Inicialmente, o canal foi criado para distrair a diarista que estava desempregada, mas com o passar do tempo, a iniciativa ganhou função terapêutica de tratar a depressão e se tornar uma fonte de renda
Após dois meses da criação do Canal Cozinha Sem Pressão, a diarista Ivoneide Nascimento, 52, moradora do Jardim Analândia, em Itapecerica da Serra, conhecida pelos vizinhos como Neide, utilizou uma estratégia inusitada para divulgar o projeto: mandou imprimir cartões com QR Code em uma gráfica perto da casa dela, para distribuir aos moradores que passavam pelas ruas do bairro, por meio do popular boca a boca.
Na época, o canal estava com 40 visualizações e 15 inscritos. Após o processo semanal de entrega de cartões com QR Code, ele foi para 326 inscritos e alcançou mais de 23 mil visualizações.
“Com os cartõezinhos foi aumentando, né? Até porque eu saía entregando. Eu ia na lotérica pagar alguma coisa, eu já entrava na fila, também ia nos pontos de ônibus, terminais, metrôs e eu entregava assim para as pessoas. E aí foi multiplicando. Eu acredito que os cartõezinhos adiantaram bastante”
avalia a diarista Youtuber.
A ideia surgiu para alcançar o público mais jovem que acessam os vídeos com maior facilidade, em uma linguagem conhecida. Para as pessoas que não sabem utilizar o QR Code ou não tem o aplicativo para fazer a leitura do código, Neide deixava o endereço online para ser acessado de forma manual.
A pretensão de Neide é atingir a marca de 1 mil inscritos no canal, e conseguir monetizá-lo. Ela também sonha em futuramente abrir um restaurante com atendimento online para trabalhar com entregas por delivery, já que os inscritos gostam das receitas e pedem para ela fazer e entregar.
Surgimento do canal
Desempregada desde novembro de 2021, Neide tinha uma rotina profissional corrida. Ela trabalhava como diarista na região central de São Paulo, realizando serviços de limpeza em duas casas de segunda a sexta-feira e um escritório de advocacia que ela atendia sempre no domingo.
Com pouco tempo para descansar, tudo mudou na vida da Neide, após ela passar mal durante o trabalho e descobrir que estava tendo uma arritmia cardíaca.
“Eu estava finalizando a limpeza e de repente eu comecei a me sentir tonta, sem força na perna e nos braços. Eu cheguei a terminar o serviço segurando nas paredes”
conta.
A diarista precisou ficar internada, usar aparelhos e começar um tratamento com medicações fortes e realizar eletrocardiogramas periódicos durante três meses, por isso não conseguiu mais trabalhar, já que não era registrada e ganhava por dia de serviço prestado.
Pensativa sobre a oportunidade de trabalho e renda que poderia não voltar mais, Neide conta que até hoje mantém contato com os antigos empregadores, e relata que eles se preocupam com o seu estado de saúde.
“Elas ficaram com medo da responsabilidade. Mas aí elas me pagaram direitinho, fiz o acordo e aí deu tudo certo graças a Deus, né? Até hoje elas me ligam pra saber se estou bem, mas já colocaram pessoas ocupando o lugar que eu estava e eu fiquei muito triste porque quando me ligaram falando que já tinha uma outra pessoa, eu tinha a esperança de ficar boa e retornar, mas não foi bem assim”, relata.
Após perder a fonte de renda em plena pandemia de covid-19, a diarista relata que iniciou um processo de desenvolvimento de depressão. Triste por ver a mãe desanimada, o filho mais velho, Bruno Rolim, 29, junto com a ajuda da filha Estela Sousa, incentivaram Neide a criar o canal “Cozinha Sem pressão”.
“Mãe, vamos criar esse canal, como eu já havia dito. Você gosta de cozinhar, o seu tempero é muito bom, vamos criar esse canal, você vai se distraindo”, relembra Bruno, sobre um dos diálogos de incentivo para sua mãe criar alguma alternativa para ocupar a mente, que estava sendo tomada por um processo de depressão.
Aos 52 anos, após relutar bastante, Neide topou a ideia e com a ajuda de Estela, que fazia a gravação, edição e postagem no Youtube, elas lançaram o canal. No começo, a diarista não tinha um celular para gravar os vídeos e pegava emprestado do filho Bruno, de Estela ou o da nora Gabrielly, 23, que ia trabalhar e deixava o aparelho para a sogra poder usar.
“Era bem difícil, né? Quando a minha nora ia sair, a gente ficava sem saber o que fazer pra gravar. Pra você ter uma ideia foi tão difícil [o começo] que eu não tinha um rolo pra abrir o pão, aí eu abria com o copo. E às vezes não tinha panela o suficiente pra gravar, não tinha as coisas e eu improvisava. Eu ficava achando que não ia dar. Depois eu acordei. Eu falei: quer saber de uma coisa? Vou fazer e vai dar certo, isso vai bombar”
relata emocionada.
A parte favorita de Neide é escolher qual comida irá preparar, nos livros e revistas de receita que ela coleciona desde 1988, e guarda embalados com muito carinho. Depois, ela faz a lista de ingredientes, compra no mercado e separa na bancada para começar a gravação.
“Eu adoro gravar, eu separo as coisinhas de gravar, né? Os alimentos bonitinhos. Eu sempre gostei de cozinhar. Então é coisa que eu faço porque eu gosto muito”, finaliza.