Como a maioria da juventude periférica, Mônica Miranda enfrentou uma série de desafios para se formar como psicóloga na universidade. Hoje, além do próprio negócio, ela realiza projetos sociais que promovem o cuidado da saúde mental da mulher nas periferias.
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A trajetória da terapeuta Mônica Miranda,36, moradora do Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, é marcada por uma luta incansável em busca de qualificação profissional e construção da própria clínica de terapia. Ao se especializar em terapia psicossomática e desenvolvimento feminino, ela também criou o “Círculo de Amor “, projeto no qual atua como mediadora do grupo de terapia comunitária para mulheres.
“O Bem Me Quero é um projeto onde me reúno com alguns parceiros, algumas colegas e nós levamos pra dentro da comunidade as práticas integrativas, com o objetivo de fomentar ainda mais a importância da saúde mental, a fim de fomentar a importância de rodas de conversa, palestras de saúde de forma geral e transtornos mentais”, afirma Mônica.
A luta pelo direito de levar a saúde mental para dentro das periferias ainda está acontecendo. Mas atender as mulheres periféricas e priorizar esse público faz parte do propósito de Monica. “As mulheres ainda continuam sendo a maioria na busca por autoconhecimento. O esgotamento físico, emocional e mental ainda alimentado pelo nosso sistema patriarcal e machista levou muitas delas a procurarem ajuda. Desde questões ligadas a relacionamentos abusivos à novas perspectivas de vida e posição social”, concluiu Mônica.
A psicóloga atua em iniciativas sociais desde que se formou, mas conta que sempre foi interessada nessas práticas e tenta sempre estar inserida e levar essas possibilidades para quem é periférico.
Segundo Mônica, 80% dos pacientes da sua clínica são de origem periférica, e que ela juntamente com algumas colegas, fazem doações de horas gratuitas e uma cota de atendimento com valor social.
“Atuar e manter uma clínica na região da periferia me trouxe uma consciência maior sobre a importância de desmistificar a ideia de que terapia precisa ser cara e que é coisa de ‘bacana'”, explica a psicóloga.
A luta pela qualificação
Mônica revela que enfrentou alguns obstáculos durante sua formação profissional. Um dos principais problemas foi a falta de renda, situação na qual, a levou a tomar a difícil decisão de escolher entre comer ou garantir o dinheiro da mensalidade da universidade.
“Os desafios que eu encontrei durante a formação, penso que não foram diferentes para a maioria de nós que nascemos em família pobre na comunidade. Falta de grana para pagar mensalidade, escolher entre comer o lanche no intervalo ou imprimir os artigos da aula seguinte, se adaptar à rotina maçante de trabalhar oito horas por dia e ir para faculdade depois de um trajeto de duas horas de trânsito”, relembra a terapeuta.
Mesmo com todo o apreço pela área, Mônica não soube dizer o porquê de ter escolhido a psicologia para estudar, tanto que com seus 12 anos já falava com clareza que iria ser psicóloga, mesmo sem entender ao certo o porquê dessa certeza.
Ela acredita que essa vontade pode estar ligada à sua família, que sempre esteve presente em ações sociais. A psicóloga sempre teve a certeza de que se formando nessa área, poderia contribuir ativamente e andar junto com seus irmãos, que são ativistas.
“Sempre foi uma vontade, não sei de onde. Eu sempre digo que foi a psicologia que me escolheu, não foi eu que escolhi. Mas eu cresci nesse ambiente, de acolher, de apoiar, de compartilhar, de se preocupar com o outro, talvez tenha vindo daí”
disse Mônica.
A terapeuta diz que começou sua faculdade tarde, pois era difícil começar numa universidade assim que terminasse a escola, para isso precisaria de uma renda, então seu primeiro pensamento no final do ensino médio, além de estudar, era de arrumar um emprego.
Aos 14 anos, começou a trabalhar como vendedora numa loja de semijóias, onde se manteve por aproximadamente seis anos, chegando até o cargo de gerente de vendas. E aos 20 anos resolveu se desligar, pois não iria ter como estudar trabalhando entre 12 e 14 horas por dia.
“Entrei no mundo do empreendedorismo, fiz muitas coisas. Fui vender MaryKay, de porta em porta, sabe? Fiz uns cursos na área da beleza, eu ia fazer escova na mulherada da comunidade, comecei a trabalhar como cabeleireira, cheguei a vender bijuteria. Então eu fui fazendo várias coisinhas assim”, recorda a terapeuta.
Isso foi uma escolha de Mônica para que tivesse um pouco do seu tempo livre, para conseguir se dedicar de fato aos estudos, foi aí que ela decidiu ingressar na faculdade, ressaltando que a ajuda de sua irmã foi de grande importância na época, pois não tinha o dinheiro completo para pagar a matrícula e a mensalidade de uma vez.
“Às vezes eu estava com fome, mas eu precisava tirar a xerox dos artigos para a aula do outro dia, e eu pensava: ou compro o lanche, como uma coxinha, ou eu imprimo os artigos” conta a terapeuta.
Mônica se formou, e após a graduação se especializou em terapia psicossomática, depois disso conseguiu um trabalho numa clínica de atendimento para convênio de saúde, de modo terceirizado, contratada como pessoa jurídica. Ela ficou trabalhando neste local por um ano e atendia quase 100 pacientes no total, e mesmo sendo corrido e muito cansativo, foi um trabalho que trouxe muita experiência para ela, principalmente porque atendia muitas pessoas em situações totalmente diferentes, isso gerou experiência em diversos casos.
“Me trouxe muita experiência, mas era um trabalho escravo, era um negócio ‘desumaníssimo’, na época eu acho que eu ganhava oito reais por atendimento, é o que a maioria das clínicas acabam fazendo. Acho que isso melhorou durante a pandemia, onde entenderam a importância da atuação do psicólogo na saúde”, explica.
A volta por cima
Após passar por essa experiência profissional numa clínica terceirizada, Mônica refletiu sobre o seu futuro e entendeu que aquela rotina estava desgastando sua saúde física e principalmente a saúde mental, e analisando isso, ela decidiu sair desse emprego, e quando isso aconteceu, seus pacientes perceberam a mudança e entraram em contato com ela para saber se os atendimentos poderiam continuar, mesmo que por fora.
“A demanda de trabalho era muito grande, eram 12 horas seguidas sem parar. Por isso decidi sair, como é que eu iria falar de saúde mental ficando doente?”, questiona Mônica.
Logo após esse episódio na vida profissional, um amigo antigo de Mônica cedeu uma parte de um consultório, para ela utilizar num valor de aluguel em conta. A partir deste momento, seus clientes antigos continuaram fazendo o tratamento com ela, indicando os seus trabalhos para outras pessoas, com isso, a terapeuta alcançou uma estabilidade tanto na experiência como psicóloga, quanto na quantidade de clientes que tinham sido fidelizados.
Mesmo passando a trabalhar no seu próprio negócio, ela optou por atender pacientes com dificuldades socioeconômicas, cobrando um valor social, abaixo do mercado, por cada sessão realizada.
Mônica considera que atuar em territórios de população periférica ensinou e fez com que ela transformasse seus pensamentos dentro da psicologia e de como ela deve chegar até essas pessoas.