Derivado do formato do podcast, o videocast chega às periferias, por meio de iniciativas que querem revelar novos talentos artísticos na quebrada e desenvolver uma visão empresarial na comunicação digital nas periferias.
Foi observando os assuntos mais comentados por moradores em grupos de Facebook e em Lives, que o autônomo Maykon Telles, 25, morador Jardim Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, decidiu criar o videocast Papo de quebrada, um programa de entrevistas que destaca a participação de artistas independentes e personalidades das periferias.
O que chama a atenção na história de Maykon é a forma como ele construiu a ideia do videocast. Ele conta que foi a partir da produção de lives dentro do seu carro que surgiu os primeiros experimentos digitais para sentir a receptividade do público na internet.
“Eu tinha um carro, um palio 97, aí eu comecei a fazer as lives nesse carro, e meu eu gostava tanto, eu comecei a fazer muito sucesso nesses grupos do Facebook fazendo live e trocando ideia com eles. Mano foi um bagulho muito legal”, relembra o produtor de conteúdo.
A partir destes experimentos de produção de lives dentro do seu carro, ele percebeu que poderia produzir seus próprios conteúdos e ser referência para outras pessoas do bairro usando plataformas digitais de produção de narrativas.
Uma das inspirações para Maykon lançar o Papo de Quebrada foi assistir o já consolidado videocast Podpah, programa de entrevistas que recebe personalidades da música brasileira no Youtube.
“Comecei assistir o Podpah, aí eu comecei a entender mais sobre isso, e daí eu tive essa ideia de fazer um programa chamado cozinhando e resenhando”
Maykon Telles, criador do videocast Papo de Quebrada
A ideia inicial do produtor de conteúdo consistia em criar um podcast diário com a participação de MC´s de rap e funk para bater papo, enquanto eles cozinhavam algum prato. “Seria tipo uma ‘Ana Maria Braga’ aí eu chamaria os MC´s para ficar trocando ideia e fazendo comida”, relata ele, enfatizando que esse formato não foi para frente, devido à falta de dinheiro para bancar a produção do programa.
Ao entender que essa história de podcast iria gerar muitos gastos diário, Maykon passou a desenvolver também um olhar de negócios para o seu projeto.
“Mano imagina pegar e comprar comida todo o dia? Eu não tinha a noção que eu tenho hoje, se eu tivesse a noção que eu tenho hoje, esse pouco tempo de podcast, eu aprendi sobre marketing, sobre tanta coisa velho, se eu tivesse o conhecimento que eu tenho hoje eu até conseguiria um parceiro para me conceder comida todos os dias “, afirma.
Ao final desse processo, Maykon optou por um formato de gravação em estúdio, saindo do seu Palio 97, para ocupar a casa da sua vó. “Eu tinha a casa do meu pai e da minha mãe só que nenhuma dessas casas chegava internet suficiente ao ponto de fazer live com qualidade boa, então eu peguei e fui conversar com minha avó, que era a única que tinha internet que conseguia suprir o que a gente precisava”, explica.
Além de seus familiares, ele teve apoio de seus amigos que acreditaram na ideia e investiram com o empréstimo de equipamentos de áudio, que hoje são a base do seu videocast Papo de Quebrada
“Eu precisava de um equipamento de áudio e tem o Alemão, um amigo meu que a gente conversa todos os dias, e trocando ideia com ele sobre o projeto ele falou pra mim: Maykon eu tenho 5 microfones, uma potência e uma mesa de som, eu consigo estar te ajudando”, comenta ele, que mesmo sem capital de giro para colocar o projeto em prática, contou com ao apoio de familiares e amigos para tirar a ideia do papel.
Desmistificar que a periferia só tem coisas ruins em seu cotidiano é um dos principais objetivos do videocast. Papo de Quebrada. “Como a mídia só mostra o lado ruim da quebrada, eu fiz o programa para mostrar o lado bom da quebrada, mostrar os artistas que a quebrada tem “, conta.
Ele acredita na importância dos artistas ‘da ponte pra cá’ serem mais vistos e valorizados nas redes sociais. “Claro que vai vir uns caras famosos para impulsionar o canal, só que o foco é ajudar os caras que tá na quebrada e tem muitos que são bons e não estão sendo vistos”, argumenta.
A visão de Maikon de valorizar artistas independentes da periferia que tem pouco espaço na mídia caminha junto do propósito empresarial do produtor de conteúdo. Segundo ele, é preciso construir uma mudança no formato de investir na quebrada.
“Vamos colocar uma filosofia diferente na cabeça das pessoas, pegar um empresário e colocar na cabeça dele que não precisa só empresariar jogador de futebol, que a quebrada não tem só jogador bom de futebol, ele pode empresariar a carreira de um MC, a carreira de um ator, a carreira de seja lá o sonho que a pessoa tiver, então eu fiz no intuito disso o podcast”, complementa.
