Fotorreportagem

Maracatu Ilê Aláfia: uma história de luta e cuidado na periferia de São Paulo

Edição:
Evelyn Vilhena

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Através de ações com a comunidade local, o Ilê Aláfia, grupo de Maracatu que surgiu no Jabaquara, zona sul de São Paulo, vem atuando na disseminação de arte, cultura e lazer, com crianças e jovens de diversas regiões periféricas.

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Grupo Ilê Aláfia em apresentação na comunidade do Vietnã, no distrito do Jabaquara, zona sul de São Paulo. Foto: Mateus Fernandes.

O acesso e fortalecimento à cultura nas periferias, é um dos temas de constante discussão, luta e ação entre coletivos e movimentos periféricos, que criam possibilidades e perspectivas nos territórios. Pensando em atender a comunidade e criar espaços culturais nas periferias, em 1999, nasce no Jabaquara, zona sul de São Paulo, o grupo de Maracatu Ilê Aláfia.

O grupo surgiu como um projeto de extensão cultural, que por meio de manifestações da cultura popular afro-brasileira, possibilita à população acesso a arte, lazer, conhecimento e informação. 

O início

Segundo dados do Censo Demográfico, do IBGE, dos mais de 200 mil habitantes do distrito do Jabaquara, 34,2% se autodeclaram como negros. Este cenário foi um dos influenciadores para que o grupo de maracatu Ilê Aláfia, se fixasse na região. O grupo nasceu como um projeto social no espaço ACM CDC – Centro de Desenvolvimento Comunitário Leide das Neves, como conta Audrey Manfredini, integrante da coordenação geral e da percussão do grupo.

Audrey Manfredini é uma das artistas que compõem o grupo Ilê Aláfia. Foto: Mateus Fernandes

“Num primeiro momento, conta-se a história, que as criadoras do grupo gostariam muito de trabalhar com linguagens dentro das culturas tradicionais que valorizassem a negritude. Por que isso? Porque o CDC está inserido num bairro periférico e grande parte das crianças são crianças pretas”

afirma Audrey, sobre uma das motivações para a criação do grupo há 22 anos atrás.

Audrey conta que o grupo de maracatu foi criado por Nelci Abilel e Maria Conceição, e ao contrário de outros grupos percussivos, o Ilê Aláfia não começou a trabalhar o maracatu pela parte musical, mas sim pela dança.

A artista afirma que Nelci Abilel, uma das fundadoras, conta como o maracatu encantou as crianças pelo fato de ter um rei e uma rainha negros. Fazendo com que as crianças quisessem se aproximar desse lugar, além da questão da musicalidade.

Ela também relata que outra fundadora do grupo, Maria Conceição, uma mulher negra e dançarina, sempre trabalhou com linguagem corporal, tradições culturais e formações artísticas, todas dentro dessa temática. Assim, Conceição trouxe esse corpo no maracatu para as crianças e conforme foram surgindo mais integrantes, foram atrás dos instrumentos de percussão.

Percussão do grupo Ilê Aláfia em apresentação. Foto: Mateus Fernandes.

Aos poucos o projeto foi agregando as famílias dos alunos e se tornou mais que uma atividade programada apenas para os estudantes ao longo da semana, e passaram a ser um projeto de extensão realizado aos sábados, unindo ainda mais pessoas da comunidade.

Um dos objetivos do grupo é fomentar o território, como relata Audrey: “Não é só ir lá, colocar uma roupa bonita, pegar um instrumento, cantar, tocar, dançar e tchau”, reforçando a ligação do maracatu com as pessoas e comunidades.

O Ilê Aláfia também abriu espaço para pessoas além do território no Jabaquara, como é o caso da Audrey, que é de Santo André e ingressou no grupo em 2014. Hoje, o Ilê tem entre os seus integrantes pessoas de diversas localidades de São Paulo, desde participantes da zona leste até o extremo da zona sul.

Apresentação do grupo no evento “O Mundo Jabaquara”. Foto: Mateus Fernandes

O Ilê Alafia nasce de um projeto social e ainda se mantém com essa característica. A ideia é ajudar e estar presente para as pessoas que integram o coletivo, além de buscar formas e ações específicas de atuação externa, como uma rede de apoio, para ganhar ainda mais força nos territórios que atuam, como conta Audrey:

“O maracatu é música? É. O maracatu é dança? É. Mas o maracatu é além disso. É união, é troca, é essa essência, é esse cuidado existente principalmente das periferias das grandes capitais”

O evento “O Mundo Jabaquara” ocorreu na comunidade do Vietnã, no bairro Vila Santa Catarina, distrito do Jabaquara. Foto: Mateus Fernandes.
Apresentação do grupo Ilê Aláfia. Foto: Mateus Fernandes
Apresentação do grupo Ilê Aláfia. Foto: Mateus Fernandes

Há 4 anos, o grupo Ilê Aláfia se desvencilhou do ACM CDC Leide das Neves, período em que o grupo passou a não ter o apoio de uma instituição e os seus integrantes, crianças e adultos, também começaram a entender a função de cuidar não só da continuidade desse trabalho no aspecto artístico, mas também no aspecto social.

