Opinião

Periferia espacial

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Já estamos em julho, metade da jornada deste ano. Eu queria falar de muita coisa, mas não está fácil organizar as ideias. Poderia ser um efeito pós covid-19, acredito que seja, mesmo não me contaminando com vírus.

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Favela do Pulman – Foto: @menino_do_drone

Eu realmente acredito na ciência. É uma fé. É uma reverência semelhante à religião. Entretanto, como sempre dizemos, é diferente da religião porque, pelo o que podemos deduzir, existe fora de nós. Tem uma qualidade objetiva, o processo da ciência.

Bill Nye

A vida ficou mais confusa, na prática continuamos trabalhando, estudando, muitos se relacionando, por conta do afastamento social que diminuiu. Entretanto, depois de tantas mortes, sentimos que algo nunca mais será como antes, afinal, minha geração nunca viveu algo tão fulminante.

Acredito que nunca se falou tanto em ciência, sua eficácia, investimento, credibilidade, etc., deixa a gente confuso entre gripe, vírus, anticorpos, saúde e fake news.

Aqui na periferia, ainda existe uma outra dimensão, a ciência ancestral, o benzimento, as garrafadas, entre outras curas equivalentes, pois, vivemos holisticamente, não na tese, mas na crença.

Entre nossas diferenças, de crenças e olhares, gostaria de poder afirmar que estamos indo para um lugar melhor, que a pandemia ensinou que somos todos iguais, mas na verdade essa avalanche histórica ampliou as margens do rio que divide humanidade e humanos.

A humanidade é moderna, usa tecidos não poluentes, come alimentos sem agrotóxico, bebe água mineral e vai passear no espaço. Os humanos vivem as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, a poluição que devasta a fauna, a flora, e a exploração desmedida do trabalho.

Os humanos andam pelas ruas, a humanidade nas redes sociais em propagandas bonitas e interessantes. Vale a pena trabalhar para ser a humanidade, apesar da conta aqui em casa não cobrir esse tipo de imprevisto.

A maior potência humana é a descoberta, a ciência trabalha nessa chave, e eu como parte da espécie humana, quero também usufruir das benesses da humanidade cheia de consciência ecológica e política, mas ela ainda é pouco acessível à periferia.

Alguns projetos promovem táticas de acesso a alimentação saudável, consciência ambiental e reaproveitamento, mas a luta contra a indústria e o capital rapidamente em uma crise econômica como essa, nos coloca a mercê de suas mercadorias de preço baixo, para ter o mínimo no prato.

Os cientistas nos contam que a luz demora muito tempo para viajar pelo universo, portanto, se nós tivéssemos a capacidade de viajar anos luz pela galáxia e com um super telescópio olharmos de volta para a terra, não veríamos nós, no século 21, mas sim, dependendo do local no universo, talvez os dinossauros, as pirâmides sendo construídas, ou até o big bang. Isso quer dizer, que toda a história humana está gravada na luz atravessando o espaço, nos imortalizando como terráqueos.

Isso me remete ao que chamamos de ancestralidade, pois de alguma forma nossos antepassados vagam no espaço, com nossas dores e lutas, vendo e revendo em lupim as tragédias expostas no universo.

Nos olhos dos mais velhos, posso ver nosso passado, neles contém um universo de sentimentos e vivências, algumas se repetem comigo, algumas lutas foram herdadas, algumas conquistas realizadas, eles são nosso universo. Muitos se foram nessa pandemia, antes que suas histórias pudessem ser vistas por nós em nossa viagem pelo universo periferia.

A ciência é fundamental para mudar nossas vidas, sem dúvida, acreditar na história, na filosofia, na sociologia, na antropologia, na biologia e seus campos de estudos, trazem respostas importantes sobre nossas mazelas, pois se nós criamos as divindades, assim também somos os criadores das atrocidades.

Eu como socióloga não perdi minhas crenças nas divindades, curas ancestrais, mas aprendi que a ciência também tem seu lugar no divino quando nos retira do obscurantismo, da mentira, fake news, da morte vendida em caixas. A ciência como tudo no mundo, pode ser ponte ou abismo dependendo de quem tem a palavra.

Que nossa palavra seja nossa ciência em busca de uma mudança que proponha uma humanidade para os humanos, todos nós, mulheres, negros e negras, indígenas, pobres dessa terra.

“É importante ressaltar que emoção, a subjetividade e outras atribuições dadas ao nosso discurso não implicam na renúncia à razão, mas, ao contrário, num modo de torná-la mais concreta, mais humana e menos abstrata e ou metafísica. Trata-se, no nosso caso, de uma outra razão.”

Lélia Gonzalez, 1979

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