“Quero que a arte seja minha principal fonte de renda”, diz cantor independente do Capão Redondo

Além de cantor, Adan Costa é stylist e criador da DogStyle, uma marca de upcycling que atua com customização de roupas.
Por:
Yasmin Turini e Lauane da Silva
Edição:
Evelyn Vilhena

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Morador do Valo Velho, bairro localizado no distrito do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, Adan Costa, 25, conta que se aproximou da arte ainda criança e que prioriza o sonho de viver do seu talento. O artista foi uma das atrações da 3º edição do Ballroom na Sul, evento que busca exaltar o protagonismo LGBTQIAPN+ e descentralizar o movimento, realizado em setembro, na Casa de Cultura Municipal Santo Amaro, região sul de São Paulo.

Nascido em Minas Gerais, Adan se mudou para São Paulo em busca de melhores oportunidades para sua carreira na música. A partir de referências ligadas ao Dancehall e ao movimento Ballroom, o artista inclui recortes sociais em suas produções que se conectam com suas vivências no território e em espaços culturais que circula. 

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Como você definiria sua ocupação?

Num sentido geral, sou artista. Sou cantor e também trabalho como stylist. Eu tenho uma marca de upcycling, que é customização de roupa, chamada DogStyle. E na vida padrão de São Paulo, eu trabalho em Call Center [e] costumo dizer que trabalhar CLT é meu hobby.

O que fez você escolher ser cantor? 

Eu gosto de arte desde que eu me entendo por gente. Desde que eu comecei a poder exercer qualquer tipo de habilidade artística comecei a colocar em prática. Eu aprendi a tocar violão com uns 10 anos de idade, ter familiaridade, criar notas [e] compor as minhas próprias músicas. Isso foi evoluindo e virou um espaço muito meu. Eu criava para exercitar, mas também como espaço de prazer, lazer e de expressão. Antes era algo muito intimista, só meu. Demorou um tempo para eu criar coragem de abrir para outras pessoas. A identificação do outro é gratificante. Você permitir que outras pessoas se identifiquem com o que você pensa, com o que sente, com o que já viu, é um espaço de cura. Quando eu tive contato com essa possibilidade, o sonho de trabalhar com a música foi ficando mais forte. Saber realmente que o que eu faço não é só um lazer próprio, mas principalmente para a identificação do outro é a função mais daora da arte. Conseguir ser um instrumento de cura para mim, e a partir da minha cura, contaminar [e] abraçar outros universos.

Quais são as suas formas de consumir cultura?

Minha principal forma de consumir cultura, mesmo que eu não queira, é através da internet. Em relação à moda, eu consumo muito de brechós, adoro moda sustentável. O upcycling tem brilhado os olhos das pessoas, principalmente na cena underground. E claro, os rolês. Quando falo de rolê na periferia é onde eu consigo ter mais referências de moda, além das referências musicais. Só de estar nesse espaço cultural já dá para absorver muita coisa. O que eu mais frequento são eventos de Dancehall, mesmo não sendo cantor de reggae.

Como você começou a frequentar esses espaços?

Eu vim de Minas [Gerais]. Estava na universidade estudando artes cênicas. Lá eu tinha contato com cultura, mas era um nicho universitário. Vir para cá [São Paulo], me trouxe abertura para nichos que são mais orgânicos nesse sentido. Eu sou um desses que vem para consumir cultura daqui e fazer cultura aqui dentro, tendo contato com pessoas que já estão há tempos nesse espaço. Minha amiga Marilu, por exemplo, ela foi criada nessa cultura e ajudou a me inserir ali dentro. Eu gosto muito de eventos que fomentam artistas periféricos. Promover um evento que fortaleça os artistas independentes faz toda diferença no cenário cultural geral.

Qual a importância das iniciativas culturais no território que você mora?

É essencial. Precisamos entender que nós somos o principal espaço de evolução da nossa própria arte. Não tem como querer transformar a arte periférica em algo global, se eu não começo primeiro pela periferia. Falando da minha vivência como artista que vem de fora e que foi criado pelo Capão Redondo, nesses quatro anos de São Paulo, esse foi o aprendizado mais importante que eu tive até agora [de] começar pelas pessoas que me influenciam e que são as minhas referências, para depois o centro da cidade tomar conhecimento de quem sou eu. Hoje me sinto muito mais preparado por ter tido essa visão, essa comunhão com os artistas que eu encontro ao longo da minha trajetória. Muitos eventos são organizados de maneira independente, em outros existe uma outra visão. Existem instituições que têm um espaço, às vezes não tem verba, não tem nem equipamento, mas só de ter um espaço seguro, já é um um ponto. Eu sou frequentador da Fábrica de Cultura do Capão Redondo. Minha última música eu gravei lá de forma 100% gratuita. Eu só preciso de um espaço digno para exercer minha arte, ensaiar, isso já fortalece muito a minha a minha carreira. Além do contato direto com a arte de outras pessoas. Não existe outro espaço para viver isso que não sejam esses. 

Como esses movimentos contribuem com a formação da sua própria identidade? 

Eu era uma pessoa na faculdade, já aqui em São Paulo, eu me identifico como outra pessoa. Em relação a referências, tanto estéticas quanto de construção de personalidade. Eu realmente precisei romper o ciclo que eu tinha onde eu morava. Em questão de produção artística, não precisa ser uma cidade grande para se fazer arte de qualidade. Mas vir para cá e ter a vivência da cidade em si, no que diz respeito a fomentar a minha arte e me auto sustentar sozinho sendo CLT,  engrandeceu muito a construção da minha pessoa como ser humano, mas também como cidadão. 

E para o futuro, o que você idealiza? 

Falando como o Adan que vai fazer um pocket show no evento da quebrada hoje, eu já estou num lugar em que eu não imaginava estar. Isso já é um ponto muito positivo. Eu já consigo identificar pessoas que acompanham o meu trabalho mesmo não estando próximo do meu círculo social, isso também é um ganho muito grande. Pensando no futuro, eu quero poder ter mais estabilidade e conforto para fazer o que eu quero fazer sem precisar lidar com o jogo do mercado. Eu sei que em partes é necessário pela sociedade que a gente vive. Mas eu acredito que o Adan do futuro vai conseguir se manter a partir da arte. Eu quero muito que a minha arte seja a minha principal fonte de renda para que não precise ficar mantendo as mesmas pessoas ricas, não no sentido ganancioso ou prepotente, mas tendo em mente o reconhecimento. O mais daora em ser artista é aprender a reconhecer o valor do nosso trampo. Eu não cheguei aqui à toa, precisei abandonar muita coisa para ser chamado para um evento na periferia, ser reconhecido pelas pessoas daqui. Não é só porque eu conheci alguém, pelo contrário, conheceram meu trabalho. Algo que eu formulei durante todos esses anos e isso está virando algo, sendo reconhecido de alguma forma. Então eu já sinto esse reconhecimento, mas espero que o futuro me traga ainda mais. 

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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