Onda de privatizações e política de encarceramento

Por:
Wellington Lopes e Laís Silva

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A intensificação das privatizações levanta questões cruciais sobre o papel do Estado no atendimento das necessidades primárias da sociedade. Enquanto a busca por eficiência e atração de investimentos são motivadores, é crucial avaliar como essas mudanças impactam diretamente o acesso da população a direitos essenciais, como saúde, educação, transporte, dentre outros.

Essa reflexão é fundamental porque há um equívoco comum em acreditar que os programas de privatizações melhoram a qualidade dos serviços, expandem seu alcance, trazem benefícios de arrecadação e, por último, que o setor privado existe separado dos interesses políticos que contaminam o serviço público.

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“Eficiência” e “corrupção” são as duas palavras mais entusiastas dos liberais que “promovem à marteladas, ferro e fogo”, os programas de privatização, como o carioca que governa São Paulo, Tarcisio de Freitas. Entretanto, isso não é uma característica exclusiva da direita brasileira ou do carioca que governa os paulistas.

Sempre o que está em jogo é o interesse, o capital político e econômico por trás do lobby pela privatização e a criação de coalizões de forças em qualquer um dos três níveis federativos nas relações entre os poderes legislativo e executivo.

Entretanto, não é apenas no Estado paulista que direitos essenciais estão na mira de grandes empresas e correm riscos de serem privatizados. Apesar do nosso enfoque ser as ondas de privatizações em SP, abaixo vocês podem verificar um breve panorama das políticas de privatização de líder a frente do governo federal.

Políticas de privatizações de cada governo

Governo FHC (1995-2002) – durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil vivenciou o período de maior privatização da história, entre 1994 e 2002. Foram concedidas 80 empresas de diversos setores, incluindo a Vale, Telebras, Embratel e bancos. Embora o PIB brasileiro tenha aumentado em 20% nesse período, a média mundial ficou em 32%. Esse processo marcou uma mudança significativa na gestão estatal de empresas.

Governo Lula (2003-2010) – Lula, em seu primeiro mandato, adotou um modelo diferente, optando por concessões em setores como usinas, rodovias e aeroportos, em vez de privatizações diretas. Durante seus dois mandatos, o Brasil registrou o maior crescimento econômico da série histórica, com o PIB aumentando 43% entre 2003 e 2010. Esse período contrasta com a fase de privatizações massivas no governo anterior, embora tenha focado em concessões.

Governo Dilma (2011-2016) – Dilma Rousseff, mantendo a estratégia de Lula, continuou com concessões em setores como transporte rodoviário, linhas de transmissão e aeroportos, além da privatização da IRB-Brasil Resseguros. No entanto, o país enfrentou um período de estagnação econômica, com o PIB brasileiro não registrando crescimento nos seis anos de seu governo.

Governo Temer (2016-2018) – sob o comando de Michel Temer, o Brasil iniciou um ambicioso pacote de privatizações, com a expectativa de concluir 75 projetos em 2018. Esses projetos envolviam diversas modalidades, como venda total ou parcial de participações acionárias em estatais, concessões, arrendamentos e prorrogações de contratos existentes. A previsão oficial de arrecadação com os leilões era de R$28,5 bilhões, com destaque para a Eletrobras, estimada em R$12,2 bilhões.

Governo Bolsonaro (2018-2022) – Jair Bolsonaro, ao assumir a presidência, manteve e intensificou a agenda de privatizações. Durante seu governo, 36% das estatais brasileiras foram privatizadas, reduzindo o controle da União de 209 para 133 empresas. A Eletrobras foi uma das empresas emblemáticas privatizadas, e outras, como os Correios, entraram na mira do processo de desestatização. A busca por atrair investimentos e reduzir a participação do Estado na economia foi um dos pilares dessa estratégia.

Privatizações em São Paulo

A história das privatizações em São Paulo desvendam um padrão inquietante de decisões que favorecem interesses econômicos em detrimento do bem-estar coletivo.

É essencial que a sociedade se envolva no debate sobre o futuro do estado, questionando a lógica por trás dessas privatizações e exigindo transparência, prestação de contas e uma abordagem mais alinhada às necessidades reais da população.

