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Solidariedade digital: produtor utiliza redes para mobilizar público e distribuir seu trabalho

Edição:
Evelyn Vilhena

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Vamos contar a história de JotaPê, rapper, produtor e vendedor ambulante que aprendeu com seu pai a “fazer dinheiro” e a lidar com o trabalho informal, acreditando nesse como um meio de ser valorizado pelo o que faz e seguir construindo seus sonhos.

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“Eu acho que eu sempre tive próximo do trabalho informal, desde pequeno, meu pai sempre vendeu pastel, sempre vendeu hot dog”, assim Jefferson Portugal, 27, começa relembrando sobre seus primeiros contatos no mercado de trabalho informal. Jefferson Portugal, mais conhecido como JotaPê, é morador do bairro Jardim Planalto, localizado no distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, é rapper, produtor e vendedor ambulante e um dos seus maiores sonhos é viver da música.

Quando mais novo, sem muitas oportunidades no mercado formal que ele se identificasse, pela necessidade, aprendeu a construir suas próprias oportunidades, ou como ele mesmo afirma, formas de “fazer dinheiro”. “Quando pequeno eu dava uns pulinho, já juntei latinha, trabalhava em um samba que tinha próximo de casa que na época era muito consumido garrafa de cerveja, então eu recolhia a garrafa”, conta.

Ele ainda complementa: “Meu pai ganhou um pisca-pisca, que ele ganhou no evento que trabalhava e eu fui vender esse pisca-pisca na feira para pagar minha formatura, então sempre teve próximo, acho que na de precisar fazer dinheiro, na falta de um trabalho formal eu sempre fui em outro”.

JotaPe conta que em todas suas experiências de trabalho no mercado tradicional sentiu que seu trabalho não foi valorizado e na busca de esperar um reconhecimento, recebeu uma demissão. “O que mais me motivou a tomar essa decisão é questão de se valorizar, acho que ninguém é melhor para valorizar mais meu trabalho que eu”, afirma.

O vendedor conta que trabalhava em uma empresa onde estava sendo elogiado, entregava mais do que precisava e ainda assim foi mandado embora, então decidiu trabalhar para si. “Então eu falei: ‘não, vou focar em mim’, então vou trabalhar pra mim, não vou ficar trabalhando pra ninguém mais, eu vou dar meu esforço pra mim e se der certo, o bagulho estourar, vai ser meu e vai me deixar mais estruturado, vai proporcionar minhas realizações”.

Além do trabalho como vendedor ambulante, JotaPê também cuida da construção e desenvolvimento da sua carreira como rapper. Para divulgar seus trabalhos artísticos e seus correntes do dia-a-dia, ele utiliza as redes sociais como vitrine, buscando construir vínculos com a sua comunidade virtual, tendo como sua maior estratégia digital a de ser ele mesmo.

“Na hora de tratar qualquer assunto, de falar com qualquer pessoa, eu tô sempre fazendo contato, tanto no dia a dia ou na internet, de diferentes âmbitos, a gente vai criando vínculo com as pessoas, e ai através do que eu posto, das coisas que eu faço, eu vou colocando nas redes do facebook e as pessoas vão me conhecendo, criando credibilidade em cima de mim e do que eu falo, vendo o meu dia-a-dia, vendo as coisas que eu faço”, conta JotaPê.

“Quando eu preciso trabalhar alguma ação, seja ela coletiva ou pessoal, eu geralmente uso essas redes, eu posto lá esperando que isso tenha um retorno positivo”.

Solidariedade digital 

 “Só um relato triste ou frustrante, sei lá”. Assim começou o depoimento que Portugal compartilhou em sua rede no facebook contando sobre o final de um dia de trabalho vendendo tripés dentro do ônibus que perdeu em torno de R$200 de mercadoria. Essa foi uma das ocasiões que o vendedor utilizou a internet em seu benefício, e como resposta encontrou pessoas que o fortaleceram.

