Thainara Silva: psicóloga se dedica a levar saúde mental para mulheres nas periferias

A série Terapeutas da Quebrada mostra a trajetória de vida de psicólogas que fizeram de tudo para abrir um consultório nas periferias, em busca de garantir que os moradores tenham acesso aos cuidados com a saúde mental.

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Desde o momento em que jovens de quebrada ingressam na universidade, eles lidam com uma série de obstáculos para me manter estudante e ingressar no mercado de trabalho. Essa realidade faz parte da trajetória de Thainara Silva, 28, psicóloga e moradora do Jardim Aracati, zona sul de São Paulo.

Atualmente, Thainara possui um consultório onde atende seus pacientes no bairro Chácara Santo Antônio, região de Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Mas para chegar até aqui e desfrutar da conquista de construir o próprio negócio, segundo ela, foi necessário enfrentar conflitos na família, fato que contribuiu para que trancasse pela primeira vez a faculdade de psicologia.

“Foi na época que meu pai descobriu (como lésbica), eu estava ficando com outras mulheres, eu me reprimi por muitos anos. E quando ele descobre e me rejeita, foi um dos meus primeiros contatos com a rejeição familiar. Ele ficou um ano sem falar comigo, então eu saí de casa”, relembra a psicóloga.

Além da rejeição familiar, outros problemas surgiram, pois ela precisou fazer transferência de campus universitário, por ter se mudado de casa, e isso prejudicou a rotina de estudos de Thainara.

Após esse conflito familiar que durou mais de um ano, ela retornou para a casa dos pais, e sofreu um acidente, tendo que trancar novamente o curso, momento que deu origem a mais uma fase complicada em sua trajetória de vida. 

“A graduação é muito dolorosa pra quem é periférico, porque você tem que trabalhar normalmente. Ou você tenta uma bolsa, senão você tem que trabalhar para pagar a faculdade”

desabafa.

Nesse meio tempo, ela conseguiu um trabalho numa clínica, onde trabalhava como recepcionista. Neste local de trabalho, surgiram muitas situações difíceis, tendo que lidar com o preconceito dos pacientes que frequentavam, mas que precisavam superar por não ter outra opção de emprego e renda, para pagar a faculdade.

“Eu ganhava seiscentos reais na faculdade, e na época eu tinha que pagar a terapia que era trezentos e pouco… Aí eu ficava só com trezentos reais pra passar o mês, tinha que trabalhar, estudar, comer e pagar as coisas, sempre tudo muito difícil”, conta Thainara.

Essas experiências de vida que aconteceram durante a presença na universidade contribuiu principalmente para que a psicóloga começasse a ter problemas de ansiedade e alguns episódios depressivos, que segundo ela, era o principal motivo de se sentir mal com as relações pessoas, profissionais e com a vida, o que a levou a ter pensamentos de suicídio.

Todo esse processo também foi importante para ela entender em qual área específica da psicologia ela gostaria de se especializar e trabalhar com seus futuros pacientes. “Eu tinha muita idealização suicida, eu falava muito sobre morte. Tanto que eu falo que meu carro-chefe pra trabalhar com pessoas é o suicídio, porque eu senti na pele o que era pensar nisso”, relata.

Durante a pandemia, Thainara transformou um cantinho da sua casa em consultório, para realizar atendimentos online.

Com tudo isso acontecendo, Thainara conseguiu se formar mas ainda assim, não tinha conseguido se realizar na área, foi aí que ela decidiu usar o salão de cabeleireiro da sua mãe, que fica na garagem da casa onde ela morava.

Ao frequentar o estabelecimento durante os períodos de atendimento, ela passou a conhecer e prestar atendimento para algumas clientes, que segundo sua mãe relatavam ter problemas relacionados a questões emocionais.

“Comecei a ter contato com a psicologia dentro da comunidade, porque eram pessoas em situação de vulnerabilidade. Só que aí eu só pegava caso bomba, se tem pessoas que tem problemas e questões emocionais para serem resolvidos é a população periférica”, pontua.

Diante deste cenário, a psicóloga passou a buscar um espaço para alugar e para ser só seu em sua região para atender essas pessoas, saindo ali do ambiente do salão de beleza, mas se deparou com preços de aluguel muito altos e fora do seu alcance de investimento.

Nesta época, os valores de locações de salas para instalar o consultório variava de R$1mil a R$1.200,00 por sala, e segundo ela, mesmo tendo se esforçado para continuar ali e tentado uma sala no seu território, não foi possível conseguiu suprir o valor do aluguel, e também não estava disposta a aumentar o valor das sessões com as pacientes que atendia, que em sua maioria eram mulheres.

Depois de pesquisar e conversar com alguns colegas de profissão, ela decidiu alugar uma sala com o pagamento do aluguel divido com outra profissional da área de terapia, localizado colega na região da Chácara Santo Antônio, bairro que oferece fácil acesso ao público da terapeuta.

“Eu assinei o contrato do consultório no dia 8 de março, dia internacional da mulher. E foi tão simbólico que estava atrás de mulheres, pra me ajudar a pôr o papel de parede, pra montar o consultório, porque eu queria só mãos femininas na construção do espaço”

destaca Thainara

Atualmente, Thainara segue com seus preços simbólicos para pessoas moradoras das periferias em situação de vulnerabilidade social, garantindo que as pessoas se sintam acolhidas e respeitadas em seu local de trabalho.

“Eu queria que a pessoa que pisasse no meu consultório, sentisse o máximo de conforto e acolhimento possível, e eu não tinha tido essa vivência nos consultórios que eu passei, era tudo muito frio. Eu não vou ser essa psicóloga”, concluiu.

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