“A gente compra com frequência”: água vira mercadoria às margens da represa Guarapiranga

Edição:
Ronaldo Matos

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Sem o fornecimento de água garantido, comprar água em mercados da região e unir forças com vizinhos tem sido uma forma de sobreviver para os moradores do bairro Vila Gilda.

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Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Àgua, mas para moradores das periferias e favelas, a data não é tão comemorativa assim. O motivo: o fornecimento de águas nos territórios periféricos está sendo gravemente afetado por empresas públicas que deveria garantir esse direito.

Nos mercados do bairro Vila Gilda, território localizado às margens da represa Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, o Desenrola apurou que o preço da garrafa de água com 500ML varia entre R$2,59 e R$3,30. E os galões de 20L custam entre R$24,99 e R$31,00. A diferença nos preços depende da marca que produz e distribui os produtos no comércio da região.

“A gente compra com bastante frequência o fardo fechado para fazer comida, limpar a casa, e fazer os doces da lanchonete, porque a gente não consegue comprar o galão, então a gente gasta bastante com essas garrafas menores ou aquelas de dois litros”, relata a estudante Gabryely Rodrigues, 18, que mora no bairro Vila Gilda, numa rua em frente a represa Guarapiranga.

“Fiquei uma semana sem ir pra escola”

Gabryely Rodrigues é estudante e mora no bairro Vila Gilda.

Para complementar a renda da família durante a pandemia de Covid-19, os pais de Gabryely decidiram transformar um cômodo da casa onde moram no Vila Gilda, em uma lanchonete. Deste então, a falta de água na região tem dificultado manter o negócio funcionado.

Além disso, a falta de água no bairro tem afetado também a rotina escolar da estudante. “Fiquei uma semana sem ir pra escola”, conta ela, afirmando que de uns tempos para cá, a falta de água tem virado uma rotina que chega a durar dois dias consecutivos.

A estudante revela que a família e vizinhos consomem a água que vem direto na torneira, fato que faz ela perceber algumas mudanças negativas, como cheiro forte e mudança na coloração. “Dois vizinhos daqui da rua ficaram com mal estar uns dois dias, após beber dessa água”, conta a jovem. 

“O problema é: ou o proprietário faz, ou ninguém faz. O pessoal se une, cada um faz sua parte”

Gleica Andrade é vizinha Gabryely e reside há 20 anos no bairro Vila Gilda. 

Outra moradora que enfrenta o descaso da SABESP com o fornecimento de água na região é Gleica Andrade, moradora que reside há 20 anos no bairro Vila Gilda, localizado às margens da represa Guarapiranga.

Segundo a moradora, o tormento começa quando ela faz a solicitação do serviço para restabelecer a distribuição de água para ela e os seus vizinhos, pois o chamado não é atendido rapidamente ou tratado com prioridade. “Tudo que acontece dali da ponte do Aracati pra cá, que é a redondeza da represa, a gente não é atendido de imediato”, desabafa ela.

Ela diz que os problemas de quem mora na região vai muito além do fornecimento de água e ressalta que mora num bairro esquecido pelo poder público. “Por aqui ser uma área manancial, como eles (órgãos competentes) alegam, eles falam que não tem o que fazer, só que na verdade tem. O problema é: ou o proprietário faz, ou ninguém faz. O pessoal se une, cada um faz sua parte”, enfatiza a moradora.

Ela complementa afirmando que essa união dos moradores é fruto do não atendimento do órgãos responsáveis pelo fornecimento de serviços ligados ao funcionamento e manutenção das redes de água e esgoto da região, pois a cada novo chamado para resolver problemas, a população local não é atendida.

Água como mercadoria 

Segundo a educadora e integrante da Coalizão Pelo Clima, Nara Lasevicius,30, o poder público está precarizando o direito à água nas periferias.

Como exemplo deste cenário, ela citou uma ação do coletivo que aconteceu no início da pandemia, em 2020, onde foram mapeados uma série de bairros nas periferias de São Paulo, que estavam tendo ao mesmo tempo a falta d’água.

Naquela fase da pandemia, estavam sendo adotadas as primeiras medidas cruciais de higienização em prol de evitar a proliferação da Covid-19, então havia uma dependência fundamental do acesso à água. Foi nesse processo que a Coalizão Pelo Clima descobriu uma série de bairros que estavam com dificuldades no acesso à água de qualidade.

“A gente levou isso para o poder público, para que pudessem regularizar a distribuição de água. E trouxe ali alguns ganhos, embora a gente saiba que essa questão da água, ela vem passando por um processo de muita precarização do serviço nos últimos 8 anos que é quando parte da Sabesp foi comprada”, explica Nara.

O termo “Justiça Ambiental” foi o que Nara citou durante entrevista, trazendo uma reflexão de como as questões ambientais afetam os moradores das periferias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, pois tudo depende de onde você mora, como mora e porque mora naquele local em específico e as consequências também são específicas e desiguais.

“É comprovado que as tragédias ambientais, as mudanças climáticas, todos esses problemas voltados ao meio ambiente, afetam de forma diferente e específica as populações mais vulneráveis socialmente”, pontuou.

A Coalizão Pelo Clima possui como motivação principal a luta pelo direito à água, pois as grandes corporações atuam para transformar esse recurso essencial à vida em uma mercadoria. “Tem direção ofensiva dessas grandes corporações, no sentido de negar explicitamente que a água seja um direito humano, e que por isso ela poderia ser comercializada”, expôs Nara.

Nara também pontuou que na maioria das vezes, são essas corporações que estão por trás de fóruns e eventos importantes que decidem sócio e economicamente para que lugar será levada e de que forma a água será manipulada dentro da sociedade.

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