Espaço cultural de combate ao encarceramento da população LGBTQIA+ pede ajuda para não fechar

A Casa F.Ú.R.I.A. é um projeto criado pela Cia. dxs Terroristas, coletivo que desenvolve intervenções artísticas há quatro anos, para denunciar o impacto do sistema prisional na vida da população LGBTQIA+.
Edição:
Ronaldo Matos

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Desde 2020, o espaço cultural independente Casa F.Ú.R.I.A (Frente Unificada de Resistência Interseccional Abolicionista), localizada na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, combate o encarceramento da população LGBTQIA+, aproximando estas pessoas de projetos de arte e cultura, para geração de trabalho, renda e promoção da liberdade de expressão.

A iniciativa é da Cia. dxs Terroristas, coletivo de terrorismo poético, que assume esse nome a partir do momento que são chamados de ‘Terroristas’ por um pastor evangélico que gerenciava um Centro de Educação Unificado (CEU) na região da zona norte de São Paulo.

“A zona norte é o território mais conservador da cidade de São Paulo. Aqui, a gente morre ou a gente apanha. Então, a gente começou a pensar formas de criar outras possibilidades de se expressar e a arte é um lugar comum para todas nós”

Murilo Gaulês, 36, morador da Vila Guilherme e fundador da Casa F.Ú.R.I.A.

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Uma das pessoas que atuam no projeto e reforça a importância da permanência do espaço cultural independente é Carla Mendes, mulher trans, de 33 anos, nascida no Estado do Amapá, mas que desde os 17 anos mora em São Paulo. Ela frequenta a Casa F.U.R.I.A há dois anos.

“Desde que eu conheci esse projeto, há dois ano, estou trabalhando com eles, e isso me tirou da prostituição, e hoje pago meu aluguel com isso, foi uma luz no final do túnel”

Carla Mendes conquistou autonomia financeira com o apoio da Casa Furia.(Foto: Diego Nascimento)

Política pública de cultura

Em 2020, o espaço cultural conquistou o edital da Lei de Fomento à Cultura das Periferia, política publicada de apoio financeiro a grupos culturais gerida pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que possibilita a manutenção e criação de espaços culturais independentes, localizados em territórios periféricos.

O projeto consiste no desenvolvimento de uma série de produções culturais feitas por mulheres trans, como livros, podcasts e curtas-metragens, pautando denúncias sobre o descaso do sistema penal com a população LGBTQIA+.

“A Casa me ajudou a atuar. A minha presença de palco hoje eu vejo que é bem melhor. Eu precisava do trabalho e isso me sustentou. Aqui aprendi coisas que vou levar pro resto da vida”

Ema Alves, 26, artista, moradora do bairro Jardim Hebrom

Encerramento de atividades

Antes da Casa da F.Ú.R.I.A existir com um espaço físico, as atividades da Cia dxs Terroristas eram realizadas na casa do Murilo, mas após ganharem o edital da Prefeitura de São Paulo, o coletivo conseguiu construir uma estrutura melhor, que resultou na construção de um espaço cultural independente. Mas o local está com sérios riscos de ser fechado, devido à falta de recursos financeiros e renda do próprio coletivo, para manter o espaço e o emprego de quem atua no projeto.

“A gente não tem mais condições, só temos dinheiro pra pagar o aluguel dos próximos dois meses e não tem como resolver. Esse trabalho que fazemos de retomada de consciência, construção de comunidade, produção em rede, não precisa da casa para existir, a gente depois arranja outro lugar. Isso me mantém de pé”, argumenta o fundador do projeto.

No primeiro semestre de 2023, a Cia. dxs Terroristas lançou no espaço cultural a peça teatral “Anjos de Cara Suja: o sol é, ou deveria, ser para todas”, intervenção artística que visa refletir como seria o mundo sem prisões.

O espetáculo ganhou reconhecimento internacional e a equipe recebeu um convite para fazer um intercâmbio cultural nos Estados Unidos, mas como algumas pessoas que atuam no coletivo estão respondendo por processos criminais na justiça brasileira, essa oportunidade corre o risco de não se concretizar para o grupo, fato que representa o impacto negativo do sistema prisional na vida da população LGBTQIA+, mesmo quando estas pessoas estão reconstruindo suas vidas.

“Eu tô sempre olhando pra esse lado de dizer: sim, é uma pena que a casa vai fechar, mas o trabalho vai continuar, a gente vai manter a esperança no peito. Pra mim o que mata o sonho não é a casa fechar, o problema é a estrutura do Estado que vai fazendo a gente fracassar”, conclui o criador do projeto. 

 

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