“Comunidade está de pé, não vamos sair”: a luta do Chaparral contra a ameaça de reintegração de posse

Famílias residem no local há mais de dez anos; mobilização de moradores conseguiu interromper as demolições que vinham sendo feitas pela CDHU
Por:
Jéssica Calheiros
Edição:
Simone Freire

Leia também:

Cerca de 2 mil famílias vivem atualmente na comunidade Chaparral, no distrito da Penha, Zona Leste de São Paulo. Apesar de realidades distintas, cada uma delas compartilha o mesmo objetivo: lutar pela regularização de seus terrenos.

Márcio Vale, morador e presidente da Associação de Moradores União e Fé (Foto: Arquivo Pessoal)

 “A comunidade está de pé, não vamos sair”, diz Márcio Vale, morador e presidente da Associação de Moradores União e Fé.

A favela, também conhecida como Kampala Chaparral, corre contra o tempo desde que recebeu uma ameaça de reintegração de posse da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), em junho deste ano, com o prazo inicial de três meses para deixar o local, que é ocupado há mais de dez anos. 

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.

Ao portal Metrópoles, a CDHU informou que parte da área da comunidade será destinada para a extensão da Linha 2-Verde do metrô, que conecta a Vila Madalena com a Vila Prudente.

No meio do ano, a CDHU chegou a iniciar demolições e descaracterização de casas das famílias que deixaram o local. “É um perigo, pode cair tudo em cima de quem está do lado”, conta preocupada Maria Valderez Trajano, de 69 anos, costureira e uma das primeiras moradoras.

Antes de ir para lá, ela vivia no Parque Novo Mundo, na Zona Norte da cidade, e se mudou em busca de melhores condições de vida e independência financeira. “Quando cheguei aqui, tinha só três barracos: dois cobertos de telha e um de lona”, relembra. “Passamos por muitos problemas para construir, e nós estamos aqui”, reforça.

Maria Valderez Trajano ao lado de voluntários da ONG TETO em 2014, organização que constrói moradias emergenciais em comunidades vulneráveis. Foto: arquivo pessoal.

Em setembro, as demolições foram interrompidas durante 28 dias, após forte mobilização dos moradores, entre elas, um ato que bloqueou parte da Marginal Tietê em agosto.

Manifestantes da comunidade Kampala fecharam a Marginal Tietê, na altura da Ponte Aricanduva, em protesto contra a desocupação. O ato, realizado na noite de 11 de agosto de 2025, foi pacífico. Foto: Márcio Vale.

Outra frente de ação conjunta dos moradores foi a contratação de um escritório de advocacia para cuidar das questões burocráticas na Justiça. Cada família tem contribuído com uma taxa mensal para garantir a continuidade do processo movido pelos moradores contra a reintegração.

“A nossa luta é para que a gente permaneça, para que o governo regularize essa terra e para que cada morador possa ter o título, pagar seu IPTU e ser dono do seu lote, da sua casa”, afirma Márcio.

Assim como as casas, os pequenos comércios também vêm sendo descaracterizados e abandonados — deixando moradores sem parte essencial de sua renda e aprofundando o impacto da reintegração no cotidiano da comunidade. Foto: Jéssica Calheiros.

O surgimento do Chaparral

A área em que atualmente existe a Chaparral tem um histórico de luta por moradia. Em 2010, o local chegou a abrigar cerca de 2 mil famílias (incluindo as comunidades do Kampala e Tiquatira), que foram retiradas pela Prefeitura.

A promessa era de que ali seria feita uma expansão do Parque Linear Tiquatira Engenheiro Werner Eugênio Zulauf, o primeiro parque linear da cidade, localizado na divisa dos distritos da Penha e Cangaíba. A expansão do parque, porém, nunca ocorreu e a área permaneceu desocupada durante anos.

Em maio de 2014 ela voltou a ser ocupada por pessoas, muitas delas, recém expulsas de outras ocupações, formando o que hoje é conhecido como Chaparral.

A comunidade Chaparral não aparece nos aplicativos de mapa: enquanto os condomínios privados são registrados, nem mesmo os prédios da CDHU são reconhecidos como parte do território, invisibilizando quem vive ali. Foto: Reprodução Google Maps (captura de tela).

Memória e pertencimento 

Entre os moradores, é comum ouvir histórias que revelam a luta diária para conquistar o direito à moradia. Cada casa representa anos de esforço coletivo e reconstruções.

É o caso de Maria Eunice Teixeira, de 58 anos, diarista. Ela construiu sua casa com ajuda da mãe, do marido e do filho, após deixar Itaquaquecetuba em busca de uma casa própria.

Primeiro fizemos um barraco, que enchia de água quando chovia. Depois, fomos construindo, devagarzinho, com o dinheiro que podíamos” – Maria eunice teixeira

A casa, que começou de forma simples, hoje é a principal lembrança de Maria Eunice com sua família.

“Meu marido morreu, meu filho foi morar na Bahia junto com a família dele e minha mãe também faleceu. Hoje sou só eu.”

Parte das casas já passa por descaracterização, com portas e janelas fechadas à base de tijolos durante o processo de reintegração. Foto: Jéssica Calheiros

Assim como Maria, outros moradores relatam o vínculo afetivo com o território e o quanto a possível remoção representa mais do que a perda de um imóvel, mas também o apagamento de suas histórias.

As negociações

Até agora, segundo o presidente da Associação de Moradores, a CDHU não tem oferecido condições viáveis para que as famílias consigam recomeçar em outro local. 

Segundo ele, a companhia ofereceu o pagamento de R$ 2,4 mil em parcela única e um auxílio-aluguel de R$ 800 por mês, até que novas moradias sejam entregues — algo que ainda não tem prazo nem endereço definido, o que aumenta a incerteza entre os moradores. 

De acordo com dados da COHAB-SP (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) divulgados em 2023, mais de 180 mil pessoas aguardam na fila por um imóvel popular na cidade de São Paulo. Enquanto esperam, muitas famílias acabam ficando reféns do auxílio-moradia, um benefício temporário que, na prática, não acompanha o alto custo de vida da capital.

Segundo o índice FipeZap (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), São Paulo lidera o ranking nacional de aluguéis, com o valor médio de R$61,63 por metro quadrado, o que faz da cidade a mais cara do país para se alugar um imóvel.

Galeria de Fotos

Os registros de imagens feitos por Jéssica Calheiros mostram a realidade atual do Chaparral — casas demolidas, comércios fechados e a mobilização de quem luta para seguir no território. As imagens ajudam a preservar a memória deste momento e mostram, sem filtros, o impacto da ameaça de reintegração na vida das famílias.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação do laboratório de produção de conteúdo Você Repórter da Periferia 2.0 (VCRP 2.0), programa de educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.