“As pessoas acabam voltando para casa”: a luta de cadeirantes para votar nas periferias

Edição:
Ronaldo Matos

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Zonas eleitorais nas periferias dificultam o acesso e o voto de moradores portadores de deficiência. Buracos nas ruas e calçadas elevadas comprometem ainda mais a acessibilidade no período eleitoral.

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Ataunte nas periferias da zona sul de São Paulo, Juarez Pereira é um líder comunitário que busca defender os direitos de pessoas portadoras de deficiência fisica. (Foto: Arquivo Pessoal)

 Para exercer o direito de votar nas eleições de outubro, o jovem Felipe Barbosa, 22, morador da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo, está se preparando para encarar calçadas elevadas, ruas esburacadas e sem rampas de acesso, um retrato dos desafios de mobilidade nas periferias e favelas, que afeta diretamente a rotina de locomoção de pessoas portadoras de deficiência física que tem mobilidade reduzida.

Barbosa é cadeirante desde 2014, ano no qual ele votou pela primeira vez, uma experiência que ele guarda consigo até hoje. “A experiência foi boa, fiquei feliz por estar exercendo meu direito, mas não era tão próximo da minha casa e tive um pouco de dificuldade nas ruas e calçadas”, relembra o jovem.

Após relembrar a experiência do primeiro voto, ele acrescenta que foi acompanhado de sua mãe, fato que tornou o processo de locomoção mais tranquilo. Mas hoje em dia, ele relata que se locomove para outros lugares sozinho, incluindo o trajeto até a sua zona eleitoral, que não fica próxima da sua casa.

Nas periferias e favelas é comum em ano eleitoral que determinados candidatos utilizem a força política do seu mandato, como por exemplo, verbas de emendas parlamentares para iniciar um processo de asfaltar trechos de ruas e avenidas, pintar calçadas e sinalizações como faixas de pedestre e meio fio.

Mas essa jogada política não é o bastante, segundo Barbosa. Para ele, as ruas e estradas precisam passar por algum tipo de manutenção contínua, para ajudar outros cadeirantes que possuem dificuldades de locomoção.

“A principal demanda é facilitar locomoção, inclusive, certos processos para que a gente não tenha tanta dificuldade. No meu bairro tem bastante lugares de difícil locomoção”

Felipe Barbosa, jovem cadeirante, de 22 anos e morador do bairro Cidade Ipava.

O que diz o TSE sobre acessibilidade nas eleições

O site institucional do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriga uma série de informações de utilidade pública que tem como objetivo amparar o eleitor com a oferta de serviços públicos que viabilizem o exercício do direito de votar.

No contexto da acessibilidade às zonas e seções eleitorais, que representa as salas e prédios onde a população com deficiência física ou com mobilidade reduzida realizam a votação, o TSE disponibiliza os seguintes serviços e orientações:

– Para deficientes visuais, as urnas eletrônicas possuem o teclado com letras e números em braile, possibilitando que o número dos candidatos sejam identificados pelos eleitores.

– Outra solução de acessibilidade importante é o recurso de áudio também voltado aos eleitores com deficiência visual. Pela primeira vez, eles poderão ouvir nestas eleições os nomes dos candidatos titulares, bem como os nomes de vices e suplentes na hora de votar.

– Para a comunidade surda, que tem a audição comprometida, as urnas eletrônicas contarão pela primeira vez com um intérprete de Libras na tela da urna, para indicar em qual cargo e candidato o eleitor está votando.

– Para cadeirantes e portadores de deficiência com mobilidade reduzida, será possível solicitar uma transferência temporária do local de votação, caso seja distante da sua casa, para um local mais próximo e com melhor infraestrutura de atendimento ao eleitor. Para isso, é necessário fazer essa solicitação em qualquer cartório eleitoral. 

Uma das principais atuações de Juarez Pereira é realizar ações que promovem o acesso à informação sobre direitos sociais para pessoas com deficiência. (Foto: Arquivo Pessoal)

 Acesso à direitos

Em 2018, o Brasil tinha 1.023,480 eleitores portadores de deficiência. Em 2020, esse número aumentou para 1.281,427 eleitores, segundo dados do TSE. Esse indicador reforça a importância da adoção de ações que promovam a acessibilidade e a inclusão destes eleitores durante o período eleitoral.

Entre as demandas dos eleitores portadores de deficiência está o acesso à informação, como conta o jovem Felipe. “Ainda falta um certo acesso à informação. Pessoas com condições como a minha tem muitos direitos que não conhecem, muita coisa que não chega até eles. Falo por mim quando eu digo que pessoas nessa condição só querem ser aceitas e inseridas”, argumenta.

Com o período eleitoral chegando, ele deposita no seu voto a esperança de viver dias melhores. “Quando chega o período de eleições, meu sentimento é de querer mudança, de ter esperança que algo mude, que seja diferente, que eu seja aceito e incluso”, enfatiza.

O debate da inclusão de pessoas portadores de deficiência na sociedade como um todo é a principal motivação do líder comunitário Juarez Pereira, morador do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, desenvolver uma série de projetos e ações solidárias voltadas a população com deficiência física e mobilidade reduzida.

“As pessoas que estão ficando agora com deficiência, a gente já está procurando dar um informativo, e também fazer um trabalho em conjunto com a Secretaria das Pessoas com Deficiência e a prefeitura para que se crie uma plataforma para informar melhor as pessoas”

Juarez Pereira é cadeirante e líder comunitário, desde 2014 ele luta pelos direitos de outras pessoas que vivem essa realidade.

Por ser cadeirante, Juarez conhece de perto o drama de quem depende de políticas públicas para ter uma qualidade de vida nas periferias e favelas, por isso, ele já se candidatou a vereador na cidade de São Paulo, e chegou a receber 12 mil votos.

Segundo o líder comunitário, as zonas eleitorais nas periferias precisam ser adaptadas para receber a população portadora de deficiência. “Tem muitas pessoas que acabam voltando para casa por essa falta de acessibilidade. E isso está garantido em lei também, que a pessoa vá lá no Tribunal Regional Eleitoral e faça o pedido da mudança e da acessibilidade, entendeu? E essa pessoa tem o direito de ter um local acessível na escola”, explica.

Na última eleição, ele relata que recebeu uma denúncia de uma eleitora que mora no Jardim Aracati, um dos bairros que compõe o distrito do Jardim Ângela, que solicitou antes de votar que a escola fosse adaptada para que não tivesse dificuldades em chegar em sua sessão, mas que além de não ter sido atendida, passou por uma situação constrangedora, onde outras pessoas pegaram ela no colo e subiram as escadas na frente de todos os eleitores presentes.

Juarez considera que é de extrema importância às pessoas portadoras de deficiência física buscaram entender as leis que regem suas realidades e os direitos que possuem, como por exemplo a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência) que tem por objetivo a promoção, em condições de igualdade, do exercício dos direitos e liberdades fundamentais pela pessoa com deficiência, por meio, principalmente, da inclusão social.

Ainda sobre os direitos dessas pessoas com deficiência, Juarez conta que as mesmas pessoas têm o direito de ter uma cadeira de rodas, e que podem solicitar esse benefício, que inclusive exige um tempo de espera de 3 a 6 meses, mas que existe, e muitos delas não sabem.

“Na realidade é uma falta de informação, porque tem muitas pessoas, muitos deficientes, que não sabem dos seus direitos e quando acabam sabendo dos direitos e vão procurar, o poder público acaba dificultando”, critica o líder comunitário.

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