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Gravidez online: encontros virtuais dão apoio emocional às mães da quebrada

Edição:
Ronaldo Matos

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Você já parou para pensar como a pandemia está afetando psicologicamente e fisicamente a vida das gestantes que moram nas periferias de São Paulo? Essa questão foi um ponto disparador que motivou a parteira Ciléia Biaggioli, 42, moradora de Parelheiros, zona sul da cidade, a adotar uma plataforma digital de reunião como um ambiente de troca de conhecimento para difundir a sabedoria ancestral da gestação e do parto humanizado.

A pateira Ciléia Biaggioli é moradora de Parelheiros, zona sul da cidade. (Foto: Julia Biaggioli)
Pelo fato de estar impedida de realizar o atendimento presencial às gestantes que residem em territórios periféricos, essa foi uma das soluções encontradas, quando um grupo de doulas e parteiras que fazem parte do coletivo Sopro de Vida, onde Ciléia atua como integrante, começaram a pensar em formas de promover o bem estar físico e emocional de futuras mamães durante a pandemia de covid-19, o novo coronavírus.

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A parteira explica que a essência do parto humanizado está no resgate de uma tradição perdida ao longo das gerações. “É o resgate do que era antes né, de um rito de celebração, de um momento de passagem, de um nascimento de uma mãe, de um pai, de uma criança, de uma nova família”, define.

Para Ciléia, a medicina ocidental produz pouco apoio emocional e físico para as gestantes, reduzindo a mulher apenas a um corpo que dá a luz. “Você vai para um hospital parir com pessoas completamente desconhecidas, que faz um toque em você a todo o momento, sem te perguntar se você quer e se pode né?”, questiona ela. 

Roda Virtual do Coletivo Sopro de Vida com gestantes das periferias.

Ela complementa o ponto chave sobre o questionamento: “por que o médico sempre sabe mais? A gente tem esse lugar de colocar um médico no endeusamento, em um lugar que é muito negativo pra gente, como se ele soubesse da gente mais do que a gente mesmo”.

E busca de espalhar um pensamento crítico sobre essa cultura, todas as sextas-feiras às 17h, ela promove encontros virtuais, que visam acolher e informar mães gestantes ou na condição de pós parto. Além da organização do coletivo Sopro de Vida, cada encontro conta com a colaboração de outras iniciativas e profissionais do parto humanizado, como o Mama Ekos e a doula Esther Marcondes. Fruto deste trabalho de acompanhamento semanal das gestantes, as organizadoras já pensaram em maneiras de ter um acompanhamento diário das participantes.

“A gente tem um grupo do whatsapp que pode ser divulgado e é aberto, e a gente deixa o link para essas gestantes que quiserem entrar. Têm gestantes, por exemplo, que tem muitas dificuldades de acesso à internet, essas gestantes nem sempre conseguem entrar na roda virtual, mas elas podem tirar as dúvidas no grupo de WhatsApp, então a gente deixou esse momento bem aberto para poder fazer esses acolhimentos”, conta Ciléia.

A qualidade dos serviços e da distribuição da internet nas periferias é um tema bastante comum que já discutimos em outras publicações no Quebrada Tech, mas no caso das gestantes, essa condição de infraestrutura gera outros impactos para além do acesso.

“A periferia não tem internet direito. Entende? Então mesmo a roda virtual é muito ruim”, enfatiza a parteira, indignada com a falta de recursos que a periferia tem para os moradores e articuladores do território, que não conseguem fazer seu trabalho pela falta de acesso à internet, precisando criar novas maneiras de comunicação, para lidar com as ausências que a parteira citou.

Ela acredita que durante a pandemia, o acesso à internet e a desigualdade dos direitos digitais dificultou ainda mais o simples ato de tirar uma dúvida. “Para mulheres que quiserem fazer perguntas a gente deixou nosso telefone e o zap na página, porque é muito difícil né”.

Ao justificar o por que a rede entendeu que a comunicação por WhatsApp seria a mais eficiente em um momento de urgência Ciléia relata: “às vezes demora meia hora para chegar um WhatsApp, mas ele vai chegar, entendeu, aí é diferente de uma conversa né, de uma videochamada, se pergunta uma coisa tem que responder ali na hora não tem outra saída”.

Por conta da má qualidade da internet no distrito de Parelheiros, Ciléia conta que durante as rodas e seus trabalhos que exigem um grande tráfego de dados, ela e sua família vão para casa da sogra, localizado no Cambuci bairro situado na região central do município de São Paulo, para conseguir fazer seus trabalhos.

“Por exemplo, a internet hoje está impossível, e a gente está fazendo um festival online de inverno de Parelheiros. A família inteira está indo pro Cambuci porque não tem o que ser feito, a internet cai toda hora, não funciona. Você não consegue anexar, não consegue fazer as coisas, trabalhamos com edição de vídeo, aí tem que subir pro Youtube, uma coisa que na internet do Cambuci demora dois minutos, lá demora um dia e meio”, compara a parteira.

