“Somos mães atrevidas”: mulheres criam organização para combater encarceramento nas periferias

Edição:
Ronaldo Matos

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Em Itaquera, zona leste de São Paulo, movimento de mães democratiza há 22 anos o acesso à informação sobre direitos sociais para que famílias possam conviver e proteger seus filhos dentro do sistema prisional. 

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Maria Aparecida Soares de Melo, 52, é moradora de Diadema e há mais de vinte anos, ela luta pela garantia de direitos para pessoas que estão ou passaram pelo sistema prisional. (Foto: Carolina Carmo)

Em 1998 quando o filho adolescente de Maria Aparecida Soares de Melo, 52, é moradora de Diadema, foi levado para antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM), ela conta que se viu perdida e desamparada, sem entender o que poderia ser feito, por não ter consciência de quais eram os seus direitos como mãe diante daquela situação.

“Cheguei na delegacia e fui humilhada né, porque eles humilham a gente. Daí na porta da FEBEM a gente se uniu com meia dúzia de mães e falou: “Isso tá errado, tão me privando de tudo”, lembra Aparecida.

Para ela, o Estado fala isso e aquilo, mas não explica na prática quais sãos os direitos das famílias que tem seus filhos privados de liberdade. Viver essa situação mudou para sempre a vida dela e de muitas mães que estavam na mesma situação.

“Daí a gente fundou uma associação, na época chamava “AMAR” Associação de Mães e Amigos de Adolescentes em Risco. A gente fez um trabalho muito bonito, a gente ganhou até prêmios de direitos humanos”, conta ela. 

“O nosso intuito lá atrás era fundar um grupo de mães mais atrevidas, porque nós somos atrevidas mesmo”

Maria Aparecida é conhecida como Cidinha entre as mães da Associação Amparar.

Um dos objetivos da inicialmente AMAR, organização social que hoje se chama AMPARAR, era fundar uma organização de mães desafiadoras e presentes na cobrança da assistência que deveria ser prestada às pessoas em situação de cárcere e a família delas.

“O nosso intuito lá atrás era fundar um grupo de mães mais atrevidas, porque nós somos atrevidas mesmo, para formar outras mães a não aceitar o sistema!”, conta Cidinha, uma das fundadoras da AMPARAR.

A AMPARAR oferece serviços essenciais que deveriam ser oferecidos pelo poder público, desde assistência psicológica a orientação jurídica, e através de doações também distribui cestas básicas aos familiares que tem parentes no sistema prisional.

Cidinha conta também que a AMPARAR hoje é reconhecida internacionalmente e que seu filho não está mais privado de liberdade, mas ela ressalta que o filho da coordenadora da associação está no sistema prisional, e esse fato reforça a importância de seguir construindo ações afirmativas para a população pobre, preta e periférica ter acesso aos seus direitos no sistema prisional.

O sistema prisional e a ressocialização  

Para Carlos Alberto de Souza Junior, vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, a sociedade precisa entender o que é e como funciona o sistema prisional. “As discussões avançaram, mas a sociedade ainda precisa entender o que é o sistema prisional, o que é a cadeia que nós temos hoje que não reeduca, não ressocializa, não cumpre uma função social”, argumenta.

Ele complementa enfatizando que essa discussão na sociedade precisa acontecer para ampliar o debate sobre o que é segurança pública. “Se a gente trabalhar com isso, a gente acaba com políticas como a segurança pública, que não é uma política pública, pelo contrário, vem cumprindo um papel péssimo na sociedade”, diz ele.

O vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, que é especializado em gestão de organizações sociais e em gestão de políticas sociais também ressalta os impactos que o sistema prisional gera nas pessoas que já ficaram privadas de liberdade, por cometer algum tipo de delito.

“A pessoa que tá presa é aquela que cometeu um mal a alguém, não veem que ali está um ser humano, as pessoas nesse caso esquecem a história, elas veem só o momento. Ai se cria um estigma”, explica.

“A ausência de oportunidades de emprego e qualificação profissional acabam prejudicando todo esse contexto de ressocialização”

 Carlos Alberto de Souza Junior é vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

 Esse estigma citado por Souza também é lembrado por Cidinha como um fato que acompanha a vida e as relações sociais de quem passa pelo sistema prisional. “Quando uma pessoa vai presa todo mundo tem preconceito, o filho de fulano foi preso, não presta. O meu que é bom. Eu era assim, eu não enxergava. Hoje eu penso diferente”, afirma Cidinha, uma das fundadoras do AMPARAR.

Um dos caminhos para as pessoas que passaram pelo sistema prisional recuperar sua autoestima e combater o preconceito que gira em torno dela é a conquista de um trabalho formal, com garantia de direitos. Mas esse é outro desafio para quem vive essa realidade.

Segundo Souza, existem no Estado de São Paulo uma média de 11 cadeiras que tem atuam no formato de Colônia, essas unidades prisionais oferecem formação e oportunidade de trabalho para quem está privado de liberdade, mas a qualidade dos cursos e dos empregos oferecidos ainda é algo a ser debatido pela sociedade.

“A ausência de oportunidades de emprego e qualificação profissional acabam prejudicando todo esse contexto de ressocialização, não gosto muito desse termo, porque falam em ressocializar como se a pessoa fosse a pior do mundo, mas tem outras conjunturas e contextos que colocam a pessoa em situação de violência”, finaliza o vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente.

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