Opinião

O CARNAVAL, SEM CARNAVAL

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Os biomas brasileiros se misturam com a musicalidade tornando o carnaval uma miscelânea da história brasileira. Os blocos de carnaval de rua, hoje representam a difusão ou um lembrete da importância dessa cultura, sem ingresso, para todos, com ou sem fantasia, com ou sem bebedeira. Eu acompanho nas ruas a maior manifestação cultural brasileira.

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Foto: Arquivo pessoal Anabela Gonçalves – Bloquinho favela Monte Azul em 1994.

O carnaval é uma festa muito antiga, que sempre correspondeu às religiões não cristãs, mas que foi absorvida pelo cristianismo se tornando o período que antecede a quaresma. A palavra carnaval vem do Latim carnem levare, que significa “abster-se, afastar-se da carne”, véspera da quarta-feira de cinzas, tempo onde se inicia a abstinência da carne.

Mas em contraponto, o carnaval é a festa da carne, onde excessos são aceitos e fazem parte dessa tradição.

O carnaval veio nas naus portuguesas e foi envolvida pelos nossos ancestrais africanos em tambores e danças, o misto musical deu origem às marchinhas e logo mais ao samba. No começo feito com farinha e ovos, depois foi civilizado a moda europeia. Com toda sua importância Chiquinha Gonzaga, em 1899, compôs “Ó abre alas” a primeira marchinha feita com o tom mais próximo do que aconchegamos do carnaval.

Foi difícil escrever, pois entre tantos problemas importantes que estamos vivendo em nosso país, pouco mudou do cenário inicial dessa coluna, COVID-19, desgoverno Bolsonaro, crise econômica, mortes, muitas mortes e nosso coração querendo muito extravasar na avenida tanta dor, mas não houve carnaval e não sabemos quando poderemos abraçar as ruas da quebrada com nossos blocos.

Mas resolvi escrever sobre o carnaval, festa que já foi muito discriminada pela sua forma de promover na gente a vontade de romper as barreiras morais para trazer à tona nosso espírito livre.

Ainda nova, a Associação Comunitária Monte Azul fazia pequenos cortejos da favela até o Centro Cultural Monte Azul. Ainda no CJ – Centro para Juventude, meus educadores Cido Cândido e Rogério Modesto que além de educadores, eram atores das artes cênicas, faziam cantigas e sambinhas com a gente.

Dentro do dia a dia do CJ, entre as leituras, a hora do esporte e almoço, havia o tempo das cantigas e sambinhas tradicionais. Era assim como quem não quer nada o samba, o carnaval e a folia em nossas vidas.

Eu cresci em uma viela onde o samba não era a principal cantiga, em minha casa só se tocava Amado Batista e Bartô Galeno, mas o pagode e o samba faziam parte de um cenário maior na favela e na vida.

No natal na periferia a gente ia de casa em casa dos amigos e cada petisco de ceia trazia um pouco de música, muitas músicas e o samba em algumas casas traziam notas diferentes de ser e estar periféricos.

O Bloco do Vagaranha na Monte Azul e depois o Bloco do Beco, já mais velha me trouxe de volta aquela paixão dos 13 anos no cortejo da favela.

O samba dos trabalhadores que uniam culturas em um samba que tinha um tom de caxambu e jongo, na criação dos mestres do samba paulistano. Essas são referências que construí com tempo, com estudo, com as conversas do bar do Prudente, do Matias, do Ceará, tantos malandros reformados pela retórica da vida urbana que trazem em sua narrativa alguma ideia do samba. Chamamos essa sabedoria de Velha Guarda, aqueles que o tempo guarda a história oral de trabalhadores na construção do samba nas ruas e nas escolas de samba tradicionais.

Por isso o Bloco do Beco se tornou minha escola e minha militância, por me mostrar a face política do samba, suas linhas de resistência cultural e como se configura como narrativa e pertencimento do povo periférico.

O samba foi parte da ferramenta educadora que fez minha vida, lá no CJ. Eu entendo a importância da formação musical, mesmo que poética na construção da minha trajetória. Os blocos de carnaval periféricos trazem de volta ao braço dos trabalhadores a experiência subjetiva da produção cultural e artística.

Eu quero aqui homenagear os Blocos que vem fazendo nossos carnavais felizes na quebrada, bonitos em sorrisos, educativos no convívio comunitário, na cultura que enfeita a vida tão dura do nosso povo. Bloco do Vagaranha, Bloco do Beco, Bloco do Hercu, Bloco Afro ÉdiSanto, do Litraço, Fígado de Ferro, Eco Campos, entre outros que surgem entre as ruas da quebrada.

O carnaval é uma manifestação cultural legítima que precisa de tempo, ensaios, recursos para sair na avenida. O carnaval também é um direito cultural conquistado nos últimos anos e com isso fomentado pelo poder público, mesmo que ainda de forma tímida.

Lutamos pela festa do povo, pela vacina, pelas vielas e ruas cheias de alegria, pelo brilho do olho e das purpurinas, lutamos por política pública de auxílio ao povo pobre periférico nesse momento de crise. A cultura tem é luta!

Ascendência

Se eu soubesse naquela avenida,
carnaval que me embalava,
Mesmo que a repressão,
ali tardia
estivessem agourando nosso futuro,
o coração virava a cara,
da agonia de viver fraco.
Hoje olhar triste
sobre a avenida vazia,
Bandeira parada.
Nesta triste alvorada
me resta olhar no retrato dessa vida
A alegria é uma estação sem trilhos,
de milhões de incapazes,
No meu samba metáfora
da aurora que virá.

Anabela Gonçalves

Um ano sem samba é um ano sem reverência aos nossos ancestrais que lutaram para que traços musicais culturais juntos, preservassem também nossa cultura negra em diversas vertentes, seja litorânea, sertaneja ou urbana.

Os biomas brasileiros se misturam com a musicalidade tornando o carnaval uma miscelânea da história brasileira. Os blocos de carnaval de rua, hoje representam a difusão ou um lembrete da importância dessa cultura, sem ingresso, para todos, com ou sem fantasia, com ou sem bebedeira. Eu acompanho nas ruas a maior manifestação cultural brasileira. 

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