Atualmente o estúdio do Papo de Quebrada está localizado no Parque Santo Antônio, bairro localizado no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. O espaço onde rola as gravações do videocast ganhou uma nova estrutura. “A gente conseguiu fazer um estúdio com sistema Chroma-key, aquele fundo verde que a gente coloca uma favela pro pessoal quando tiver em casa assistir a gente. Essa tecnologia ficou bem legal”, conta Maykon, demonstrando que o sonho cresceu e cada vez mais ganha mais apoiadores.
Em menos de seis meses de atuação, o videocast Papo de Quebrada já acumula muitas parcerias com comerciantes da região. “A gente tem parceria com pizzaria, hamburgueria, adega, tabacaria e tem umas parcerias que mandam coisas pra minha casa entendeu”, revela Maykon.
“Nenhum de nós sabia lidar com equipamentos e tudo mais”
O morador do Parque do Carmo Anderson Alves é apresentador e investidor do No Fundão, um videocast com estúdio localizado na Cidade de Tiradentes, extremo leste de São Paulo. Mesmo com os desafios de infraestrutura, como acesso a equipamentos e principalmente de acesso à internet de qualidade, o projeto virou uma realidade que demorou apenas duas semanas para ser colocada em prática.
“Duas semanas depois de tomar a decisão de produzir o videocast eu já estava comprando tudo, aí a gente tinha só o desafio de encontrar o lugar. Eu sempre quis que fosse na Cidade Tiradentes, a gente até chegou a cogitar em ir pra outros bairros, por questões técnicas de infraestrutura, pelo fato de a Cidade Tiradentes não ter uma estrutura legal “. relata o apresentador do programa.
Ele considera a missão de produzir conteúdos digitais nos territórios periféricos um desafio difícil pela dificuldade em encontrar um serviço de internet de qualidade na região da Cidade Tiradentes.
“Primeiro que a gente não achou uma empresa que tenha internet no nível que o programa exige, uma internet boa para ficar uma transmissão legal, isso é uma coisa que tá limitando a gente agora, é um dos maiores desafios nossos”, afirma Alves, que segue em busca de serviços de internet adequados a realidade de consumo de dados do projeto de videocast.
Mesmo com os desafios de conexão, que acabam gerando uma série de gargalos na evolução do projeto, o apresentador revela que descobrir os talentos artísticos da quebrada acaba sendo uma grande fonte de energia para manter o projeto de pé.
“A gente acabou descobrindo que tem muito mais que a gente imaginava, tem muito talento descoberto, tem muita voz calada, e a gente tá dando um pouquinho de espaço pra cada um, a maioria tá ali na luta buscando um espaço na mídia, é o sonho de todo artista seja qual for o nicho dele”
Anderson Alves, apresentador e investidor do videocast No Fundão
Outro desafio apontado por Anderson é o fato dele e da sua equipe estar em processo de aprendizado para mexer nos equipamentos do estúdio, entendendo a técnica dos aparelhos eletrônicos de áudio na prática. “O aprendizado maior foi fazer a coisa acontecer, mexer em um programa não é fácil não”, revela.
Ele conta que no momento não tem um profissional técnico de áudio ou formado em produção de conteúdo digital na sua equipe para mexer nos equipamentos, e que a saída tem sido pedir suporte para os amigos que tem mais experiência no ramo.
“Pedimos muita ajuda de gente que entende e que é técnico, por meio de ligações pelo telefone ou chamado de vídeo. Eles dizem: ‘faz assim ou assado que na internet tem um programinha que faz isso’. Mas nenhum de nós sabe lidar com equipamentos e tudo mais, acho que é a maior dificuldade também”, diz o apresentador, que investiu no projeto e acredita no potencial do programa.
Com uma proposta de valor semelhante ao Papo da Quebrada, o No Fundão já está recebendo investimentos de comércios das periferias da zona leste. “A gente está conseguindo fechar patrocínio, essa semana inclusive a gente conseguiu fechar nosso primeiro patrocínio, fechamos um patrocínio por 15 dias, aí vamos rodar esse comercial. Estamos correndo atrás de um outro patrocinador e assim por diante”, conta Anderson, enfatizando que o propósito editorial do programa chama a atenção dos parceiros, pelo fato de valorizar os artistas dos territórios periféricos.
Ele e sua equipe ainda estão aprendendo a mexer nos equipamentos, mas os planos de futuro são promissores, pelo fato de já ter montado o próprio estúdio e conseguir parceiros para apoiar a produção do programa.
“Durante esse tempo a coisa que eu não imaginaria fazer é dar conta de conduzir um programa, querendo ou não a gente já trabalha com audiovisual, é imagem e áudio né, agora que tá vindo um podcast com formato de vídeo, a gente por nunca ter feito foi uma descoberta nova pra gente, mas a gente vê que agora que somos capazes de fazer o que a gente quiser, a gente é capaz de testar, se adaptar e aprender qualquer coisa”, finaliza o apresentador.