Tratar as dores

Andréa Martinelli, 26, mora na Vila Marcelo, bairro localizado na periferia da zona sul de São Paulo. Mãe solo, professora, pós-graduada em psicopedagogia, ela é uma das organizadoras do encontro virtual. “Começamos as rodas com a equipe de parteira, aprendiz de parteira e doulas. Aí trazemos as gestantes. Elas também convidam as amigas não só gestantes, mas pós-parto também, que nesse período de isolamento social também sofrem com falta de apoio, por falta de contato humano”, explica Andréa.

Ela é responsável por mobilizar mulheres das periferias para a roda, pois a equipe percebe que o parto humanizado ainda é uma informação distante para gestantes periféricas. “A gente convida e muitas vezes elas não tem tempo sabe, esse tempo de poder parar mesmo, que é uma vez por semana, uma hora e meia ter esse tempo para ter uma troca”.

Para conseguir acessar essas mulheres grávidas, as organizadoras estão em busca de divulgar os encontros virtuais para gestantes que frequentam unidades básicas de saúde nos territórios. “A gente está tentando levar essa divulgação pra a UBS, pra eles passarem para as gestantes, para elas terem acesso a esse conteúdo, de saber que existem as rodas”, afirma Martinelli.

Assim como à internet, a telemedicina ainda não chegou para todas as mulheres gestantes da periferia. Sabendo disso, as organizadoras da roda virtual utilizam de uma abordagem para tratar suas dores emocionais e físicas da forma mais humana e natural possível, através da escuta. “A gente busca sempre usar formas medicinais né, do uso de ervas naturais, para conseguir tratar algum tipo de enjôo, ou outro fator que a gestante tá sentido, e também tenta trabalhar a parte emocional, então antes disso a gente conversa: ‘aconteceu tal coisa com você? passou alguma coisa essa semana? ‘ – e a gente vai buscando essas questões emocionais que levaram essa mulher a sentir”.

Martinelli relembra sobre a importância dessa roda virtual, que carrega uma grande importância de desconstruir todos os conceitos pré-estabelecidos que elas aprenderam sobre gestação que não lhe fazem bem. “Quando a gente faz esse acompanhamento para gestantes e preparamos elas pro parto, a gente ajuda a diminuir a chance dela sofrer violência obstétrica, delas serem enganadas nos hospitais, e a gente também mostra para ela as opções que elas têm, se é uma gestação saudável, ela pode parir em uma casa de parto, ela pode parir em casa com parteira, enfim tem outras opções”, finaliza.

“É mais um grupo de amigas que apoiam umas às outras” 

Mãe da Manuela de três meses, Suzane Mayumi, 26, moradora de Parelheiros, conheceu a roda virtual por meio de Andréa Matinneli, uma das organizadoras. Durante sua gestação, ela foi acompanhada pela Andrea e Ciléia até seu bebê nascer. Hoje, ela acompanha a roda para falar sobre sua experiência e como está sendo a segunda maternidade.

“É mais um grupo de amigas que apoiam umas às outras”, define Suzane ao contar o que significa para ela a experiência do encontro virtual de gestantes. Consciente do impacto do grupo de apoio na sua gestão, ela faz um relato da experiência: “consegui tirar minhas dúvidas e obtive mais conhecimento na roda, pois me alertaram como não ter o abuso no parto, como que seria o trabalho de parto, o que fazer nas situações de trabalho de parto e amamentação também, para pegar de maneira correta e não machucar a mama”, conta a moradora.

Mayumi entende que esse afastamento social no momento de pandemia faz com que as mulheres estejam mais propensas a depressão pós-parto. “Eu digo que se não fosse as dicas que eu tive, poderia não ter a mesma que tive maravilhosa que tive dessa gestação, pois na primeira gestação eu estava totalmente leiga no assunto”.

A moradora de Parelheiros teve sua primeira filha com 19 anos e partir desta vivência, ela aponta que suas maiores dificuldades naquela época foram a falta de informação, que a levou a ter experiências difíceis na sua primeira gestação.

Atualmente, a moradora atua na roda contando um pouco sobre suas experiências e apoiando outras mulheres que estão passando pelo período de gestação. “Indiquei que elas doassem o leite materno, visto que nessa pandemia o banco de leite caiu muito e precisam da doação para manter o estoque e poder ter leite para os recém nascidos”.

No final da entrevista a parteira Ciléia faz uma analogia com esse momento atual e o processo de gestação. “Eu brinco que a quarentena ela é um grande ‘puerpério’, esse momento da lua negra, o momento que o parto aconteceu e a gente entra então nessa introspecção, esse momento de amamentação que é um momento muito difícil, que a sociedade fala pouco e a gente tão pouco compreende”.

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