O empreendedorismo negro no Brasil é um campo em evolução, com muitos desafios, mas também com uma crescente conscientização e esforços no combate as desigualdades histórica e promoção da inclusão econômica e social. Em entrevista a Franciele Ladislau , aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista – promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, Adriana Barbosa, uma das principais referencias afro-brasileiras, empreendedora e fundadora da Feira Preta, maior evento de cultura negra da América Latina, destaca que o empreendedorismo negro é mais do que uma atividade econômica, é sobre identidade e ancestralidade do povo negro, no modo de gerir os negócios desde a escravidão.
Para que o mercado cresça, Adriana Barbosa chama atenção para duas questões fundamentais: o primeiro refere-se a desconstrução da mentalidade onde o sujeito sai do papel de enxergar seu negócio como uma mera fonte de sobrevivência e passa a entender aquela atividade como uma oportunidade de ter a própria empresa. O segundo fator vai de encontro com a criação de políticas públicas que fomentem a expansão desse segmento, como um marco regulatório de empreendedorismo negro no Brasil.
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Franciele – Você Repórter da Periferia: Quando você iniciou, você imaginou o impacto do movimento econômico que a Feira Preta iria trazer? Você já olhava para esses empreendedores como uma potência? Como?
Adriana Barbosa: Eu via que existia a potência, mas eu não sabia que geraria o impacto como é hoje. Não só a Feira Preta, mas o empreendedorismo negro no Brasil. Eu comecei vendendo minhas roupas em feiras de rua como expositora e eu via as outras pessoas pretas como eu, também tentando fazer, se virar, tentando sobreviver. E foi a partir dali que veio a construção da Feira Preta, foi quando fui entender que essa prática é ancestral dos mercados africanos, é uma vocação nossa, as relações comerciais, o empreendedorismo, trazer essa identidade para o produto e ali eu consigo enxergar o quanto poderoso poderia ser a gente construir o mercado de consumo para a população negra no Brasil. O objetivo era esse, essa prática da necessidade, virar uma prática por oportunidade e com qualidade.
Franciele – Você Repórter da Periferia: O que mudou no empreendorismo negro de 20 anos pra cá pensando no papel da Feira Preta?
Adriana Barbosa: Acho que a principal mudança foi a gente construir o mercado de consumo da população negra no Brasil, a partir da prática do empreendedorismo negro com engajamento racial, que mais para frente vira o tal do “black money”, o conceito americano. Então hoje tem uma consciência política de pessoas pretas com letramento racial em consumir de empreendedores negros e se aumenta esse desejo de consumo, aumenta a produção. Então eu acho que essa é a grande mudança que a gente teve.
Franciele – Você Repórter da Periferia: Segundo uma pesquisa do SEBRAE, com dados do IBGE, referente a 2022, o número de mulheres empreendedoras vem crescendo no Brasil. Pensando nisso, como o seu negócio pode incentivar novas lideranças femininas?
Adriana Barbosa: É o que a gente tem feito nos últimos 20 anos: estimular mulheres negras a se apropriarem do seu fazer, porque muitas vezes, elas já são empreendedoras, mas elas falam, não só tô vendendo uma tapioca, eu só tô fazendo um negocinho aqui e na verdade não, elas são empreendedoras. E o dia que ela se reconhecerem nesse lugar, desenvolve a auto-estima e uma mentalidade de se apropriar desse lugar, aí a gente vai para um outro patamar, porque senão a gente vai ficar na precarização do mercado de trabalho e é isso que eu acho que a gente quer contribuir nessa jornada do empreendedorismo negro no Brasil, para que seja um lugar de estratégia para a população negra.
Franciele – Você Repórter da Periferia: Tem alguma coisa que você queira trazer e que não perguntamos?
Adriana Barbosa: Sim. Quero ressaltar que a gente não é mão de obra, a gente tem um processo intelectual, ele não é só executor, não é só um serviço braçal, porque a construção do imaginário para a população negra no Brasil era do serviço braçal. Então eu acho que se a gente conseguir alastrar esse processo de autoconhecimento e conhecimento da história de onde ela vem. Tem o texto da Chimamanda, da nigeriana, que fala sobre o perigo de uma única história, a gente precisa contar novas histórias, elas precisam se ver nessas outras histórias, Essa é a sua história. Isso faz parte de você. Isso faz parte da sua construção, do que representa você nesse país.