Uma periferia maior que muitas metrópoles brasileiras têm direito a uma universidade pública, não?

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É consenso em toda sociedade que a educação é um direito. A maioria da população brasileira acredita que o acesso ao ensino superior, em especial para os pobres, é uma forma de ascensão social, cultural e econômica. A procura de jovens por cursinhos pré-vestibulares é um grande indicador de que a população quer acessar o ensino superior. 

Entretanto, o acesso à universidade ainda é um direito negado a muitos, sobretudo a classe trabalhadora periférica. O número de vagas em universidades públicas é MUITO menor que o número de interessados. 

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A título de exemplo: em 2022, a USP (Universidade de São Paulo), principal universidade pública do Brasil, ofereceu 8.211 vagas em seu vestibular, a FUVEST, que teve mais de 110 mil inscritos. O ENEM, principal porta de acesso ao ensino superior no Brasil, teve em 2022, o total de 3,4 milhões de inscritos que disputaram apenas 228 mil vagas pelo ProUni* e 226 mil vagas pelo SISU**.

Aos moradores das periferias do Brasil o acesso ao ensino superior tem ainda mais um obstáculo: à mobilidade. As universidades em sua maioria, para não dizer todas, estão distantes das periferias, de modo que aqueles periféricos que ousam cursar o ensino superior precisam gastar horas se deslocando, em um transporte público precário e no trânsito caótico como o de São Paulo. Algo que desanima ou mesmo impede que eles consigam permanecer no curso. 

Para além da universidade enquanto um direito à educação, já é provado que uma universidade contribuiu em muito com desenvolvimento econômico, social, cultural, local e regional, portanto é também um instrumento de melhoria de vida da população da região onde é instalada e funciona. 

Portanto, a existência de universidades em diferentes lugares por esse Brasil afora é essencial, mas sobretudo nas periferias, onde se encontra a maior massa da população brasileira. 

Deveria ser política de Estado a criação e manutenção de universidades por todas as periferias existentes, especialmente nas periferias que têm a dimensão de uma cidade ou ainda maior, como é o caso da zona sul de São Paulo.

Considerando apenas uma parte da zona sul de São Paulo, a saber, os distritos da zona sul conhecidos como da “ponte pra cá” (Campo Limpo, Capão Redondo, Vila Andrade, Jardim Ângela, Jardim São Luís, Grajaú, Socorro, Cidade Dutra, Parelheiros e Marsilac), têm mais de 2 milhões de pessoas, cerca de 2,4 milhões de habitantes. A Zona Sul inteira tem cerca de 3,4 milhões de habitantes e o município de São Paulo tem cerca de 11,4 milhões de habitantes, de acordo com os dados mais recentes do IBGE.

Se essa periferia fosse considerada um município, seria a quarta cidade mais populosa do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, tendo essa última cerca de 2,8 milhões de habitantes. Seria do tamanho de duas capitais brasileiras, Fortaleza e Salvador, ambas com 2,4 milhões de habitantes. 

Portanto, essa periferia da “ponte pra cá” é maior que a maioria das capitais brasileiras, como Belo Horizonte (2,3 milhões), Manaus (2 milhões), Curitiba (1,7 milhão), Recife ((1,5 milhão), e maior que importantes municípios do estado de São Paulo, como Guarulhos (1,3 milhão), Campinas (1,1 milhão), e de todo região do ABC (1,7 milhão).

Em todos os municípios citados acima temos universidades públicas, na maioria deles mais de uma, aliás, além de uma pública federal, uma pública estadual, algumas contam também com instituto federal. 

Assim, cabem algumas perguntas: por que nessa periferia de São Paulo não temos uma universidade pública ou um instituto federal? Para essa parcela da população o ensino superior não é um direito? A população periférica existe apenas para ser mão de obra braçal ou técnica para o restante da cidade de São Paulo?

Na verdade, não sabemos bem ao certo qual é a resposta. O que sabemos é que os movimentos populares dessa região estão se organizando para conseguir uma universidade pública popular para essa enorme periferia.

Vários movimentos sociais e coletivos estão se organizando em torno do Fórum em Defesa da Vida para cobrar dos órgãos públicos a instalação de uma universidade ou um instituto público na região. E quem conhece as lutas e mobilizações deste fórum sabe que essa luta só vai parar com a vitória. 

A reivindicação é que a universidade seja construída próximo ao terminal de ônibus do Jardim Ângela e da futura estação de metrô, um local de fácil acesso na região, para que os futuros estudantes não tenham que ficar horas dentro de um transporte coletivo, como é a realidade hoje. Os movimentos também advogam que nessa universidade seja oferecido cursos que contribuam com desenvolvimento local e de interesse da população jovem.

Alguns passos dessa luta já foram dados, como a coleta milhares de assinaturas, visitas às escolas públicas, rodas de conversa com cursinhos populares, além da adesão e apoio de dezenas de movimentos, associações e coletivos. 

No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da zona sul de São Paulo. Foto: Alan Francisco.

No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da região. O evento contou com a presença de diversos movimentos sociais, coletivos culturais e políticos, cursinhos populares (Carolina de Jesus e Cursinho Popular do Capão), parlamentares do campo progressista e com o frei Davi, um dos grandes lutadores pela educação superior, criador do movimento Educafro. 

Os próximos passos são: aumentar o número de assinaturas do abaixo assinado chegando a 10 mil, e uma AUDIÊNCIA PÚBLICA POPULAR, que será realizada no dia 21 de outubro de 2023, no Jardim Ângela. 

Para essa audiência os movimentos estão convocando o prefeito de São Paulo, o ministro da Educação, o ministro dos Direitos Humanos e outras autoridades, e esperam mobilizar centenas de moradores da região, em especial aqueles que acreditam na educação como instrumento de transformação da vida e da sociedade. 

Vale dizer que essa luta nasce também dos sonhos e do legado do padre Jaime. Há anos ele manifestava publicamente a necessidade de termos aqui em nossa periferia, uma universidade pública que formasse os profissionais da educação, da assistência e da saúde, mais consciente e sensíveis a nossas demandas, porque como ele sempre dizia “a cabeça pensa onde os pés pisam”.

*ProUni (Programa Universidade Para Todos promove o acesso às universidades particulares brasileiras para estudantes de baixa renda) 

**SISU (Sistema de Seleção Unificada para universidades públicas)

Este é um conteúdo opinativo e não é produzido pelo Desenrola e Não Me Enrola.

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