A confiança no modelo privatizante precisa ser substituída por um olhar crítico, considerando os impactos sociais, econômicos e éticos dessas políticas.

Na década de 90, os governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin protagonizaram a privatização do setor energético, comprometendo a qualidade dos serviços, elevando tarifas e reduzindo empregos. 

Mesmo após críticas do então candidato Covas ao projeto no governo Fleury, Covas e Alckmin lideraram o maior programa de privatizações do estado, aprovando o PL 71/96, instituindo o Programa Estadual de Desestatização (PED) e a Companhia Paulista de Administração de Ativos (CPA) em junho de 1996. 

Geraldo Alckmin, presidente da CPA, conduziu as privatizações, resultando na venda de rodovias, ferrovias e empresas essenciais, gerando redução de postos de trabalho e salários.

Em 2007, José Serra contratou instituições financeiras para avaliar o patrimônio de 18 estatais paulistas e avançou nas políticas neoliberais sobre a gestão pública. Serra montou um conselho com bancos como JP Morgan, Morgan Stanley, UBS Banco, Banco Espírito Santo, Citi e Fator. 

As 18 empresas foram categorizadas em três grupos, considerando o potencial de venda e valor de mercado: 

1) Nossa Caixa, Sabesp e Cesp, estimando um patrimônio conjunto de R$ 25 bilhões, conforme a Bolsa de Valores de São Paulo, na época; 

2) o Metrô, CDHU, CPTM, Dersa, Emae e Cosesp; 

3) CPP, Cetesb, Prodesp, Imesp, EMTU/SP, CPOS, IPT, Codasp e Emplasa.

Sob a gestão de João Dória, os planos de privatizações focaram em concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). Incluiu a preparação da privatização da Sabesp e a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. 

Estudou-se, também, a possibilidade de empresas gerirem presídios, – onde vamos nos deter mais a frente – e o Tribunal de Contas do Estado autorizou a privatização de quatro presídios em São Paulo em 2019. 

Nos últimos anos, debates intensos surgiram sobre as implicações sociais, econômicas e políticas dessas privatizações. A história revela que o impacto dessas decisões vai além do econômico, afetando a vida e o bem-estar dos cidadãos.

Ao invés de preservar o controle estatal e ampliar o acesso a direitos essenciais, o governo paulista dificulta esse acesso e entrega o patrimônio do estado à iniciativa privada, afundando ainda mais o abismo econômico entre a população mais pobre e negra e o bem-estar coletivo.

É fundamental defender a produção nacional, sem fanatismo patriótico, mas que garanta a soberania do país em confronto direto com a política de privatização que rouba dos mais pobres para entregar aos mais ricos.

5 desvantagens para a sociedade civil com as privatizações

1 – Possível aumento de tarifas: Privatizações podem resultar em aumentos nas tarifas de serviços essenciais.
2 – Perda de controle democrático: Transferência do controle democrático para o setor privado, levantando preocupações sobre transparência.
3 – Desafios para os trabalhadores: Privatizações frequentemente resultam em reestruturações e cortes, prejudicando a estabilidade no emprego.
4 – Foco em lucros de curto prazo: Acionistas privados podem priorizar retornos financeiros em detrimento de investimentos a longo prazo.
5 – Impacto na equidade social: Privatizações têm o potencial de agravar as desigualdades sociais, afetando negativamente comunidades carentes no acesso a recursos essenciais.

Privatização dos presídios e do sistema socioeducativo

ste escopo de privatizações, como colocado anteriormente, estão nos três níveis federativos e com as terceirizações que se deram primeiro nas áreas de conservação e limpeza, e segurança. E agora vemos se expandindo para outras áreas e em relação aos governos municipais, estaduais ou/e federal.

É importante registrar aqui que este movimento de suposta modernização, eficiência e desenvolvimento se deu de maneira impulsionada por países do norte global, aos países periféricos. Sempre apontando como essas medidas seriam uma superação de um atraso econômico. Entretanto as privatizações nesses países centrais do capitalismo se concretizam apenas quando eles têm de fato uma vantagem.