JotaPê estava vendendo tripés para celular pelas linhas de ônibus em São Paulo, e distraído, ao descer do veículo, percebeu que havia deixado a sacola com as mercadorias dentro do ônibus. “Quando desci, fui pro outro ônibus e percebi que estava sem a sacola, só que nisso que percebi o busão da frente já foi saindo”, descreve JotaPe sobre o ocorrido.

Na esperança de resgatar sua mercadoria, tentou alcançar o ônibus e descobriu que alguém já tinha levado sua mercadoria. “Aquilo tinha me deixado bem bravo, eu fiquei um tempo sentado, sem fazer nada, ali pensando, aí eu olhei no relógio, falei ‘acho que tenho um pouquinho de dinheiro ainda, dá pra gente repor as mercadorias, comprar uma coisinha e tentar’, pra não parar, né”, relembra.

Nessa situação, ele recorreu a sua rede na internet. “Fiz um relato na internet sobre o que tinha acontecido e pedindo pras pessoas compartilharem, pra ver se chegava pra quem achou, pensando se ela ta na região, pode chegar a devolver se chegar via postagem”, conta JotaPe, que através dessa postagem as pessoas de sua comunidade virtual começaram a se mobilizar pelos comentários pedindo o número do seu pix.

“O pessoal foi mandado, foi chamando no chat, foi contribuindo, 5, 10 reais, e de um dia pro outro a gente levantou, eu lembrava que entre 150 a 200, ai eu lembro que eu levantei 185 reais, ai peguei, tirei o pix dos comentários, depois eu fui agradecer o pessoal na internet.”

“E literalmente salvaram a minha semana, que eu estava contando com uma prioridade bem grande pra dentro de casa e o pessoal ajudou legal, e ajudou a dar continuidade para o dia seguinte. No caso foi uma coisa bem espontânea, eu estava lá no intuito de tentar reaver as coisas que tinha perdido e no fim das contas as pessoas reaveram o valor que eu tinha perdido”, conta JotaPe sobre a mobilização que gerou nas redes.

“De fato eu não tava esperando, eu fiquei muito grato tá ligado, surpreso, porque às vezes quando é uma campanha que você já ta correndo atras, já é complicado né, aí você vê essa mobilização partindo para te ajudar, do nada, pra mim foi fantástico, eu realmente não tava esperando, fiquei muito surpreso e feliz”, afirma. 

 O corre não pode parar

Jotape acamado depois de fraturar a perna durante o trabalho (creditos: Kimberli Basto)

Pouco menos de dois meses do ocorrido com a perda da mercadoria no ônibus, em junho deste ano, JotaPê sofreu um acidente enquanto trabalhava e quebrou a perna. “Eu tava descendo do ônibus, aí o ônibus começou a andar, eu fui descendo, quando eu desci, apoiei o pé no chão, meu corpo girou e eu quebrei a perna, ai eu to com uma fratura na tíbia, de repouso desde então”, conta o produtor sobre o acidente que sofreu no final do dia de trabalho, um mês e meio depois de perder sua mercadoria.

As recomendações médicas foram de imobilização da perna por no mínimo dois meses, o impedindo de fazer qualquer atividade com esforço físico. “Cada hora vem alguém aqui em casa visitar, vê se precisa de alguma coisa, pra eu tentar ajudar em alguma coisa, e coisa que é difícil até pra mim lidar, porque eu sou a pessoa que tem que fazer algo, vai lá e faz, agita rápido, sem ficar esperando outras”, compartilha. 

Com os boletos chegando, ainda em repouso e fazendo fisioterapia, o produtor pensou em também usar as redes sociais e contar com a mobilização da sua comunidade para conseguir se manter durante esse período, criando uma vaquinha online.

“Vou ver se o pessoal me dá uma força aí, na internet, pra me manter até esse período que eu precisar ficar de recuperação, pagar o aluguel, água, luz, eu já ia ficar mais tranquilo”, afirma Portugal.

