Centro de Estudos Periféricos publica medidas de combate ao coronavírus nas periferias
Atento aos impactos da desigualdade social que afeta historicamente a vida de quem mora nas periferias, o Centro de Estudos Periféricos (CEP) publicou nesta segunda-feira (30) um documento no qual um grupo de pesquisadores acadêmicos que produzem conhecimento a partir dos territórios periféricos, orienta representantes do poder público, através de uma lista de medidas urgentes para serem adotadas e implantadas para contenção da pandemia de coronavírus nos territórios.
Segundo Tiaraju Pablo D'Andrea, professor da Unifesp e coordenador do (CEP), o centro de estudos está disposto a atuar em parceria com representantes do poder público para superar os efeitos da pandemia nos territórios. "Em momentos como esse, todas as organizações da sociedade civil devem estar dispostas a contribuir para formulação e implantação prática de soluções", afirma o pesquisador.
Ela ressalta que não há uma confiança nos representantes do poder público municipal, estadual e federal, no entanto, como uma organização da sociedade civil, é um dever do centro de estudos contribuir com soluções para combate ao coronavírus nas periferias e favelas. "Estamos dispostos momentaneamente a se aliar com governantes e representantes do poder público para contribuir com soluções que evitem a propagação da pandemia nos territórios."
Enquanto os equipamentos públicos de saúde localizados nos territórios periféricos da cidade de São Paulo demonstram incapacidade técnica e estrutural para atender a população, como falta de equipamentos de proteção para médicos e enfermeiros, número insuficiente de leitos hospitalares equipados com UTIs e ventiladores pulmonares para respiração, o avanço do número de casos de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, não para de crescer.
Junto a esse cenário, uma sensação de não saber ao certo o real impacto da pandemia, toma conta das pessoas pelo fato de não haver uma quantidade de testes suficientes para diagnosticar o número real de infectados pelo vírus.
Consciente da importância do Estado para criação de políticas públicas emergenciais para combater a precarização dos direitos sociais, como equipamento públicos de saúde e a geração de renda e emprego, o pesquisador alerta: "se a gente somar as condições sanitárias, ambientais e econômicas da população moradora de periferias e favelas, a gente pode prever um cenário bastante catastrófico nas próximas semanas", avalia ele.
Para reduzir ao máximo o número de mortes causadas pelo coronavírus nas periferias, Tiaraju enfatiza que nesse momento, o Estado precisa garantir que o morador da periferia não saia de casa para trabalhar, dando a ele uma renda suficiente o bastante para manter sua família. "A gente precisa de um estado que solicite à população que faça quarentena. Mas esse mesmo estado deveria ajudar as pessoas mais pobres com ajudas estatais. Isso veio de uma forma muito tímida e abaixo do valor que as pessoas precisam," comenta ele, fazendo uma referência ao valor de R$ 600 aprovado pela renda básica emergencial, que ainda depende da assinatura do presidente Jair Bolsonaro.
O pesquisador encerra a entrevista lembrando a importância dos moradores das periferias se organizarem em redes de apoio comunitário para impedir o avanço da pandemia. "Solicitamos as populações das periferias que tomem essa atitude e que se unam em redes de solidariedade com ou sem o apoio dos governantes, para diminuir o impacto da pandemia de coronavírus nos territórios."
Confira a lista completa de medias para conter a pandemia.
• Montagem urgente de hospitais de campanha nas escolas e terrenos ociosos das quebradas;
• Distribuição de água com a disponibilização de caminhões pipas para regiões que não tem saneamento básico;
• Distribuição gratuita de kits de higiene, limpeza e prevenção (álcool gel, álcool líquido, sabonetes, toalhas, escovas de dente, pastas de dente, máscaras);
• Suspensão da cobrança de contas de água e luz;
• Suspensão da cobrança de parcelas e juros de financiamentos em geral, incluindo as famílias com dívidas com a Caixa;
• Suspensão da cobrança aluguéis residenciais e comerciais;
• Congelamento do preço do botijão de gás e dos alimentos da cesta básica;
• Compra de itens de primeira necessidade dos comércios de bairro, por parte do poder público, para distribuição gratuita nas quebradas;
• Rápida liberação dos recursos da renda mínima para trabalhadores/as informais e desempregados;
•Manutenção da distribuição de merendas nas escolas nas regiões mais pobres;
• Campanha de conscientização mais amplas, com carros de som, músicas e vídeos que dialoguem com as quebradas;
• Não à policialização da situação, evitando o aumento do encarceramento;
• Não ao isolamento vertical. Nas periferias, diversas gerações da mesma família dividem a mesma casa ou o mesmo quintal com frequência. Quem tiver a obrigação de sair pra trabalhar, vai certamente trazer o vírus para casa;
• Reforço às medidas de proteção para quem trabalha em setores essenciais, como transportes, supermercados, feiras livres, farmácias, fábricas, abastecimento, entre outros;
• Transferência de pessoas que fazem parte dos grupos mais vulneráveis para quartos adequados de hotéis disponibilizados pelo poder público.
• Descentralização dos kits de teste do centro para os bairros de periferia em UPAs e UBS, com orientação e insumos para o gerenciamento de casos menos graves. Essa medida evitaria também deslocamentos desnecessários;
• Ampliação da rede de wi-fi grátis nas periferias;
• Estabelecimento de fluxo para o abrigo de mulheres em situação de risco de morte com a desburocratização imediata do acesso às Casas-Abrigo para as mulheres, dispondo de um número público que disponha de vagas para o abrigo emergencial em caso de violência, além do acolhimento das demais demandas divulgadas em Nota pela Rede de Prevenção e Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da Zona Leste (leia aqui);
• Não fechamento do atendimento no hospital de referência em aborto legal, tendo em vista que são procedimentos que não podem esperar e que devem sofrer um aumento de demanda durante o período de confinamento, junto com a violência doméstica;
• Não à diminuição da quantidade de trens e metrôs, evitando assim aglomeração no transporte de trabalhadores de serviços essenciais;
Como medidas para conter a crise, o Centro de Estudos Periféricos recomenda também:
• Taxação das grandes fortunas e vinculação desses recursos ao SUS;
• Suspensão imediata do pagamento dos juros da dívida pública;
• Fim do teto de gastos para saúde e educação.
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