“As crianças não estão nos lugares públicos”, afirma Beatriz Souza, educadora infantil

Em evento realizado no bairro do Morro Doce, educadora reflete sobre a importância dos espaços públicos como locais de convivência entre as crianças nas periferias.
Por:
Vinicius Ramos e Nathalia Cristin
Edição:
Evelyn Vilhena

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Durante o Festival Código da Arte, que busca transformar praças públicas em espaços de convivência, realizado em setembro, no bairro do Morro Doce, pertencente ao distrito de Anhanguera, zona noroeste de São Paulo, a professora de educação infantil Beatriz Souza, integrante do Coletivo Uirapuru, abordou a influência da cultura nas infâncias periféricas. 

Beatriz foi uma das agentes culturais que realizou oficinas com as crianças durante o evento, tendo como matéria principal o barro. Ao longo da atividade, as crianças puderam criar elementos a partir do contato com a argila. 

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A educadora participa do Coletivo Uirapuru, criado em 2021, que desde então atua com pesquisas sobre arte, ancestralidade, cultura indígena e africana, e a relação entre natureza e educação. Isso através da ocupação de espaços culturais públicos e independentes nas periferias de São Paulo. 

Como surgiu o coletivo e qual objetivo?

Eu, Karina e Paloma trabalhávamos na mesma escola privada e todas nós somos da periferia. A gente pensava muito nesse lugar da infância periférica, quais espaços essas crianças ocupam e os espaços que elas não ocupam, e principalmente, políticas públicas para a infância na periferia. Surge desse incômodo que a gente percebe que não existe um lugar para as infâncias. E aí quando a gente pensa em contextos periféricos não existem muitas coisas na periferia. Então as crianças não são muito olhadas. 

Por que utilizar a argila e qual a técnica usada?

A gente tem um ciclo de oficinas e hoje escolhemos usar argila porque a gente tem pensado mais nessa relação do barro, dessa coisa da manualidade [das] crianças tendo contato com barro. O contato com a natureza de alguma forma recupera esse lugar ancestral também, porque a gente no Brasil, enquanto constituição do nosso país, tem muito forte a cultura indígena e africana, e o quanto que a gente vem perdendo esses lugares. Reafirmar essa potência para as crianças de trazer esse contato é um lugar também de buscar essa ancestralidade de alguma forma, ainda que seja um contato ali muito pequeno, sabe? Eu tenho certeza de que essas crianças vão lembrar disso em algum momento da vida delas, nesse momento do contato com argila em uma praça pública, nesse evento. Essa é uma técnica indígena, estamos nos aprofundando, como coletivo estamos buscando caminhos. E sobre as crianças fazerem o passo a passo, a cobrinha com a argila, para depois montar o objeto, o contato de como fazer, por que é importante entenderem esse processo de começo, meio e fim. Isso traz um lugar das crianças conseguirem imaginar possibilidades do que fazer com barro e fazer com a mão.

Qual o significado de participar de eventos como o Festival Código da Arte?

Acho que enquanto coletivo de três mulheres periféricas, é muito importante estar em um espaço desse, de pensar na descentralização dos espaços culturais e pensar o quanto que a periferia é potente, o quanto a gente dá conta só [por nós] de produzir e fazer cultura na nossa quebrada. E [também] de trazer os artistas locais e as crianças [que] estão nos lugares públicos. Acho que assegurar que tenham atividades e espaços pensados para a gente é um lugar de muita satisfação e orgulho de poder fazer parte.

Quais os desafios que o coletivo enfrenta?

O coletivo tem mais ou menos três anos e meio. Eu acho que um dos maiores desafios é conseguir se manter pela questão da grana. Se não somos contempladas por um edital público a gente não consegue fazer as nossas ações, porque para comprar argila, para comprar os materiais precisa de grana. E aí é muito difícil a gente conseguir tirar da nossa grana, porque trabalhamos em escola e tem as demandas da vida, e os materiais não são baratos.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.


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