“Pedi essa força pra galera, porque de fato atualmente eu nao tenho o que fazer, coisas que vendia online, eu dependia de mim pra ir buscar mercadoria, para enviar mercadoria, então eu to sem muito o que fazer, eu vou contando com a ajuda das pessoas que estão mais proxima e da internet ai

Mesmo com todas as situações que afetam sua saúde mental e física, ele reflete sobre o mercado formal e sobre outras pessoas que também estão tentando conseguir um dinheiro e analisa que, para ele, as possibilidade do mercado formal são tão escassas como informal.

“Dificilmente me enquadro no mercado atual, ainda mais com o salário atual, a falta de benefício, às vezes eu converso muito com o pessoal. Poxa, vou sair da rua e ganhar um salário mínimo? não vou, tá ligado!? Porque eu sei que na rua eu faço mais que isso, na falta de apoio atualmente, você tem o que de apoio para o trabalhador atualmente? dos mais novos aos mais velhos”, reflete JotaPê.

Ele também analisa as vantagens e desvantagens de todo cenário que envolve o mercado de trabalho.”As pessoas elas sabem das dificuldades, mas muitas estão satisfeitas de estar ali, é trampando pra si, porque querendo ou não tem uma certa liberdade de horário, querendo ou não, tem uma certa liberdade de dia, tem a sua responsabilidade sobre o que você faz, você não fica tanto a mercê dos outros, a não ser dos clientes”, relata. 

“Tem pessoas que trabalham na rua comprando e revendendo mercadoria, que é o meu caso, tem pessoas que trabalham na rua com matéria prima própria, tem umas minas que conheço que elas vendem caldo no ponto de ônibus, vende cocada e são coisas que eles mesmo preparam em casa”

Um dos doadores da vaquinha online online do JotaPê é seu ex-colega de classe, que preferiu não se identificar, e conta que mesmo com a distância observa o produtor pelas redes sociais.

“Eu vejo quando ele lança as músicas, escrevo lá no canal, mas assim, eu não uso muito mais o facebook, aí vira e mexe quando aparece uma coisinha lá eu tento interagir, seguir o spotify, essas coisas”, conta o colega de JotaPê.

O ex-colega de turma conta que se solidarizou diante da história do JotaPe por lembrar de parte da sua família, que também trabalha como autônoma. “Vendo o acidente acabei me identificando por causa do histórico da minha família, de pessoas da minha família, o pessoal é tudo autônomo, eu sei como é complicado. Meu avô, meu pai, minha mãe, a gente tudo tem comércio próprio, trabalho saindo na rua, meu avô ele era vendedor também, e é complicado, né”, afirma. 

“Foi mais uma identificação de saber como é difícil a vida de autônomo, sem ter muitas opções, tem a pandemia também que dificulta tudo, já dificulta só pelo fato de trabalhar em ônibus e tudo com risco de infecção. Machucar a perna para se locomover durante um tempo é complicado, então foi mais isso de se colocar no lugar”

Ele diz que sempre fica na torcida para que JotaPê consiga realizar seus sonhos. “São pessoas que a gente cresceu junto em um período da nossa vida, a gente acaba torcendo pra pessoa conseguir alcançar o sonho dela”, coloca.

O colega de JotaPê conta que não é com muita frequência, mas que pelo menos algumas vezes durante o ano acaba ajudando alguma campanha. “Alguma causa que eu encontro assim na internet, alguma coisa que acaba surgindo pra ajudar e é muita daquela questão né, as vezes é só 10, 20 reais, você só tem que deixar de pedir um ifood, deixar de comprar uma coca, e você ajuda pra caramba ali numa causa”, finaliza.

JotaPê segue fazendo fisioterapia e buscando novas possibilidades, investindo na sua atuação como rapper e produtor e segue com a vaquinha online aberta. 

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