Gostaríamos muito de compreender esta dinâmica, porque somos de fato um grupo de hip hop multilíngue e multinacional, visto que falo inglês como primeira língua e espanhol, e a Lena fala português e italiano.
Sinto que faço parte de um grupo muito pequeno e fechado de pessoas nos Estados Unidos que ouvem com frequência música em outros idiomas. Eu escuto música principalmente em espanhol, português e francês ocasional, gosto também de ouvir música em dialetos africanos. Isso não é muito comum nos EUA, já que apenas 4% dos americanos ouvem música em outras línguas sempre, 8% ouvem frequentemente, 25% dizem às vezes, 27% raramente e 34% nunca, segundo pesquisa feita com 5.778 entrevistados. E eu já fiz parte desses 34%.
Os quatro por cento que mencionei são quase inteiramente compostos de imigrantes latinos e seus descendentes que vivem nos Estados Unidos. De todas as pessoas que frequentemente ouvem música em outros idiomas, 52% são espanhóis.
As pessoas nos Estados Unidos vêem o mundo de uma lente extremamente limitada, a maioria de nós não sabemos nada sobre o mundo e, pelo pouco que sabemos, sempre nos colocamos no meio. Esse é um fenômeno maior que a raça, mas com o péssimo sistema de ensino que temos nas áreas negras daquele país, dá para imaginar o quão limitado é o acesso.
Hoje em dia falo português fluente, mas nem eu sabia que o Brasil tinha negros até assistir o filme Cidade de Deus, também achava que se falava espanhol aqui, o Rio de Janeiro era a capital e tudo era uma imensa floresta. Às vezes eu culpo o esporte nos Estados Unidos também, porque vejo que aqui no Brasil, mesmo quem é muito pobre e sem acesso à educação sabe que lugares como Barcelona, Madrid, Manchester e Portugal existem por causa dos times de futebol. Mas você pode acreditar que existem muitos pobres afro-americanos que nunca ouviram falar de nenhum desses lugares? Nossos esportes jogam apenas em outras cidades e estados dos EUA.
Minha jornada começou em 2010, então tenho cerca de 11 anos de imigração, hoje eu sei que outros lugares e línguas existem fora dos Estados Unidos. Primeiro foi com o espanhol, tive que aprender a língua por motivos sociais por causa dos problemas e da violência na minha comunidade. Você acredita que quando eu dirigia pela minha comunidade tocando música em espanhol, recebia muito julgamento do meu povo? Pessoas gritavam comigo quando eu estava com o som alto no meu carro. “Yo! Você é negro!! Ouça música negra, pare de tentar ser espanhol!”
Só para você nos entender um pouco mais, em muitas comunidades negras onde há imigrantes latinos, a maioria dos negros não os chama de latinos, a maioria os chama de “espanhóis”, o que pra mim era normal até eu começar a entender o mundo, e vi que espanhol é espanhol. Os ditos latinos foram colonizados por espanhóis e só falam a língua do colonizador, mas a maioria das pessoas não sabe disso. É como chamar os brasileiros de portugueses ou chamar os americanos de ingleses. Então, realmente, eu estava sendo julgado e discriminado pelo meu próprio povo com base em sua ignorância.
Em contraste os brasileiros são muito diferentes, a maioria das pessoas que vejo toca música em outros idiomas o tempo todo e é normal, ninguém grita, “ei, desligue essa merda de inglês!”. No Brasil, 62% da população acredita que é possível aprender línguas ouvindo música e muitas pessoas aqui pensam nisso porque estão usando as plataformas de streaming de música. Porém, existe outra realidade de muitas pessoas no Brasil que amam ouvir música em inglês ou em espanhol, mas nunca tentam entender as letras. Isso é muito difícil de compreender do ponto de vista dos Estados Unidos, acho que não conheço ninguém que faria algo assim. Lá se ouve música em outro idioma se você já tem conhecimento ou apenas ouve música em inglês.
É injusto quando você pensa sobre isso, para um artista nos Estados Unidos quando ele se torna popular, a arte dele pode se espalhar pelo mundo, oportunidades de shows e tudo, sem nunca ter que aprender nenhuma outra língua. Um exemplo disso foi em 2019, quando Cormega, um dos meus rappers favoritos, veio ao Brasil se apresentar na Zona Leste. Além de cantar todas as suas músicas em inglês, ele realmente tentava falar com o público apenas em inglês, fazendo perguntas e até esperando uma resposta, ou dando comandos como “levanta as mãos pra cima!”. Achei ridículo e disse a mim mesmo que se eu ficasse famoso um dia, nunca faria algo assim, pelo menos tentaria aprender algumas palavras do país em que estou atuando. Um artista brasileiro nunca faria isso, você não pode ir para os EUA e só fazer rap em português, ou só falar em português com o público, isso nunca daria certo e ninguém prestaria atenção em você. Poderia funcionar se fizessem um show para a comunidade brasileira, mas os números de possíveis fãs não ficariam muito altos nesse caso.
Eu tive a oportunidade de sair do país ainda muito jovem. Quando concluí o ensino médio fui para a Europa morar com tias e primas que se estabeleceram no norte da Itália, na cidade de Gênova. Até então eu fui sem muitos propósitos. Eu queria mesmo era sair do bairro onde eu morava aqui em São Paulo, trabalhar e ajudar a minha mãe. Passei 10 anos da minha vida lá, onde eu pude assistir a muitos shows internacionais e viajar por alguns países da Europa. Com o forte fluxo de imigração de povos de alguns países europeus, África e América do Sul, é muito comum entre os italianos ouvir música em outros idiomas, mesmo que não saibam falar esses idiomas e muitos artistas italianos cantam em inglês, espanhol, francês e até mesmo português como é o caso das cantoras Gaia Gozzi e Charlotte de Melo.
Segundo a pesquisa Music Listening 2019 da IFPI (International Forum for Postgraduate Studies Information) – organização que representa a indústria discográfica no mundo inteiro, na Itália a música pop ainda predomina. A Itália segue a tendência geral com algumas peculiaridades. O repertório local continua a dar voz, mas isso também pode ser constatado nos rankings e certificações semanais e anuais que, durante anos, viram principalmente os artistas italianos no topo, com um aumento também no mercado de singles: 61% ouvem ao pop italiano, seguido pelo rock e composição, enquanto trap e hip hop explodem entre os jovens, pontuando 53% na faixa dos 16-24 anos, e latim em alta (37,6%).
E as músicas que têm diversos idiomas em um? Bom, esse é um estudo que não consigo encontrar ou talvez ainda não tenha sido realizado, mas poderia haver um grupo de pessoas que gosta especificamente de ouvir música que tenha mais de um idioma? Gostaríamos muito de compreender esta dinâmica, porque somos de fato um grupo de hip hop multilíngue e multinacional, visto que falo inglês como primeira língua e espanhol, e a Lena fala português e italiano.
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