Menstruação é assunto para quem?

Um relato pessoal que expõe como o tabu sobre a menstruação atravessa gerações e reforça a importância da educação menstrual.
Por:
Elânia Francisca

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Meu pai conta que, quando era criança — lá pelos anos 1970, ouviu minha avó conversando com suas amigas sobre um tal de Chico. Ela dizia que odiava quando o Chico vinha e que ele estava para chegar.

Curioso, como qualquer criança saudável, meu pai perguntou à minha avó:

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— Mãe, quem é esse tal de Chico que a senhora está esperando chegar?

Meu pai disse que mal terminou a frase e foi surpreendido por um tapa no rosto, dado por minha avó. Depois daquele dia, ele entendeu que esse tal de Chico era parte de uma conversa que dizia respeito somente às mulheres, e que ele não tinha nada a ver com isso.

O tempo passou e calhou de meu pai crescer, se casar com minha mãe e ter três filhas que, aos 12 anos, menstruaram. Como era minha mãe quem trabalhava fora e ele quem ficava conosco em casa, uma de suas atribuições como responsável era comprar absorventes para nós.

Mensalmente, era necessário comprar, pelo menos, quatro pacotes de absorventes e, quando a grana apertava, minha mãe usava paninhos, para que nós pudéssemos usar os absorventes comprados.

Eu me chamo Elânia Francisca, tenho 40 anos, e essa história que contei faz parte de uma narrativa maior sobre a pobreza menstrual no Brasil e no mundo inteiro.

Eu sei que você, pessoa leitora, deve conhecer alguma história de gente que deixou de ir à escola por não ter absorvente, ou que enfrentou dificuldades para usar o banheiro escolar durante o período menstrual, porque não havia papel higiênico e, em alguns casos, nem água para se limpar no momento das trocas de absorvente. Eu não vou nem comentar sobre o sabonete ou o lenço umedecido, que são importantes nesse período.

São cinco dias do mês em que muitas meninas brasileiras ficam desconfortáveis diante da ausência de insumos para cuidar, com dignidade, de seu período menstrual.

Desde a criação do Programa Dignidade Menstrual, há a distribuição gratuita de absorventes em todo o Brasil, mas isso é apenas uma ação entre tantas outras necessárias para garantir a dignidade menstrual.

A educação menstrual é um exemplo de ação essencial para promover dignidade. Ela oferece informação sobre menstruação e saúde, não só para quem menstrua, mas para toda a população.

Esse processo educativo sobre menstruação nos ajuda a responder questões como: Por que menstruamos? Por que sentimos cólica quando menstruamos? Afinal, o sangue menstrual é sujo? Por que há quem molhe plantas com esse sangue? Coletor menstrual dói? É verdade que absorvente interno “tira a virgindade”? Menstruar dói?

Essas são perguntas que surgem no percurso educativo quando falamos sobre dignidade menstrual.

E isso não é papo de menina, não!

Os meninos também podem (e devem) vivenciar esse processo, para não crescerem acreditando em mitos preconceituosos sobre menstruação e para respeitarem as meninas na escola, em casa e na comunidade. Meu pai, por exemplo, só aprendeu que Chico era um apelido dado à menstruação quando se tornou jovem e se casou com minha mãe, pois, na infância, foi castigado ao tentar saber sobre o tema.

Minha avó ainda acredita que esse assunto é somente para mulheres, porque, durante muitos anos, foi educada para sentir vergonha de menstruar.

Dia 28 de maio é marcado pela luta em defesa da dignidade menstrual, e eu desejo que possamos ampliar as ações de educação menstrual e que haja garantia de direitos para que todas possamos menstruar com dignidade.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunista

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