“Depois de dezoito anos de existência a gente se desvinculou desse CDC, a gente ficou maior de idade, digamos assim. Nosso maracatu de deixa de de existir abaixo desse CDC e ele passa a ser gerido pela própria comunidade ”

conta Audrey.

Há 22 anos, o grupo cria espaços de encontros, rodas de conversas, formações, incentivando a dança e a música, unindo o saber e a cultura popular as raízes afro-brasileiras através do maracatu, e buscam seguir o propósito do nome que carregam enquanto Ilê Aláfia, como casa da felicidade.

Readaptação das atividades

Em 2020, o grupo foi contemplado pelo Programa de Fomento à Cultura da Periferia, que previa atividades como rodas de conversas com discussões sobre temas voltados para intolerância religiosa, afroempreendedorismo, culturas tradicionais do Jabaquara e história da população negra. Devido a pandemia, tanto essas rodas de conversa como as formações de dança e música, acabaram se tornando encontros virtuais.

As dificuldades de acesso a internet, que é uma questão para muitos moradores das periferias, também atrapalhou o grupo. Os encontros online acabaram tendo poucos participantes e a falta de acesso a internet foi um fator chave, sendo que grande parte do público atendido é composto por crianças que moram nas periferias.

O grupo fez um levantamento e constatou que a maior parte delas utilizavam o celular dos pais, muitas vezes com plano de internet limitado. “Essas crianças, a gente fez um levantamento pela internet mesmo, elas utilizavam o celular dos pais né? Aquele plano de internet já limitado e na hora que o pai, a mãe, a vó ou o responsável pudesse. E nem sempre dava”

Robson Vicente, Vinicius Cruz, Pedro Henrique Silva e Julio Cesar Silva, integrantes da percussão do Ilê.

Segundo pesquisa realizada pelo CETIC – Centro de Tecnologia, Inovações e Comunicações, para avaliar o acesso à tecnologia, 30% das casas no Brasil não têm acesso à internet. Nas classes D e E, este percentual alcança 59% dos domicílios que não acessam a internet e 85% das pessoas que acessam, usam a internet apenas pelo celular.

A cidade de São Paulo possui cerca de 7.509 estações de telecomunicações, segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações. O número parece alto, porém, na prática há uma grande desigualdade na conexão de internet em bairros nobres e periféricos de São Paulo.

Todos esses fatores limitam o acesso à conexão para as crianças. Além de acabarem usando a internet na hora que a mãe, pai ou responsável podem emprestar o celular, havia também momentos que ocorria o acesso a esse celular, mas não a conexão com a internet.

Devido às dificuldades e ao agravamento da pandemia, o grupo optou por dar um tempo nas atividades e só agora está retornando ao presencial:

“Tem quem não queira voltar até tomar a segunda dose. Tem quem quer voltar só se for presencialmente porque não aguenta mais a questão virtual. Tem quem acabou se afastando do maracatu , com o distanciamento da pandemia, enfim, tem uma série de coisas e nesse momento preferimos se afastar”

compartilha a coordenadora do grupo.

Sidcleia é dançarina no grupo Ilê Aláfia. Foto: Mateus Fernandes

O primeiro reencontro presencial do Ilê Aláfia durante a pandemia, aconteceu em junho deste ano, com um time reduzido. Convidados pela subprefeitura do Jabaquara, que está realizando uma série de ações no território voltadas à comunidade, o grupo está fazendo algumas apresentações dentro do circuito. Uma dessas apresentações foi no evento “O Mundo Jabaquara”, que ocorreu em setembro deste ano.

Após as apresentações, o grupo faz seu agradecimento, o Axé. Foto: Mateus Fernandes.

O grupo planeja voltar totalmente presencial ainda este mês de outubro, e a partir disso, pensar nos próximos passos ainda com todos os cuidados necessários com a pandemia, pois há pessoas no grupo que ainda não se sentem seguras em voltar:

“Todas essas questões são legítimas e a gente tá programando essa tentativa de uma primeira volta a partir do mês de outubro, pra gente ir tentando entender mais ou menos como é que isso pode acontecer.”

finaliza Audrey, ressaltando que o grupo entende as vontades e receios de seus integrantes para poder acolhê-los e continuarem aplicando o significado do nome Ilê Aláfia: Casa da Felicidade.

Confira as redes sociais do grupo Ilê Aláfia :

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