Em Guaianases, projetos impactam autonomia e a vida de quem envelhece na periferia

Ao contrário do que muita gente pensa, envelhecer na periferia pode significar vitalidade e pertencimento. Pelo menos é o que têm comprovado os frequentadores do projeto Dia Total e da Academia Black Brothers. Com atividades específicas para a população idosa, as iniciativas têm impactado não só a rotina, mas a saúde física e mental de muita gente pela região.
Por:
Jéssica Calheiros
Edição:
Simone Freire

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“Eu tinha diabetes, colesterol, pressão alta. Hoje, está tudo normal”, conta o baiano Leonídio Neto Chagas, 70 anos, aposentado e morador de Guaianases há 50 anos. 

Incentivado inicialmente pela filha, ele participa do projeto Dia Total, realizado de forma gratuita no Parque Linear Guaratiba, e se sente motivado a manter a frequência nas atividades com o apoio dos colegas.

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“O pessoal trata todo mundo igual, seja novo ou velho. Todo mundo abraça como se fosse uma criança. É como se fosse uma família e uma casa”, conta

Reconhecido como destaque do bairro, o projeto existe há mais de 10 anos e mostra como iniciativas comunitárias fortalecem a saúde física e mental de quem envelhece na periferia.

“Estava depressiva por ter me aposentado e uma amiga me indicou o Dia Total. Fui muito bem recebida”, relata Margarete Pereira de Abreu, 52 anos, que frequenta o projeto há seis anos.

Professora aposentada e moradora de Guaianases, Margarete Pereira de Abreu, 52 anos, encontrou no projeto Dia Total acolhimento e motivação após a aposentadoria. Foto: Jéssica Calheiros

Desde então, sua rotina passou por uma grande transformação: ela sai de casa todos os dias às 5h30 para participar das atividades, também começou a frequentar a academia e a pedalar na praia. 

No entanto, ela aponta os desafios enfrentados pelos frequentadores. “O parque era muito sujo. Quando chegamos aqui, limpamos todo o espaço, e agora ele tem respeito. Mas é muito complicado: os banheiros são fechados e praticamente não há policiamento nenhum.” Apesar das dificuldades, ela reforça que o local segue sendo um espaço de acolhimento e superação.

“Hoje, [os frequentadores] entendem que o calo da mão e o suor da testa trazem pra gente o que a gente mais precisa: a coragem, a determinação, a força, a garra, a luta, a esperança — e a esperança não do esperar, a esperança do esperançar.” – Felipe Bezerra, idealizador do Projeto Dia Total.

Felipe Bezerra, diretor na SME-SP e idealizador do projeto Dia Total, atua como mentor emocional e dedica-se a transformar vidas por meio do cuidado e da empatia. Foto: Jéssica Calheiros.

Transformar a vida da comunidade foi o que motivou João Gabriel, 40 anos, a criar e manter, junto com seu primo Rodrigo Augusto, a Academia Black Brothers. “Nosso maior público no projeto é da terceira idade, e 90% são mulheres”, diz. “Aqui no bairro, esse é um público que não têm incentivo ao esporte, não tem apoio.”

Empresário e morador de Guaianases, João Gabriel, 40 anos, criou a Academia Black Brothers ao lado do primo Rodrigo Augusto para oferecer ao bairro as oportunidades que ele gostaria de ter tido na adolescência. Foto: Jéssica Calheiros.

Oportunidade para os frequentadores, mas também para quem programa as atividades. Na Academia Black Brothers, Geraldo Gabriel do Nascimento, de 71 anos, ministra aulas de boxe, incluindo turmas voltadas para pessoas idosas. 

Ele começou a praticar o esporte em 1971, aos 14 anos, e chegou a competir em competições amadoras, mas precisou interromper a prática ao servir na Aeronáutica. Após se aposentar, retomou o boxe na academia do filho. “Essa minha volta é só com o intuito de passar um pouquinho do que aprendi e manter um bom condicionamento físico.”

“Estou com 71 anos, tenho uma vida plena, normal, eu faço de tudo. Graças a Deus, tenho uma ótima saúde. Acredito que os esportes trazem muitos benefícios e são necessários na vida das pessoas.”

Aos 71 anos, Geraldo Gabriel do Nascimento, morador de Guaianases, compartilha sua paixão pelo boxe como professor na Academia Black Brothers. Foto: Jéssica Calheiros.

É preciso mais do poder público

Criada em Guaianases, a psicóloga Mariana Félix, especialista em psicologia organizacional e clínica, explica que a falta de políticas públicas voltadas à população idosa é um problema que afeta diretamente a saúde mental desse grupo.

“Os idosos sofrem muito com a solidão. Nas periferias, faltam centros de acolhimento e atividades voltadas a esse público. São políticas que não são levadas a sério pelos governantes, e, sem atenção adequada, muitos acabam depressivos e sem o respaldo da família, sendo, por vezes, abandonados”, destaca.

Ela explica que o acesso limitado aos cuidados básicos e à informação agrava ainda mais essa realidade, e reforça que a inclusão dos idosos em espaços de convivência é essencial. 

Seu Antônio, conhecido carinhosamente como Toto, é um dos destaques do projeto Dia Total. Foto: Jéssica Calheiros.

“A atividade física é benéfica para todas as idades, mas especialmente para os idosos, pois ajuda a tonificar os músculos e aumenta a disposição. Além disso, estimula neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina — substâncias ligadas ao prazer, à regulação do humor e à memória.”Mariana Félix, especialista em psicologia organizacional e clínica

Para participar, basta chegar ao parque no horário das atividades e se juntar ao grupo. As aulas são gratuitas e abertas a todas as idades!

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação do laboratório de produção de conteúdo Você Repórter da Periferia 2.0 (VCRP 2.0), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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