Se por um tempo as concessões de parceria público e privadas, estavam atreladas em relação ao transporte, energia, usinas, comunicação entre outros, demonstram que tais parcerias, por fim, se davam como qualquer outro processo de privatização e não menos inofensivo. Entretanto a coisa se expandiu por completo e temos hoje agendas de privatização de presídios.

Neste ano de 2023 tivemos o segundo presídio privatizado, onde a concessionária que ganhou vai ter o direito de construir o local, gerenciar, e assim como as outras privatizações o lucro vai ser dos lobistas e a conta para os trabalhadores.

Se no Brasil racista em que vivemos a prisão é máquina de privar a liberdade e de matar pessoas negras, conseguem imaginar eles lucrando com isso?

Sim, lucrando, dado que cada vaga neste presídio terá o valor de 233 reais, se atingimos recordes de encarceramento de pessoas sem muitas empresas lucrando, a partir disso enquanto mais pessoas encarceradas, maior vai ser o repasse do Estado para esses presídios privatizados.

Como um efeito cascata, o governador de São Paulo Tarcisio Freitas (PP) também já comunicou no seu pacote privatista, além da CPTM, METRÔ e SABESP, também quer ampliar a privatização da Fundação Casa. Aqui é colocado como ampliação da privatização porque, a vigilância, cozinha e lavanderia já são terceirizados no estado.

A Fundação Casa é um espaço onde jovens cumprem medidas socioeducativas seja em forma de internação ou semiliberdade. As outras medidas socioeducativas se dão por meio aberto, como a Liberdade assistida (LA), prestação de serviço à comunidade (PSC), obrigação de reparo de danos e advertência. Tanto a LA quanto a PSC já são aplicadas por meios terceirizados em São Paulo.

 Os trabalhadores da fundação entraram em greve em conjunto com as outras categorias no dia 28/11/2023 em forma de protesto contra a onda de privatização que vem tomando conta do nosso cenário político, mas que não é de agora, e sim projeto de longa data de privatização que só vem demonstrando no processo histórico que só é benéfico para as grandes empresas.

Em um país que tem dificuldades de falar e compreender cotas raciais, que sempre levanta a pauta de reduzir a maioridade penal como solução de segurança pública, estes projetos privatistas vem de contra mão do que entendemos como direitos humanos e básicos.

Ainda coloca em risco a vida de centenas de pessoas, onde o ataque de direitos sai de todas as esferas e o alvo é o mesmo, pessoas preferencialmente pretas.

O governo Lula mantém a política de encarceramento em massa

Segundo o site Intercept Brasil, o governo Lula, ao buscar ampliar a privatização de presídios, trouxe à tona questionamentos e críticas. A iniciativa foi impulsionada por um contexto em que a empresa Soluções Serviços Terceirizados venceu um leilão para construir e administrar um presídio em Erechim, no Rio Grande do Sul. 

Vale ressaltar que essa não foi uma ideia originada no governo Lula, mas sim uma continuidade de uma proposta que já existia no governo anterior, de Jair Bolsonaro e residia em antigas intenções de seu vice, Geraldo Alckmin. 

Em setembro de 2022, aumentaram-se os benefícios para a privatização de presídios, evidenciando uma postura que reforça a lógica do encarceramento em massa. 

O vice-presidente Geraldo Alckmin assinou um decreto classificando o sistema prisional como “projeto de investimento prioritário”, inserindo-o na área de infraestrutura ou produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A população negra, periférica e pobre, é o alvo prioritário das políticas de encarceramento. As medidas de avanço às privatizações dos presídios e do sistema socioeducativo revelam uma incerteza do futuro quanto à regulação e fiscalização do sistema penal.

Podemos estar vendo o nascimento de ações para o lobby da reforma do código penal para manter as pessoas presas durante mais tempo visando a obtenção do lucro. 

Num país que visa a ratificação dos direitos humanos, deveríamos ter horror com a especulação através das prisões. Precisamos de mais escolas, ampliação de postos de trabalhos com dignidade, e às cadeias privatizadas abrem espaço para condições de trabalho análogo à escravidão (eufemismo para a escravidão moderna), mas vivemos sob o céu do país mais racista do mundo.

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