Opinião

Ultrapassamos o limite: esse é o balanço da crise que vivemos

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Tudo é muito mais complexo do que um parágrafo pode explicar em um texto de coluna, mas o que precisamos entender é que o passado se alia ao futuro para construir um cenário.

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Guavirutuba, Jardim Ângela zona sul de São Paulo – Foto: @menino_do_drone

Mo igbá ori mi

Eu saúdo minha Cabeça!

Mo igbá olá obirin àgbá

Eu saúdo as Mulheres Anciãns com Honras!

Pois tudo no mundo se dá a partir de nossas cabeças e das mulheres que nos antecederam.

Anabela Gonçalves

Todos os dias existe a luta pelo território em nossas vidas, sendo território qualquer espaço definido e delimitado a partir das relações de poder. Essa luta imprime sobrevivência e permanecer. Luta pelo meu território, corpo contra os desmandos do Estado e da moralização da vida e o domínio machista, luta pelo território indigena, espaço de quem fomos, somos e nossa ciência, luta pelo território quilombola, nossa origem e resistência entre terreiros, ocupações, comunidades e favelas. A invasão de Pindorama, nosso território é uma marca de nascença de nosso povo, vozes de gritos à beira da praia, grande calunga que trouxe.

Aqui nesse pedacinho de África, nessa terra indigena, o tempo é Orixá. Foram tantas passagens importantes nesses últimos dias, que fica difícil escrever como todos os povos originários dessa terra se movimentaram sobre temas importantes.

O abril indigena trouxe a terra como discussão central no que diz respeito a luta indigena pela preservação do planeta, dos territorios sagrados para as 305 etinias presentes no Brasil, a demarcação dos territorios como chave para luta contra o garimpo ilegal e o desmatamento da agropecuaria, sendo dia 19 de abril um dia de luta para população indigena em todo o Brasil.

Celebramos o dia da Terra, 22 de abril, com a carta manifesto dos povos originários publicada pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Em contrapartida, vimos a polícia federal (Funai) abrir um inquérito contra a liderança indigena, Sônia Guajajara, por suas denúncias contra a ineficiência do governo federal em combater a pandemia nos territórios indígenas, o que consideramos perseguição política, o que vem ocorrendo com frequência no atual governo.

O que há de errado com essa gente, que se emociona com o sol em um dia de chuva, que se envolve com o barulho do vento. Talvez meu povo do qual não faço mais parte, pudesse me dizer, porque sou o que sou. Mas eu não estou na aldeia e nem na Nigéria onde a cultura do povo iorubano se assemelha aos cultos de matriz africana no Brasil, estou no meio, entre, caminho, não sou chegada, nem partida. Essa é a tortura da mestiçagem, essa possibilidade de escolha, onde nem todas as peças que se encaixam vem do mesmo quebra cabeça na constituição do individuo, uma negraindigena, uma Afro amerindia.

Assim como os povos indigenas o movimento negro também se levanta contra a ineficiencia do governo em combater o vírus, como sua necropolitica, disfarçada de luta contra o trafico de drogas, que assola violentamente as comunidades com exterminio. Chegamos em maio de luto pela Chacina do Jacarezinho (RJ), entre tantas outras perdas que tivemos.

Minha geração não viu uma guerra no Brasil, mesmo sabendo que essa cidade já foi cenário de uma batalha tenentista. Essa guerra silenciosa que remonta mortes e fome, tem assolado nossas vidas de forma violenta. As mudanças econômicas, políticas e sociais que vem ocorrendo para fortalecimento do capitalismo durante essa crise que se inicia em 2008. A pandemia agrava o que já seria a pior década em mais de um século, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a economia brasileira encolheu 4,1% em 2020.

Sabemos que a crise brasileira tem um pé atolado no super estímulo ao consumo e não a produção, desde de sua origem histórica, somos um tradicional fornecedor de matérias primas, baseado em commodities. Nesse sentido, o crescimento do PIB – Produto Interno Bruto em 2010, 7,6% com as políticas de isenção de impostos para eletrodoméstico, carros e construção não foi suficiente para deter a onda que se formava. Em 2015, o PIB chegou a 3,8% e a presidenta Dilma foi responsabilizada por uma questão histórica da cultura econômica brasileira.

Tudo é muito mais complexo do que um parágrafo pode explicar em um texto de coluna, mas o que precisamos entender é que o passado se alia ao futuro para construir um cenário.

O neoliberalismo brasileiro começa com o governo Collor de Mello, e se consolida com a chegada de Fernando Henrique Cardoso, desde então a política é redução do investimento público e privatização de empresas estatais. Ficamos tão dependentes e fragilizados que a única forma de democratizar a educação foi com a participação do capital privado.

O que isso tem haver com o cenário atual, a manutenção e o avanço no ritmo de produção de vacinas está diretamente relacionado com a dependência de importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), que vem da China. Não produzimos o IFA, portanto, é óbvio que os países originários do insumo só vão liberar sua patente depois de toda sua população imunizada, “pouca farinha, meu pirão primeiro”, como diria minha mãe.

Para a luta contra o desmatamento, vale o mesmo, enquanto o mercado brasileiro estiver voltado para exportação de insumos, mais cresce o ganho com a exportação de soja, carne, entre outros produtos, quanto mais ilegal o négocio, menos imposto se paga e mais se ganha, com um governo que favorece o neoliberalismo e seu avanço, chegamos ao maior número de mortes de lideranças indigenas em 11 anos e maior número de invasão de territorios indigenas.

Ser flecha em tempos de bala não é fácil, agir no mundo e transformá-lo sem ferir suas crenças ancestrais requer muita presença em tudo que se faz, porém estar presente o tempo todo é muito cansativo. Como resistir aos encantos da lua, seja na minha ancestralidade yorubana ou indigena, que tem em si a magia da força da criação, sendo ela Ósùpá ou îasy, mesmo em outra língua indigena que seriam inumerável a possibilidade de nomes que ela teria, eu nunca me livraria de ser tomada pela sua presença no céu, nem pelas estrelas e sua magia de amplidão que o escuro traz em lugares que podemos vê-las.

Não poderia deixar de me envolver profundamente com fogo ou de acreditar nos invisíveis. Mesmo com toda modernidade isso ainda me arrebata mais. Tudo que importa exige tempo, diminuir o ritmo, vivenciar o momento e comungar com a terra.

Segundo dados da ONU, somos hoje 83 milhões de mulheres na América Latina fora do mercado de trabalho, menos segregação no mercado de trabalho, igualdade de remuneração e aguardando vacina para todes. Estamos no nosso limite, esse é o balanço da crise, estamos sem renda, saúde e segurança, aqui chegamos a mais um domingo do dias das mães, onde as mercadorias, não dão conta de esconder a fratura exposta por essa pandemia.

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