Editorial

Jornalismo e ritmo: Hip-Hop e celebração das negritudes como marco cultural e comunicacional

Da rua para a notícia: onde o hip-hop e o Dia da Consciência Negra encontram o jornalismo
Edição:
Redação

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A gente se reconhece nas ruas, nos becos, nos palcos e nas praças onde o hip-hop pulsa. Essa cultura, que há mais de quarenta anos se afirma como uma das expressões mais potentes das periferias urbanas, é também uma lente e um método que orienta a forma do Desenrola e Não Me Enrola de se comunicar, investigar e contar histórias. E está intimamente ligada às resistências e celebrações das negritudes.

Com tudo isso, marcamos o 20 de novembro – Dia da Consciência Negra e o associamos ao 12 de novembro – Dia Mundial do Hip-Hop.

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Ambas as datas remontam as formas de pessoas negras, periféricas e de grupos socialmente marginalizados estarem no mundo. A celebração da negritude e de uma manifestação cultural urbana e das quebradas é marcada pela urgência de falar, de disputar narrativas e de criar caminhos próprios rumo à denúncia de violações e à efetivação de direitos sociais. Assim foi com o rap, com o graffiti, com o break, com o DJ e com o conhecimento — os cinco elementos que formam essa cultura viva e insurgente.

Thais Siqueira e Ronaldo Matos, cofundadores do Desenrola e Não Me Enrola, ao lado do rapper Dexter, em abril de 2013, durante a coletiva de imprensa e gravação do DVD do artista. Essa foi uma das primeiras coberturas produzidas pelo Desenrola.

Da mesma forma, articulações históricas e de denúncia de racismo, além de análises de fenômenos da branquitude estão ligados ao preciso reconhecimento das marcas coloniais e de uma sociedade constituída por hierarquizar raças.

Assim, nosso jornalismo se estrutura sobre o princípio de tomar a palavra, questionar o olhar hegemônico e dar visibilidade às múltiplas existências que constroem os territórios populares.

A palavra como lança e instrumento de transformação

Assim como o MC transforma sua vivência em verso e denúncia, o jornalismo que fazemos transforma a experiência coletiva das quebradas em narrativa e reflexão. As matérias  contam o cotidiano dos bairros, as reportagens sobre cultura, educação e políticas públicas, ou as entrevistas com artistas e ativistas, todas partem da mesma ética: a de que a palavra é ferramenta de transformação social.

Como cantam os Racionais MC’s em ‘Capítulo 4, Versículo 3’: “A palavra tem poder, pode curar, pode ferir, pode salvar ou destruir.”

Esse verso sintetiza muito do nosso fazer jornalístico — a palavra como ponte, resistência e libertação. O microfone do MC e o bloco de notas do repórter nascem do mesmo desejo de comunicar o que o sistema insiste em calar.

Jornalismo é resistência

O hip-hop nos ensinou que comunicar é resistir. Nos anos de 1980 e 1990, as rádios comunitárias e os bailes de rap foram espaços de denúncia e organização política. Hoje, esse legado inspira novas linguagens: podcasts, vídeos, blogs e reportagens que continuam desafiando o silêncio imposto às periferias.

O Desenrola nasce dessa energia — de quem entende que o microfone, a câmera e o texto são extensões de uma luta histórica por visibilidade e autonomia. Assim como o hip-hop, o jornalismo periférico é coletivo, criativo e insurgente.

Parte da cena, parte da história

Não estamos apenas ao lado da cultura das periferias — somos parte dela. Assim como não focamos apenas nas mazelas das populações marginalizadas, nos direcionamos com olhos e ouvidos atentos ao legado do povo preto diaspórico. Nosso jornalismo integra a cena cultural que retrata. As pessoas que compõem nossa equipe participam de rodas de rima, batalhas, iniciativas de arte e educação popular. Caminhamos junto de artistas, produtores, comunicadores e educadores que cotidianamente têm no hip-hop um projeto coletivo de existência.

Estar inserido nesse circuito nos permite produzir uma comunicação que fala de dentro, com afeto, pertencimento e compromisso político. O Desenrola é parte do circuito cultural que narra o que vive e vive o que narra.

Registro feito por Thais Siqueira e Ronaldo Matos, cofundadores do Desenrola, durante o show do grupo Versão Popular, durante a Virada Cultural, em maio de 2013. O grupo era formado por artistas da zona sul de São Paulo.

Nós por nós: narrar é resistir

Ao longo dos anos, cobrimos batalhas de rima, oficinas culturais, saraus e coletivos que fazem do hip-hop um território de formação e cidadania. Mas mais do que tema de pauta, o hip-hop é um modo de fazer. É ritmo, é oralidade, é estética e é política. Está no nosso jeito de apurar, de escutar e de construir a notícia a muitas mãos — com o compromisso de romper estigmas e fortalecer a autoestima das quebradas.

Assim como entendemos a intersecção do Dia da Consciência Negra como potente catalisador da construção de um futuro possível baseado na igualdade racial, justiça social e valorização da diversidade no Brasil.

Se o hip-hop diz “nós por nós”, o nosso jornalismo afirma: narrar e celebrar é resistir.
Contar histórias a partir das negritudes e das periferias é reafirmar que a comunicação popular tem valor, que o saber produzido nos territórios é legítimo e que a cultura é também uma forma de política.

No cruzamento entre o beat e a palavra, entre o microfone e o bloco de notas, seguimos construindo pontes. O hip-hop ensina que falar da periferia é também falar com a periferia — e é esse diálogo que faz do Desenrola e Não Me Enrola um projeto vivo, coletivo e transformador.

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