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Arte educadora utiliza o grafite como forma de expressão e apoio a maternidade solo

Edição:
Evelyn Vilhena

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 A arte educadora Mariana Salomão, encontra no grafite o matriarcado de quebrada e conta as tretas de ocupar os espaços públicos com a sua arte.

 Mariana Salomão, 41, é grafiteira, arte educadora, mãe solo e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ela se formou em educação artística e começou a dar aulas na rede estadual, trabalho que desenvolve há vinte anos. Através da pós-graduação na Unesp, voltada para a promoção da igualdade racial nas escolas, a arte educadora começou a pesquisar e trabalhar a linguagem do grafite em sala de aula.

“Mais ou menos em 2013, peguei um spray e começou minha jornada de ir pra rua, de sentir o que é o grafite, de me encontrar, encontrar uma forma de expressão que me representasse mais, eu já era mãe e comecei assim”, conta Mariana Salomão.

Ela afirma que o grafite foi o encontro com a sua identidade como artista, e a partir daí começou a se questionar e entender o seu lugar dentro da sua comunidade.

“Encontrei no grafite o matriarcado de quebrada, que chamo de estar dentro da comunidade, junto com as mães, com as avós, com essa rede de mulheres que movimentam a quebrada mesmo. Essa rede de apoio”, reflete a arte educadora sobre ser mãe e artista na quebrada.

Mariana afirma que o grafite foi uma forma de criar redes e fazer conexões, compartilhando as vozes das mães correrias, a mãe solo periférica: “Dentro desse patriarcado que oprime muito a gente e sobre a culpa, né. Dizem que nasce uma mãe, nasce uma culpa, tento representar mesmo o que a gente passa”, diz.

Ao longo da sua trajetória como grafiteira, Mariana encontrou muitos desafios e relata momentos em que seu trabalho sofreu apagamentos. “Uma mulher na rua é sempre um corpo vulnerável”. afirma.

Ela compartilha que quando teve a oportunidade de ser artista convidada de um encontro de estencialistas, modalidade do grafite, teve seu trabalho barrado por envolver questões políticas.

“Coloquei Marielle Presente, gerou uma discussão, eu vi que meu trabalho estava sendo censurado. O organizador não se posicionou, não tive suporte e vi que ia ser apagada, e isso foi um evento, tá tudo registrado”, relata.

“Como sou mãe solo, comecei a assinar como mãe correria e usar o grafite como forma de expressão disso mesmo, de falar sobre o peso e a responsabilidade que a gente carrega dentro da quebrada”.

Mariana Salomão, arte educadora e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo.

Ao conversar com a artista visual, antropóloga e grafiteira Carolina Itzá, que desenvolveu uma pesquisa chamada ÚTERO URB, uma residência artística autônoma pela América Latina, ela explica que essa dinâmica de apagamento de trabalhos no espaço público é comum e atinge com frequência alguns grupos específicos de artistas.

“Os trabalhos de mulheres, feitos por mulheres e dissidentes de gênero, também são tratados na rua como os nossos corpas, isso porque existe uma solidariedade masculina que tenta fazer com que essas expressões voltem para o seu lugar de subalternidade”, analisa Itzá.

Carolina Itza é artista visual e antropóloga. (Foto: Carolina Carmo)
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“É uma aliança simbólica expressiva, quando um homem atropela um trabalho de uma mulher, que é uma coisa muito frequente, ele tá dizendo, além de danificando o nosso trabalho: ‘olha aqui eu sou solidário aos outros homens, vocês vão pra invisibilidade, vocês vão pra um lugar apagado na cidade'”, coloca a artista visual e antropóloga.

“E também quando tem imagens de mulheres, imagens que remetem a corpa feminina, também esse trabalho pode ser danificado”, analisa Itzá.

Marina reforça a importância da arte como forma de existência e representação de um lugar político. “Acredito que a arte é política e não vejo outra maneira de fazer minha arte”.

Para a arte educadora, o ato de estar na rua com o seu corpo e o seu filho, sempre nos corres, é uma afirmação do seu poder de questionar os espaços da arte e o machismo como uma mulher preta, sapatão e mãe solo.

“Estou falando de um apagamento, de um silenciamento, de uma referência a uma mulher que representa muita coisa, uma força muito grande”, ressalta.

Ela também aborda a arte como um lugar de representação e questiona as homenagens e monumentos espalhados pela cidade com referências a figuras como Borba Gato.

“E esse Borba Gato que representa um assassino? Monumentos também são arte de rua, o que a gente quer preservar dessa história? Mas é história, tem que preservar, mas você vai preservar uma homenagem? E a imagem da Marielle sempre sofre ataques. Até uma resposta a esse incêndio do Borba Gato foi ir lá e pixar a Mariele”, reflete Mariana.

A antropóloga Itzá, ressalta que a rua tem um alcance muito maior, e que as respostas das ruas são imprevisíveis, diferente do que acontece em um ambiente controlado como em um museu. Isso implica uma responsabilidade com o discurso e com a exposição do artista e da obra, já que é um ambiente de disputa de narrativas.

“O imaginário não é só algo abstrato que fica na nossa cabeça, a gente acha que uma pintura é só uma pintura, mas não é, uma pintura ela tem poder. Então essa ação do Borba Gato entra em sintonia com outras ações que têm sido feitas não só no Brasil, mas na América Latina inteira”, analisa Itzá.

Ela reforça que essas movimentações e questionamentos, são um movimento não apenas do Brasil, mas na América Latina.

“Muitas vezes as pessoas tentam neutralizar as tretas que vem acontecendo, desse genocidio, mas num país com o histórico de violência como o nosso, isso é difícil. Essas ações de insurgência têm sido feitas necessariamente em lugares que não são centrais, aí tem uma coisa nova, você começa a movimentar outros territórios”, coloca.

A rua sendo um espaço público, coloca os trabalhos que ali estão num estado de constante mudança e sujeito às interferências da população. Assim, a construção de monumentos e homenagens deveriam ser mediadas pelo poder público através de restaurações e debates abertos.

Nos últimos tempos, devido às ações em torno da estátua do Borba Gato, na zona sul de São Paulo, esse movimento se intensificou pela cidade, e como analisa Itzá, vários trabalhos entraram no “território de disputa de imaginários”, que coloca a rua como esse território de disputa imagética, com movimentos de insurgências e reavaliações históricas acontecendo por toda América Latina.

“Cabe a nós traçarmos as melhores estratégias para estar nessa guerra, para sobreviver e manter vivo o nosso imaginário”, conclui Carolina Itzá.

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