até foi dito para o chefe de gabinete lá em março de 2022 que não existia nenhum estudo acerca dessa possível privatização, e no final do ano [2022], em um momento de férias, isso foi colocado a público”.
Aurélio Prates, ativista cultural e integrante do movimento SOS Casas de Cultura
O agente cultural pontua que o movimento SOS Casas de Cultura nasce a serviço da construção de políticas públicas culturais, pautadas no que é público, “no orçamento de uma cidade bilionária”. Ele também reforça que mesmo o chamamento tendo sido aberto no período próximo ao recesso, “com muita pressão foi prorrogado até dia 30 de janeiro e seguimos lutando para barrar e propor outras formas de gerenciar os serviços públicos em São Paulo”.
Aurélio aponta que esse movimento em torno das Casas de Cultura é uma política estrutural do governo de Ricardo Nunes.
“A partir de João Dória e Ricardo Nunes, temos a política de desestatização. Eles usam a máquina pública municipal para vender tudo que é público. Eles acreditam nesse investimento do quanto mais enxuto for a participação do estado, melhor é. Quando na verdade, diminuir sua responsabilidade enquanto estado é injetar grana em empresas, OS, que usam indevidamente o dinheiro público”, aponta Aurélio.
“O casarão é nosso!”
Morgana Sales, 35, moradora do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, é artista, educadora e oficineira no Casarão Vila Guilherme, uma das casas de cultura que entrou no processo de privatização. Ela conta que sua relação com a cultura está diretamente atrelada ao Casarão.
“Antes era uma casa abandonada. Os artistas e moradores locais ocuparam esse espaço e foi assim que começamos a fomentar a cultura. É um espaço fruto de ocupação popular, é um espaço muito nosso”, afirma a educadora.
Morgana ainda ressalta a importância de uma gestão que se propõe a abrir as portas e deixar os artistas e coletivos locais ocuparem e co-criarem a programação.
“Essa gestão [atual] tem um olhar muito sensível para o território e para a demanda de estar propondo cultura na periferia. Os participantes conhecem a gestão pelo nome, é um diálogo de fato, e a ideia é que siga ocorrendo.Ter uma gestão que considera, que ouve e dialoga, transforma o espaço”.
Morgana Sales, moradora do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, é artista, educadora e oficineira no Casarão Vila Guilherme.
Ela conta que o impacto da licitação já está acontecendo com as oficinas de longa duração suspensas. “E se a gente for pensar na remuneração, o edital que eu estou hoje da prefeitura paga um valor, agora, o valor da hora aula que as OSCs oferecem no CEUs, por exemplo, é muito baixo. Ou seja, o impacto vai vir para os trabalhadores que vão receber muito menos e para a comunidade.”
“Precarização hoje é utilizada para justificar uma terceirização desses espaços”
Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico, preside à subcomissão de Cultura, e aponta que a precarização das Casas de Cultura é um projeto. “Elas passaram por um processo contínuo de precarização, uma falta absurda de funcionários, falta de política estruturante, não se segue a lei que indica que essas casas precisam de conselhos participativos e deliberativos para o seu funcionamento, e essa precarização hoje é utilizada para justificar uma terceirização desses espaços”, afirma.
A vereadora ressalta que até o momento não tem como medir o impacto desse processo no território, que ainda não é nítido o plano da Prefeitura, mas que é possível observar que onde existe a gestão de OS, se encontra uma precarização.
“Essas casas de cultura foram construídas em territórios periféricos justamente para atender as especificidades de cada território, para que houvesse uma coordenação de cada território, um conselho gestor do território, para ser um espaço que acolhe arte que é produzida na periferia, e não apenas um espaço de circulação de arte de outros territórios”.
Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico e presidente da subcomissão de Cultura.
A vereadora comenta que a mandata já protocolou um pedido de audiência pública sobre as Casas de Cultura com a presença da Secretária de Cultura Aline Torres e do Prefeito Ricardo Nunes. Essa solicitação será votada nos próximos dias na Comissão de Finanças.
“A gente entende que a secretária precisa dar explicações sobre qual o impacto dessa terceirização, qual o motivo de fato, quais foram os estudos que a Secretaria Municipal de Cultura e o executivo fez que viabiliza a ideia de terceirização”.
Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico e presidente da subcomissão de Cultura.
Além disso, Elaine pontua sobre as ameaças que trabalhadores da cultura estão recebendo por chamar esse processo de privatização. Segundo ela, a secretária de cultura ameaçou denunciar como fake news e acusar na justiça todos aqueles que chamarem o processo de privatização. Os movimentos reafirmam como privatização o processo de tirar a gestão da administração pública e colocar na mão de instituições.
“O que não pode acontecer é que quando esses trabalhadores, militantes, artistas fazem esse tipo de denúncia sejam ameaçados pela Secretaria Municipal de Cultura para que não se manifestem mais, e isso estamos de olho e não vamos permitir que aconteça”, finaliza Elaine.
O que diz a Secretaria Municipal de Cultura
Entramos em contato com a assessoria da Secretaria Municipal de Cultura, mas não pontuaram sobre como tem se dado o diálogo com os movimentos e artistas para ouvir as demandas e sugestões dos agentes locais.
A assessoria pontuou que “o modelo de gestão compartilhada segue o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), regulamentado pela Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e é utilizado com sucesso em outras iniciativas da Secretaria, como a EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e o Programa Jovem Monitor”.
E afirmam que o edital garante que todas as atividades oferecidas continuem gratuitas e permaneçam ligadas ao território. “Nos documentos disponíveis para consulta pública, através da plataforma Participe +, há diversas referências para que a linha curatorial das Casas de Cultura leve em consideração atividades ligadas aos territórios”, disse a assessoria.
Trabalhadores da cultura, junto com a mobilização do SOS Casas de Cultura, seguem reivindicando uma audiência pública com o Prefeito Ricardo Nunes e a Secrétaria de Cultura Aline Torres, além da instituição de Conselhos Deliberativos para as Casas de Cultura.