O Corre Coletivo, grupo localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, está transformando processos pedagógicos para educar jovens nas periferias, por meio da introdução de história em quadrinhos para promover letramento crítico e social. A iniciativa também aposta na criação de uma comunidade voltada para o acolhimento e troca de artistas iniciantes na área de arte educação.
“Nós temos uma enorme possibilidade de utilizar quadrinhos como uma linguagem pedagógica, porque ela é acessível para a juventude”, explica Wesley Silva, coordenador pedagógico do O Corre Coletivo.
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Segundo Silva, quadrinhos como a Turma da Mônica ajudaram a alfabetizar muita gente, fora os clássicos, como Ziraldo, mas o universo digital possibilita outras abordagens de impacto nos leitores. “Além deles, têm os quadrinhos digitais que chegaram com muita força, principalmente as webtiras”, afirma.
Wesley Silva, o Lelo, como é conhecido nas periferias do Grajaú, é formado em artes visuais, pós-graduando em Arte educação: Teoria e Prática na ECA-USP e atua em rede com outros coletivos de arte educação nas periferias do Grajaú, um território com grande diversidade de saberes territoriais.
Combate à desinformação
Em 2020, no auge da segunda onda de Covid-19, O Corre Coletivo, em parceria com o SESC Interlagos, criou o projeto ‘Inimigo Invisível’, iniciativa no começou como uma reunião de artistas para criação de desenhos para colorir, distribuídos para crianças, mas durante o avanço da pandemia de Covid-19, tornou-se uma HQ com super heróis que explica os riscos, traz dados e apresenta métodos de segurança para prevenção de contágio com o vírus.
“Para além de ser um quadrinho, ele ainda é muito educativo. Eu trago a política nas coisas que eu faço, para fazer com que as pessoas reflitam. Só que ao mesmo tempo, eu to ligado que a galera gosta de consumir comédia, besteirol. Eu quero criar coisas assim, que as pessoas achem da hora, só que ao mesmo tempo elas se vejam, porque no geral a gente não se vê, não são feitas por nós, nem para nós”, conta Ciano Buzz, educador e artista visual que participou da criação do Inimigo Invisível.
O artista visual Ciano, morador da Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se define como um “griô do futuro” e busca trazer para dentro de processos educativos em escolas públicas uma visão multisciplinar em relação a arte e ao contexto de ancestralidade da população negra e periférica.
A HQ teve tanto sucesso que recebeu o chamado Oscar dos Quadrinhos, o troféu HQ Mix, na categoria Projeto Especial na Pandemia. Com isso, abriu espaço para o coletivo incentivar novas ações que não somente educassem crianças e jovens por meio dos quadrinhos, mas também abrisse um espaço de diálogo para que eles também pudessem contar suas histórias por meio das HQs, ampliando a representatividade nesta mídia.
Selo Lajota
A Base Nacional Comum Curricular, o BNCC, documento que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos das escolas brasileiras, aponta que as HQs podem ser utilizadas, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental para “Construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)”.
Foi assim que nasceu, em 2023, o selo Lajota, espaço dedicado a ser uma comunidade de acolhimento para jovens que produzem histórias em quadrinhos nas periferias e que possuem o desejo de contar suas próprias histórias por meio dessas revistinhas. Além disso, é uma iniciativa editorial que democratiza o acesso por meio das webcomics, HQs online acessadas gratuitamente por meio do aplicativo Funktoon.
“O momento que eu juntei ciência na arte foi no quadrinho que eu estou produzindo agora [no selo Lajota], uma webcomic chamada ‘Mizu’, que é sobre uma menina gamer que retrata que a sua quebrada está passando por uma grande seca”, conta o biólogo e ilustrador, Lucas Andrade, o Lukera, um dos criadores da HQ Inimigo Invisível.
“Eu tento fazer isso no sentido da periferia se apropriar da pauta ambiental, porque eu acredito que é para ontem isso. Quando acontecem secas, somos os mais afetados por rajadas de vento, alagamentos”, contextualiza Andrade.
De forma pedagógica, cuidadosa e sensível, o Corre Coletivo busca construir diálogos com jovens estudantes de escolas públicas nas periferias, partindo de elementos culturais presente na construção da identidade cultural dos jovens.
“A gente procura chegar em uma zona próxima para falar de coisas importantes. Quando a gente fala do Miles Morales, um homem aranha negro caribenho, a gente consegue falar sobre esse recorte de ser uma criança preta na adolescência que gosta de grafiti e hip hop e está em descoberta, se sente abandonado e sozinho, e dialoga muito com o que a juventude vive”, explica Lelo.
A premissa de abordar um contexto cultural e social vivenciado pelos jovens moradores das periferias também é apontada pela a quadrinista Marília Marz, criadora da HQ curta “Zebra”, que fez parte da 8ᵃ edição da revista Ragu, vencedora do prêmio HQ MIX 2022 na categoria “Projeto Editorial”.
Para ela “pessoas negras, periféricas, indígenas e lgbtqiap+ , estão acostumadas a se verem representadas nas mídias pelo olhar, muitas vezes enviesado. A história em quadrinhos é um recurso muito importante para que as pessoas possam se enxergar, possam enxergar as próprias histórias e as próprias vidas”, conclui.