“A minha identidade é arte”, diz Kamala Nala, multiartista moradora da Vila Ede

Artista conta como a ligação com o território influencia sua identidade social e artística.
Por:
Luau Queiroz e Gabriel Nascimento
Edição:
Evelyn Vilhena

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Nascida no Maranhão, Kamala Nala Omoborin, 23, afirma que constrói sua identidade social e artística a partir de seus mochilões pelo Brasil. A multiartista atravessou o Piauí, Brasília, Porto Alegre, Bahia, entre outros locais, até chegar na Vila Ede, bairro do distrito da Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, em 2022. Além de artista, Kamala é educadora de diversidade e atua na causa do HIV. 

A educadora compartilha que a formação da sua travestilidade foi sendo construída a partir dos territórios que passou, e que os fragmentos desses locais fazem parte da sua identidade. Kamala também participa da comunidade Ballroom, movimento artístico, cultural e político criado por mulheres trans, negras e latinas como um espaço de resistência à discriminação e violência, através de experimentações artísticas.

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Como você se descobriu uma multiartista?

É muito aquele processo que falei da personalidade quando a gente se constrói enquanto uma corporeidade. Sou uma travesti. Quando eu me construí enquanto essa personalidade, essa travestilidade, eu comecei a ramificar as coisas no meu corpo que na minha cabeça isso foi se movimentando nos espaços que caminhei enquanto projeto, vivência e trajetória. Me descobri uma multiartista no momento em que me encontrei enquanto uma travestilidade que vive com HIV e consegue se ramificar não só corporalmente, como mentalmente. Quando encontrei isso em mim, falando de ser uma artista, foi um processo de me identificar, não só em um espaço, mas enquanto uma ramificação de acessos. Já sou uma corporeidade preta, periférica e nordestina, preciso entender que o que consigo entregar é excelência. Vejo que faço isso em muitos espaços, como sou bartender, educadora de diversidade, trabalho com ativismo de pessoas que vivem com HIV [e] trabalho enquanto uma dançarina também. Então me ramifico em muitas coisas. Sou da comunidade Ballroom em várias categorias, da [categoria] Face a Vogue Performance.

De que forma a sua identidade reflete na sua arte?   

Acho que não tem como dividir. A minha identidade Kamala Nala Omoborin é arte, e a identidade Alexainy Miriam Farias Torres é arte, só são em lugares diferentes, mora em métodos [e] movimentos diferentes. A Alexainy é uma pessoa que vai estar em outro espaço, em algo mais casual. A Kamala já é naquele pique de fazer a performance, de entregar, sorrir, trazer e chamar as pessoas. As duas são [minha] identidade.

Como essa identidade foi construída a partir dos territórios que passou?

Costumo dizer que a minha vivência enquanto Kamala, enquanto Alexainy, são muitas coisas, e parte desse processo tem o Alexander, que é o meu menino, o meu amigo que viveu muito nesse corpo e que passou por muitas coisas para se construir o que é hoje. Quando se pensa em trajetória no meio de tudo isso, você imagina que o universo te ensina e precisa que veja algumas coisas antes para quando entrar nesse mundo artístico sem identidade, te moldar para que se blinde, para que consiga acessar [e] se movimentar. Costumo resumir isso em aprendizado. Minha trajetória é identidade, a construção dela sempre vai ser os territórios que o Alexsander, que a Kamala, que a Alexainy vivem e passam diariamente. Tudo que sou é uma ramificação, é uma consequência da minha trajetória, do meu caminho da rua, de Brasília, do Piauí, de Pernambuco, da Bahia, de Floripa, de Porto Alegre, é um pedaço de cada lugar dentro de mim sendo eu, e entregando a minha personalidade.

Qual a diferença entre a Kamala pessoa física e a artista?  

A Kamala artista é uma palhaça e a Kamala pessoa [física] é muito meiga. Eu costumo dividir assim, talvez seja até pesado falar palhaça, mas é que a Kamala é essa personalidade aqui, que vai trocar, falar, sorrir, chamar energia, sabe? Ela é muito essencial enquanto energia, enquanto força. E a Kamala pessoa [física] é mais afetuosa, meiga, tem que ter uma troca. Acho que é mais essência, é força, é poder, é empoderamento e a outra é mais o casulo para se curar e ficar quietinha, depois voar que nem uma borboleta.

Quem é a Kamala do passado, do presente e quem será a Kamala do futuro?

A Kamala do futuro vai ser aquela que vai conseguir tudo que ela quer nessa selva de pedra. Que vai conseguir mostrar e fazer as pessoas identificarem o quanto de excelência trago no que eu falo, no que faço, no que movo, no que produzo. A Kamala do presente é a que está naquele processo de entendimento, de construção de identidade, de personalidade, porque todo dia vou aprender algo novo. Então essa é a Kamala do agora, está sempre num processo de olhar, aprender e receber, de fazer todo aquele processo de identificação, de reciclagem de tudo, de absorver e continua sendo a Kamala Nala Omoborin. A do passado era a Kamala que não achava propósito, foi a que passou por muitas coisas, uma em cima da outra, aí descobriu que vivia com HIV, descobriu que enquanto uma personalidade estava em processo de transição, transicionou, se encontrou e foi procurando onde conseguia agir enquanto área artística. Estava no processo de descoberta de muitas coisas, aí depois que descobriu se torna a Kamala do presente e a do futuro ao mesmo tempo.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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