Como me descobri um sujeito periférico e o que isso quer dizer para mim e para as juventudes das periferias de São Paulo.
Salve, quebrada! Eu não sei muito bem como devo começar essa coluna, mas citando já de cara o mestre Emicida: “é necessário voltar ao começo”. Sou morador do Jardim Aracati, no distrito do Jardim Ângela, extremo sul da cidade de São Paulo, mas nasci em São Roque, interior de São Paulo, em 1997. Só fui até lá nascer mesmo. Segundo minha mãe, todas as maternidades dos hospitais públicos aqui da capital estavam lotadas.
Quando criança, vivia aquela vida que só quem mora nas “bordas” conhece: jogava futebol descalço na rua e o “golzinho” de chinelo; pipa no alto, pipa nos fios, tênis nos fios, “gato” nos fios; som alto; funk, rap, forró… Eu poderia escrever uma página inteira só sobre essas vivências, mas acho que deu para entender.
Comecei a trabalhar aos 16 anos e só então eu percebi o motivo diário das reclamações da minha mãe: “estamos longe de tudo!”. Até então meu tudo era aquele bairro. Por causa do trabalho e da escola, saía muito cedo de casa e voltava muito tarde.
Foi quando um sentimento de revolta começou a bater. Estávamos realmente longe de tudo. Mas o que era “tudo”? Passado alguns anos, entendi que esse tudo era muita coisa, desde um caixa eletrônico até uma estação de metrô. Me acostumei com a rotina, acabei a escola e já engatei na faculdade. Não podia parar justo na hora que eu entendi o que era “tudo”.
No segundo ano da faculdade de jornalismo, conheci o Desenrola e participei do Você Repórter da Periferia. A partir daí o meu entendimento como sujeito periférico, ou periferiano, aconteceu. Ok, mas por qual motivo eu expliquei tudo isso?
Foi essa atmosfera que fez eu me entender como periferiano e me deu a oportunidade de escrever aqui, e que eu e você somos o nosso lugar. Que as periferias são diversas e ao mesmo tempo únicas. Que produzimos e consumimos nossa própria cultura, em nosso próprio universo.
Fugindo da lógica da pirâmide invertida do jornalismo, onde a informação mais importante vem primeiro, só quem leu até aqui vai saber o propósito dessa coluna mensal.
A ideia é conversar com os jovens para que se enxerguem também pertencentes à nação periférica e entendam toda a potência e referências desses lugares, através de textos como: as influências do rap e do funk para as quebradas; o empreendedorismo sem mesmo saber o que é isso; a autoestima de quem mora na periferia e outros assuntos que forem surgindo ao longo da minha estadia aqui nesse espaço.
Um jeito que eu arrumei para expressar toda a minha angústia e passar os tempos nos “busões da vida” foi escrevendo poesias sobre meu cotidiano. E aqui vai uma delas:
Sou da cor do talvez
Talvez polícia
Talvez ladrão
Talvez papai
Talvez irmão
Talvez rico
Talvez pobre
Talvez branco
Talvez negro
Talvez de quebrada
Talvez de condomínio
A única certeza
É que eu sou o meu lugar
Jardim Ângela vive em mim
Eu vivo nele
Ele tá na pele
Ele tá nos olhos
No busão lotado
No futebol de rua
No joelho ralado
O centro do mundo
Do meu mundo
Quebrada é mato
Eu mato e morro
Por ela.