Carlos Juann Silva, 24 anos, morador do Real Parque, zona sul de São Paulo, saiu do Piauí com intuito de retomar suas raízes indígenas e se reconhecer em um novo território. Em São Paulo há 10 anos, o jovem conta que decidiu se mudar por não se sentir pertencente ao lugar em que vivia e não ter sua origem e identidade reconhecida pela família. No bairro do Real Parque, Carlos afirma ter sido acolhido pelo povo Pankararu, e assim deu início ao seu processo de autodescoberta.
Atualmente Carlos trabalha na Fundação Florestal, órgão do Governo do Estado de São Paulo, no Programa de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) Guardiões das Florestas, que remunera pessoas indígenas que contribuem com a preservação das Unidades de Conservação do Estado de São Paulo.
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Como foi seu processo de retomada com o povo Pankararu?
Eu sinto que foi uma conexão e reconexão, foi uma conexão com o povo que eu ainda não conhecia, mas uma reconexão também comigo, porque a partir do encontro com eles eu pude começar a entender mais sobre mim, porque muito do que está na essência da cultura do povo Pankararu, lembra, não propriamente dita eu diria, mas a cultura da minha família. […] Eu cresci em uma bolha. Então depois que conheci o povo Pankararu, eu entendi que a minha bolha era muito mais do que só aquela e que eu precisava fazer esse resgate. Eu comecei a mudar um pouco o caminho, porque no começo eu não buscava fazer essa retomada, mas vivenciando todo o tempo que passei, eu fui entendendo que isso também sou eu, essa movimentação aqui que a gente chama de Real Parque.
Quais são os elementos de conexão que você tem com o povo Pankararu?
O primeiro elemento que eu vejo é a questão da migração para São Paulo que foi erguida por imigrantes nordestinos e dentre eles muitos indígenas. […] Eu me identifiquei muito com a luta entendendo essas movimentações que são feitas aqui e a conexão veio disso. O pertencimento está na terra, principalmente onde você nasceu, mas também onde você faz a sua luta, onde você se sente acolhido, onde você acaba tendo uma estrutura para poder pisar. Então esse eu diria que é um outro elemento importante de conexão que eu vejo enquanto famílias indígenas. Então seja o simples ato de estar na sua terra ou uma coisa mais específica de recobrar o nome do povo, que é o que eu tenho feito.
Como foi quando você se reconheceu como indígena? Como está sendo esse processo?
Quando eu percebi que tinha acontecido parecia que foi muito de imediato, mas já tinham passado muito tempo com essas vivências com o povo Pankararu nesse sentido de que antes de conhecê-los eu sentia um vazio muito grande que eu não conseguia atribuir a nada pessoal, não me encaixava em nada. Eu não gosto de nada e só pensava ‘nossa, eu sou estranho’, mas depois de passar por todas essas coisas que a gente vai percebendo, vivenciando e internalizando, depois de mais ou menos dois anos que eu conheci o povo Pankararu. Então seis anos atrás foi quando percebi que eu estava fazendo [essa] retomada. Eu estou buscando de volta o que é meu agora, a diferença é que eu estou fazendo isso com ajuda, com o apoio, com uma família que me alimenta, que me dá carinho, que me dá apoio no que eu preciso e torna muito mais fácil.
Quais são os desafios que você tem enfrentado como jovem indígena que está se redescobrindo?
Um dado interessante é que os grupos indígenas têm um índice muito mais elevado de taxa de suicídio do que outros grupos, exatamente porque envolve toda essa questão de diáspora, de migração forçada e a falta de entender por que estamos nessa situação, […] mas o que mais pesa é exatamente essa dificuldade das pessoas de entenderem que são vivências diferentes, é um dos maiores problemas para quem está em processo de retomada, está todo mundo muito machucado.
E como está sendo para você esse processo de mostrar tudo que vem descobrindo e compartilhando com a sua família?
Estão em meio a um processo de resistência […] é que eles me criaram falando “Ah, a gente é moreno, a gente é pardo”, e isso sabendo que era indígena. Quando a minha ficha caiu de entender que eles não queriam fazer esse resgate porque não só crescerem entendendo que aquilo era ser atrasado, mas também que não daria em nada, que eu não teria um futuro se eu tentasse buscar as minhas raízes, então já é um outro peso em cima de como eles veem marginalizadas as próprias raízes. […] Entendi que a necessidade deles de impedir a minha retomada era o medo de que isso fosse fazer com que eu não pudesse me sustentar. Hoje em dia meio que está passando esse processo, porque eles estão vendo que eu ainda consigo fazer esse resgate e trabalhar na área que eu gosto de estudar, que é a área indígena e ambiental.