Coletivo Coletores vira referência de vídeo projeção nas periferias

Edição:
Ronaldo Matos

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Artistas visuais mostram como a técnica do vídeo projeção que se tornou parte da paisagem de prédios no centro de São Paulo durante a pandemia, pode ganhar as quebradas e se transformar em uma linguagem artística e autônoma para informar moradores. 



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A criatividade dos artistas visuais Toni Baptiste, 36, e Flávio Camargo, 44, transformou a técnica elitizada de vídeo projeção em linguagem artística voltada para as periferias da cidade de São Paulo. Juntos, eles formam o Coletivo Coletores, um dos principais precursores desta linguagem que foi disseminada ainda mais por conta da pandemia de covid-19.

Com restrições à circulação de pessoas pela cidade, a vídeo projeção conquistou as ruas e foi exibida pelas redes sociais e canais de streaming. A ocupação da cidade com arte e tecnologia foi alcançando as telas dos celulares e é tema de uma formação gratuita e virtual ministrada pelo Coletores e realizada pelo Centro de Mídia M’ Boi Mirim, espaço de trabalho compartilhado e formação para comunicadores das periferias.

Os artistas formaram o coletivo em 2008, durante a graduação em Artes Visuais e ambos eram professores da rede pública. “Quando conhecemos a vídeo projeção, tínhamos menos recursos do que temos hoje. Compramos projetor para dar aula e usamos este mesmo projetor para fazer as nossas ações artísticas”, conta Toni Baptiste, que é morador da Vila Flávia, bairro do distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo.

A vídeo projeção na pandemia  

Em março de 2020, momento que marcou a chegada da pandemia nas periferias de São Paulo, todas as atividades que o Coletores tinha programado foram canceladas. Como muitas das famílias das periferias, os artistas tiveram parentes e vizinhos infectados e também vítimas da covid-19.

Com o distanciamento social, foi possível acompanhar pelas redes sociais que muitos grupos que trabalham com vídeo projeção em uso comercial ou de entretenimento, passaram a utilizar a técnica para trazer mensagens de conforto e reivindicações no contexto da pandemia.

“A maioria dessas projeções eram no centro de São Paulo, de pessoas que moravam em apartamentos na região e que tinham uma vista privilegiada, para que elas pudessem da própria janela ter um grande paredão para projetar. Essa informação circulava apenas no circuito da vídeo projeção e quando tinha uma mensagem conveniente, a grande mídia divulgava”, conta Toni sobre como essas ações eram restritas e não dialogavam com as periferias.

Ainda em 2020, surgiu um convite do CPDOC Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás) para fortalecer uma manifestação contra a reabertura de um shopping em Itaquera, zona leste. Além dessa pauta, a manifestação também reivindicava um hospital de campanha na zona leste, que era na época a região do estado de São Paulo onde mais havia vítimas de coronavírus. Com equipamentos simples, o Coletores fez de forma independente nesta manifestação a “projeção de guerrilha”, que também é um dos temas da formação ministrada em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim.

Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, o coletivo também fez uma outra ação de vídeo projeção em equipamentos de saúde. Com equipamentos dentro de uma kombi, o Coletores saiu pelas ruas da zona leste para homenagear os profissionais de saúde que são linha de frente no combate à pandemia, além de trazer mensagens de conscientização.

Subvertendo o equipamento, criando uma linguagem 

Interessados em pensar a arte urbana para além das linguagens tradicionais como o grafitti e o pixo, o Coletores desde suas primeiras ações se empenhou em utilizar criativamente uma combinação de técnicas para criar experimentações artísticas inovadoras. Passando pela fotografia, instalações, design, grafitti, animações e games, a vídeo projeção se apresentou como um desafio com amplas oportunidades.

A barreira da aquisição de equipamentos caros não intimidou o Coletivo Coletores, como conta Flávio. “A gente pensa a projeção como uma linguagem. A gente não pensa só no que será projetado, o conteúdo em si. Temos um modo de fazer. Muitas vezes, em trabalhos que repercutem até hoje, nós tínhamos equipamentos muito aquém daquilo. Mas por a gente ter conseguido adaptar a precariedade dos nossos equipamentos à nossa linguagem, conseguimos tirar proveito disso”, compartilha o artista, que é morador de Poá, município da Grande São Paulo.

Segundo ele, durante o processo de produção das imagens e textos a serem projetados, há a curadoria e edição que burla características dos equipamentos que seriam desfavoráveis.

Um dos exemplos mais emblemáticos dos trabalhos do Coletores é a série de pesquisa iconográfica “Resistência”, que ainda está em desenvolvimento, é feita a partir de fotografias de momentos históricos da luta da população negra, indígena e periférica no mundo.

A fotografia da caminhada de 1965 liderada por Martin Luther King, militante do movimento negro nos Estados Unidos, em Selma, no estado do Alabama, foi projetada na favela da Vila Flávia, zona leste de São Paulo. Considerando o registro da ação tão relevante quanto a intervenção em si, na fotografia da atividade feita pelo Coletores é possível observar as texturas das paredes das casas, sua iluminação e partes do seu interior. Dessa maneira, a “foto da foto” torna-se uma outra obra em si porque captura as interpretações possíveis entre a vida dos moradores das periferias da cidade de São Paulo no século XXI e a luta por direitos da população negra na década de 60 em uma das regiões mais racistas dos Estados Unidos.

Aprenda a multiplicidade desta linguagem tecnológica 

A vídeo projeção, utilizada como linguagem, pode tornar o conteúdo mais dinâmico e agregar outra camada de experiência visual. Dentre os trabalhos que os Coletores já fizeram em parceria com outras coletividades e artistas, estão shows musicais e peças teatrais.

Desde o ano passado, o coletivo realizou diversas oficinas em espaços culturais, como o equipamento estadual Oficina Alfredo Volpi em Itaquera, quanto em espaços universitários como a UFABC e USP. No final deste mês, entre os dias 26 e 29, eles irão ministrar uma oficina gratuita e virtual em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim. “A gente sempre pensa a oficina como um campo aberto. De repente, o interesse da pessoa não é a vídeo projeção em si, mas a produção de conteúdo para esta linguagem, como a animação. Entendemos que esse é um ponto de partida, uma entrada a este mundo de produção. Por isso, partimos de ferramentas que sejam usadas de maneira muito intuitiva, acessível. A gente tenta mostrar que existem vários caminhos, como o da poética, para pensar a estética. E também tem um caminho da operação, que muita gente também se interessa pela matemática da coisa”, conta Flávio.

A partir destes tantos caminhos na linguagem, o Coletores selecionou quatro estilos para serem ministrados na atividade voltada para moradores das periferias, são eles: Vídeo Mapping, Vídeo Guerrilha, Projeção em Shows e Grafitti Digital, que é uma linguagem desenvolvida pelo Coletores. “Ao mapearmos o grafitti e fazermos uma projeção nele, criamos uma outra camada de interpretação dele”, acrescenta Toni sobre as novas abordagens dessa linguagem.

São disponibilizadas 30 vagas e as inscrições para a Oficina de Vídeo Projeção ficam abertas até o dia 22 de abril ou até o número de vagas serem atingidos por ordem de inscrição. Para fazer a inscrição, é necessário acessar este link. As aulas acontecem das 19h às 21h e serão ministradas pelo aplicativo Google Meet, sendo que o contato com os inscritos será feito pelo WhatsApp.

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